Há um momento do Otelo que é inesquecível.
É quase uma metáfora do que se iria seguir na democracia portuguesa: de um lado o jovem espírito da mudança e, do outro, o espírito da velha guarda que pretende cavalgar a onda de mudança para que tudo fique um pouco na mesma.
Esse momento metafórico passou-se uns meses depois do 25 de Abril, em Julho seguinte, quando Otelo Saraiva de Carvalho é nomeado comandante-adjunto do Comando Operacional do Continente (COPCON) e comandante da Região Militar de Lisboa.
O filme da reportagem da RTP não começa na altura certa. A cerimónia inicia-se com um dos oficiais da Junta de Salvação Nacional, o general spinolista Jaime Silvério Marques, a fazer um discurso quase paternalista à audácia dos jovens capitães. E, na resposta, Otelo - que até era um dos militares da entourage de Spínola, de quem fora um dos seus oficiais na Guiné embora sem ser spinolista, e que estava a par sem participar no mal-enjorcado golpe de oficiais spinolistas de 16 de Março de 1974, desencadeado para se antecipar ao movimento dos jovens capitães que tanto desprezavam e que, no final, falhou porque o tal jovem movimento que estava no terreno o boicotou (ler as memórias do coronel Sousa e Castro, Capitão de Abril, capitão de Novembro) - Otelo, diante das câmaras da televisão decide - no momento - puxar as orelhas ao general.
Lê a sua nomeação e a sua graduação em brigadeiro como...
... uma vitória fulgurante de todo esse movimento levado a cabo sob ameaças profundas por todo um grupo de jovens oficiais que conscientemente decidiram arrostar com todas essas dificuldades, com toda a possibilidade de ver absolutamente comprometida as suas carreiras e as suas vidas para impor ao país a existência de uma democracia política (...). E a juventude aqui foi uma juventude de idade, porque fomos nós, entre os 25 e os 40 anos, que tomámos sobre nós o peso imenso da responsabilidade de derrubar um governo que todos nós deplorávamos, mas que os nossos generais - apesar de toda a sua juventude provável de espírito - não tiveram a coragem de derrubar.
Otelo - para gáudio de quem assistia a tudo pela televisão - diz mesmo que irá pedir ao general Silvério Marques os "conselhos de aderente desde o 25 de Abril às ideias do movimento". A chapada deu um tal estalo que Silvério Marques teve, a quente, de se justificar (5m20):
Eu não gostaria, depois das suas palavras, de dizer mais nada. Em todo o caso tenho de dizer. É que eu não aderi às ideias do movimento, porque às ideias do movimento expressas no programa eu já era aderente antes do shôr ser oficial. Eu aderi a um programa que não conhecia até ao dia 25 de Abril. (pausa) Porque a gente não pode aderir àquilo que não conhece. (...) E eu aderi a esse programa porque continha as ideias que eu sempre expressei por todo o lado. E é um programa que os jovens que o fizeram se podem orgulhar. É um programa de equilíbrio, honesto e é um programa digno.
E no final abraçou Otelo.
O programa do MFA era muito mais do aquelas inócuas palavras, sem sentido político. E, por isso, nos meses seguintes, a ala spinolista iria tentar torpedear a todo o custo a revolução e o movimento dos capitães e o seu programa.
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