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quarta-feira, 21 de julho de 2021

Saiba o que foi o Massacre de Tulsa

 super.abril.com.br /


Foto em preto e branco mostra uma rua com casas e comércios destruídos, durante o massacre racial em Tulsa, em 1921.

Era segunda-feira, 30 de maio de 1921, quando um jovem negro chamado Dick Rowland entrou em um elevador. Ao que tudo indica, o engraxate de 19 anos se desequilibrou e, para não cair direto no chão, segurou os braços de Sarah Page, uma garota branca de 17 anos que trabalhava como operadora de cabine. No susto, a moça gritou, e Rowland foi visto correndo para fora do elevador. Pessoas que ouviram o barulho e observaram a “fuga” logo levantaram acusações de assédio contra o homem, que chegou a ser detido. Este foi o estopim de um dos piores massacres raciais da história norte-americana.

Antes de seguir para o episódio, vale contextualizar o cenário em que tudo aconteceu. Estamos na cidade de Tulsa, no Estado de Oklahoma, em uma época em que a segregação racial ainda era extremamente presente. Negros e brancos eram impedidos de frequentar os mesmos espaços, e trilhos ferroviários separavam as moradias das populações.

Ao norte dos trilhos, estava o distrito de Greenwood – região que começou a prosperar em 1905 após atrair uma série de comerciantes e empreendedores negros. O bairro contava com hospitais, jornais, igrejas, escolas, bibliotecas, cinema, restaurantes, entre vários outros estabelecimentos pertencentes a proprietários negros. O bairro também contava com moradores médicos, advogados, entre outros profissionais liberais. O local ficou popularmente conhecido como “Black Wall Street” (Wall Street Negra).

Mas a cidade de Tulsa não era nenhum paraíso. Após a Guerra de Secessão, que impulsionou a abolição da escravatura nos Estados Unidos, muitos sulistas que haviam sido donos de escravos se mudaram para a região de Oklahoma. O fim da Primeira Guerra Mundial também intensificou os problemas: os soldados precisavam ser reinseridos no mercado de trabalho, e a competição por emprego também gerou conflitos raciais em todo o país. 

O desenvolvimento social da população negra incomodava. Além disso, em 1915 entrava em ascensão a segunda fase da Ku Klux Klan, que reuniu entre três e seis milhões de membros neste período. O crescimento exponencial do grupo extremista contribuiu para ataques e linchamentos nos Estados Unidos.

A interação no elevador entre Rowland e Page ocorreu no Drexel Building, único prédio no centro de Tulsa em que havia um banheiro permitido para negros. O engraxate foi detido e, no dia seguinte, acusado publicamente no jornal Tulsa Tribune. A imprensa não apenas noticiou a suposta tentativa de estupro como ainda publicou um editorial intitulado “Negro será linchado esta noite”. 



No ano anterior, um homem branco chamado Roy Belton já havia sido linchado em Tulsa por ter sequestrado e matado um taxista local. Um grupo de homens armados confrontaram o xerife da cidade e tiraram o homem da cadeia, levando-o depois para ser linchado em uma área isolada. Temendo que o mesmo se repetisse com Rowland, o xerife recém-eleito Willard M. McCullough organizou seus policiais e tentou espantar a massa de pessoas que se formava em frente ao tribunal. Eles não saíram. 

Enquanto isso, em outro canto da cidade, homens negros discutiam como evitar o linchamento de Rowland. Um grupo chegou a ir ao tribunal com armas a fim de defender o engraxate, mas o xerife assegurou que não haveria linchamento. Vendo o movimento, o grupo de pessoas branco, que estava em maior número, também buscaram suas armas. 

Em determinado ponto, um homem branco tentou desarmar um homem negro, o que resultou em um tiro. A confusão começou aí. O grupo de pessoas negras recuaram para Greenwood, mas outro grupo de brancos foi atrás, saqueando armas e munições de lojas locais. Não havia mais alvos: todos os negros, envolvidos na confusão inicial ou não, estavam na mira dos tiros. Na madrugada do dia 1º de junho, os invasores passaram a colocar fogo nas casas e lojas. Os ataques não eram apenas em terra: alguns pilotos sobrevoavam o bairro lançando dinamites no bairro. 

Um relatório apresentado pela Comissão da Rebelião de Tulsa em fevereiro de 2001 reportou 39 mortos, sendo 26 negros e 13 brancos. A estimativa, porém, pode não condizer com a realidade, já que as vítimas relatam que muitos corpos foram jogados no rio Arkansas e em valas comuns. Historiadores acreditam que o valor real pode chegar na casa dos 300 mortos e 10 mil desabrigados, além de um prejuízo de US$ 1,8 milhão (cerca de US$ 27 milhões reajustados pela inflação). 

A jovem Sarah Page retirou a queixa contra Rowland. Por muito tempo, o Massacre de Tulsa foi tratado como tabu. Sobreviventes evitavam tocar no assunto e muitos de seus descendentes nem conheciam a história, que também não era citada nos livros de história americana. Recentemente, foi aberta uma nova investigação para procurar por valas comuns na região. Até o momento, os pesquisadores encontraram o que parecem ser restos mortais pertencentes a uma dúzia de pessoas envolvidas no evento.

O que um dia foi chamado de “Black Wall Street” abriga hoje apenas algumas poucas empresas de empreendedores negros. Alguns sobreviventes do massacre, já na faixa dos 105 anos, seguem buscando por reparações no Congresso americano.


oglobo.globo.com 


Massacre racial mostrado em 'Watchmen' 

foi apagado da História americana




Conflito que matou 300 negros em Tulsa, na década de 1920, volta aos holofotes com a série

Guarda Nacional recolhe feridos durante o Massacre de Tulsa: cerca de 300 negros foram mortos, mas versão oficial registra apenas 39 Foto: Wikimedia Commons
Guarda Nacional recolhe feridos durante o Massacre de Tulsa: cerca de 300 negros foram mortos, mas versão oficial registra apenas 39 Foto: Wikimedia Commons

Na madrugada de 1º de junho de 1921, uma multidão de brancos atacou moradores negros dentro de suas casas e em lojas no distrito de Greenwood, em Tulsa, Oklahoma. Considerado “o maior incidente de violência racial da História americana”, o Massacre de Tulsa, como ficou conhecido alguns anos depois, ganhou os holofotes com o lançamento da série “Watchmen”, que estreou em outubro. Mas, ao assistir às cenas de abertura da série, muitos espectadores, inclusive americanos, se perguntaram se a história era real. Sim, o massacre ocorreu, deixou mais de 300 mortos, mas foi praticamente apagado da História dos Estados Unidos por décadas.

Além dos mortos, mais de 800 pessoas foram hospitalizadas e cerca de 6 mil moradores negros foram presos e detidos, muitos por vários dias. Apesar disso, a Cruz Vermelha se recusou a fornecer uma estimativa real do massacre, e estatísticas de Oklahoma registraram oficialmente apenas 39 mortos. Só em 1996, 75 anos depois do ocorrido, um grupo bipartidário autorizou a formação de uma comissão para investigar o caso. O relatório final, publicado cinco anos depois, em 2001, mostra que o governo de Tulsa “conspirou” com a multidão de brancos contra os negros.




O historiador Scott Ellsworth, um dos autores do livro “Death in a Promised Land: The Tulsa Race Riot of 1921” (Morte na terra prometida: o massacre racial de Tulsa de 1921, em tradução livre), explica as razões de o maior incidente de violência racial do país ser tão pouco conhecido até os dias de hoje.

Segundo ele, além do governo, o papel da imprensa foi crucial, não só para tentar apagar o acontecimento, mas também por incitá-lo: o Tulsa Tribune, um dos dois jornais locais mantidos por brancos à época, publicou uma manchete sensacionalista acusando um negro de ter atacado uma garota branca em um elevador, algo que nunca ficou provado, mas foi o estopim para o massacre.

— As notícias sobre o massacre foram ativamente suprimidas dos jornais locais chefiados por brancos. Por pelo menos 50 anos, editores e donos de jornais foram pressionados a não falarem sobre isso — conta Ellsworth ao GLOBO. — Mesmo cinco décadas depois, em 1971, um jornalista local tentou escrever uma reportagem sobre o confronto racial, e acabou sendo ameaçado de morte nas ruas de Tulsa. Nenhum dos jornais quis publicar a reportagem.

Black Wall Street

No início do século XX, algumas décadas após a escravidão, linchamentos não eram incomuns em Oklahoma, como parte de um esforço dos brancos para manter o domínio social, e a Ku Klux Klan crescia em pequenos grupos urbanos em todo o Centro-Oeste — o historiador Charles Alexander estima que até o final de 1921, Tulsa tinha cerca de 3.200 moradores pertencentes à Klan.

Casas e lojas são incendiadas no bairro de Greenwood, habitado por pessoas negras, em Tulsa, Oklahoma: maior massacre racial da História dos EUA Foto: Biblioteca do Congresso dos EUA
Casas e lojas são incendiadas no bairro de Greenwood, habitado por pessoas negras, em Tulsa, Oklahoma: maior massacre racial da História dos EUA Foto: Biblioteca do Congresso dos EUA

Tulsa, à época, vivia o boom do petróleo e, em 20 anos, passou de uma pequena vila de caubóis a uma cidade importante. E se havia muito dinheiro em Tulsa, parte desse dinheiro vinha da comunidade negra. O bairro de Greenwood era então conhecido como “Black Wall Street” — em referência ao distrito financeiro americano —, já que muitos ex-escravos haviam conseguido enriquecer rapidamente e criado seus próprios negócios, incluindo lojas, dois jornais independentes, dois cinemas (como o que é retratado na primeira cena da série) e boates. Também era relativamente comum a atuação de profissionais como médicos, dentistas, advogados e clérigos negros.

— Como o massacre causou muito caos na cidade, que ficou sob lei marcial e teve várias lojas depredadas e fechadas, entre os governantes locais havia o interesse de que as coisas voltassem ao normal o mais rapidamente possível. Eles não queriam que Tulsa, um centro importante da indústria de petróleo, que disputava espaço com outras cidades, ficasse conhecida como uma cidade insegura — diz o historiador.


 

Além disso, quando a Guarda Nacional proclamou a lei marcial, na madrugada do massacre, muitos dos mortos foram enterrados por estranhos, em túmulos não identificados. O que fez, segundo Ellsworth, com que muitos parentes nunca soubessem o que aconteceu de fato com seus filhos, primos, irmãos — o que também é retratado em “Watchmen”.

Nova investigação

Professor do Departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Michigan, o historiador fez parte de um grupo de especialistas que, há 20 anos, tentou pela primeira vez verificar a identidade das vítimas. Na equipe, estava o famoso antropólogo forense e especialista em direitos humanos Clyde Snow, que já havia identificado valas coletivas em Argentina, Brasil e El Salvador. Mesmo assim, apenas 39 corpos foram encontrados e identificados.

— Tentamos identificar três locais onde estavam alguns desses túmulos e fizemos testes iniciais, mas fomos impedidos de continuar pelas autoridades à época. Em maio deste ano, fui contactado pelo atual prefeito de Tulsa (o republicano George Theron Bynum) para finalmente recomeçar a investigação. E é o que estamos fazendo nos últimos cinco meses. Há três semanas voltamos a esses locais, adquirimos novos produtos para identificação e acredito que em um mês teremos mais dados para recomeçar a escavação, caso seja necessário, o que só deve acontecer no ano que vem. 2019

VÍDEO



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