O álcool não é apenas uma bebida que altera a consciência: desde os primórdios da civilização, tem sido um importante catalisador para a cultura humana, incentivando o desenvolvimento da arte, da linguagem e da religião.
Texto Andrew Curry Fotografia Brian Finke
Uma recém-casada chinesa brinda aos seus convidados com uma taça de vinho de arroz tradicional. A bebida é consumida na China há, pelo menos, nove mil anos. Um resíduo químico encontrado num jarro dessa época é a prova mais antiga de uma bebida intencionalmente fermentada, mas é provável que a influência do álcool remonte a tempos mais recuados, ainda na pré-história.
Qualquer cervejeiro que exerça o seu ofício na Alemanha tem de conhecer Martin Zarnkow. Os alunos matriculam-se no seu curso na Universidade Técnica de Munique, pois este é um dos poucos locais onde se pode obter uma licenciatura na ciência do fabrico de cerveja.
Algumas das maiores cervejeiras alemãs contactam Martin para averiguar a origem de maus sabores, criar novas cervejas ou simplesmente comprar uma das suas centenas de estirpes de levedura.
O seu laboratório está protegido por portas com códigos de segurança e dotado de equipamento técnico sofisticado e sequenciadores de genes. Hoje, porém, ele não está a usar nada disso.
Enquanto serve um café, Martin diz-me que o seu plano para hoje é reproduzir uma receita de cerveja suméria com quatro mil anos.
Encontro-o ao fundo do salão, debruçado sobre um forno na cozinha reservada aos funcionários, remexendo com uma espátula uma panela com aquilo que parece massa de bolachas de aveia.
As bolachas são feitas de malte de cervejeiro – grãos de cereal germinados e torrados – misturado com farinha de trigo e colheradas de levedura natural. Enquanto serve um café, Martin diz-me que o seu plano para hoje é reproduzir uma receita de cerveja suméria com quatro mil anos.
Em algumas zonas da América do Sul, há milhares de anos que a cerveja de milho conhecida como chicha é um componente essencial da alimentação. A fermentação era um trabalho tradicionalmente feminino. Esta página de uma crónica espanhola escrita no século XVI, no Peru, mostra um nobre a servir chicha a um imperador inca, que ergue o copo para brindar ao deus do Sol: Inti. Colecção Privada.
Martin iniciou a carreira como aprendiz de cervejeiro, mas ele é também um famoso historiador da cerveja. É um homem grande, de barba grisalha, bochechas coradas e voz sonante; a sua barriga exerce pressão contra os botões da camisa de xadrez de manga curta. Se vestisse um hábito castanho, poderia perfeitamente desempenhar o papel de monge medieval, encarregado de abastecer a abadia com barris de cerveja.
Poderia ser a antiga abadia que fica mesmo ao lado: o edifício de Martin Zarnkow partilha o topo da colina com vista para o aeroporto de Munique com a cervejeira Weihenstephan, fundada por monges beneditinos em 1040 d.C. – a mais antiga cervejeira do mundo a funcionar em laboração contínua.
Não é preciso ser um frequentador habitual da Oktoberfest para saber que a Alemanha tem um longo passado partilhado com a cerveja.
Não é preciso ser um frequentador habitual da Oktoberfest para saber que a Alemanha tem um longo passado partilhado com a cerveja. Em França, começou a fazer-se vinho a sério depois da conquista romana (como na maioria do território europeu) e, desde então, a produção nunca parou. Durante muito tempo, foi mais ou menos assim que historiadores e arqueólogos olhavam para a cerveja e para o vinho: como meros consumíveis, relevantes, claro, mas não muito diferentes das salsichas e do queijo, tão típicos igualmente da Alemanha e de França, embora o consumo excessivo de álcool seja um vício muito mais destrutivo.As bebidas alcoólicas eram um mero produto secundário da civilização, não um factor essencial. Até a página na Internet da Federação Alemã de Cervejeiros promove o argumento de que a cerveja foi, possivelmente, uma derivação do fabrico de pão pelos primeiros agricultores.
À porta de uma chicheria em Lamay, no Peru, Lucio Chávez Díaz bebe um copo de chicha frutillada, uma cerveja de milho aromatizada com morangos.
Martin Zarnkow pertence a um grupo de investigadores que, nas últimas décadas, tem contestado essa narrativa. Ele e outros investigadores demonstraram que o álcool é uma das substâncias mais produzidas e apreciadas a nível universal e que remonta à pré-história, porque os seres humanos bebiam álcool muito antes de inventarem a escrita. A cerveja suméria que ele hoje testa está longe de ser a mais antiga. Análises químicas revelaram recentemente que os chineses fabricavam uma espécie de vinho à base de arroz, mel e fruta há nove mil anos. Nas montanhas do Cáucaso da actual Geórgia e nas montanhas Zagros do Irão, as uvas foram um dos primeiros frutos domesticados e já se fabricava vinho há 7.400 anos.
Com efeito, estão a surgir provas do fabrico de álcool em todo o mundo, a partir de todo o tipo de culturas, remontando quase ao nascer da civilização. Patrick McGovern, arqueólogo biomolecular da Universidade da Pensilvânia, defende que as propriedades alteradoras da consciência das bebidas alcoólicas aumentam a nossa criatividade e promovem o desenvolvimento da linguagem, das artes e da religião.
As cervejas, vinhos e bebidas espirituosas puras da actualidade são uma excepção histórica. Há muito que as bebidas alcoólicas são misturadas com todo o tipo de ingredientes, desde agulhas de pinheiro a resinas ou mel. Os guerreiros da Grécia Antiga até punham queijo de cabra ralado nas suas cervejas. Quando bebiam chicha em copos de madeira chamados keros – como este exemplar do século XVII –, os incas acrescentavam-lhe frequentemente ervas psicoactivas em vez de morangos. Fotografado no Museu Inca da Universidade Nacional de Santo António Abade de Cuzco, Peru.
Se examinarmos de perto grandes transições da história humana, desde a origem da agricultura à origem da escrita, encontraremos possíveis ligações ao álcool. “Há provas concretas em todo o mundo de que as bebidas alcoólicas são importantes para a cultura humana”, comenta Patrick. “Há 30 anos, esse facto não era reconhecido como é agora.” Para ele, a ingestão de bebidas alcoólicas é uma parte tão integral da nossa humanidade, que diz, mais ou menos a brincar, que a nossa espécie deveria chamar-se Homo imbibens.
O álcool reduz as inibições e isso pode aproximar um ser humano dos seus amigos e do mundo espiritual. Os incas consumiam chicha em festas que duravam dias e ofertavam-na aos deuses sobre imponentes altares. Numa chicheria de Cuzco (em baixo), os homens bebem enquanto jogam às cartas e um copo é oferecido a um ícone peruano chamado Cristo Moreno, sobre um altar instalado ao canto do bar (em cima). Os séculos acrescentaram camadas à cultura peruana e o cristianismo substituiu o culto do Sol e da Lua como religião dominante, mas a bebida ancestral perdura.
Hoje, Martin Zarnkow está a tentar que os seus alunos se liguem a essas raízes. As bolachas de cevada são um veículo para a massa azeda, que contém a levedura que fará a magia acontecer. Quando as bolachas ficam prontas – castanho-escuras por cima e ainda um pouco moles no meio – Martin leva-as da cozinha para uma sala de aula no piso superior.
Ali, em frente à turma, coloca-as no interior de um enorme jarro de vidro, junta-lhes mais malte de cevada esmagado e espelta (um cereal antigo), tal como os sumérios teriam feito. O ingrediente final: três litros de água da torneira provenientes de um lavatório situado no corredor. Martin mexe a mistura com a espátula até formar uma massa uniforme, bege-amarelada, semelhante a massa de pão.
Na fábrica Zhejiang Pagoda Brand Shaoxing, trabalhadores fervem e fermentam arroz recém-colhido. A tarefa é executada no Inverno, quando a água do rio nas proximidades é mais pura. Desde a dinastia Song, cerca de 1200 d.C., que os fabricantes de vinho chineses utilizam fungos especializados para decompor o amido e tornar o arroz fermentável.
Antes disso, talvez mastigassem os bagos.
Não parece minimamente apetecível. Amanhã, promete Martin Zarnkow, isto será cerveja – uma cerveja primitiva e selvagem, uma cerveja que, há cinco mil anos ou mais, as pessoas poderiam conhecer intimamente. “Misture três ingredientes diferentes com água e já está”, diz ele.
“Os cervejeiros artesanais de hoje não estão a descobrir nada de novo. Milhares de milhões de pessoas já fabricaram cerveja ao longo de milhares de anos.”
Durante toda a minha visita, atraiu-me o intenso aroma a malte vindo da cervejeira das imediações.
É um cheiro primevo e agradável e apela a uma parte do meu cérebro que me dá vontade de parar, acalmar-me, inspirar fundo e sentar-me a beber uma cerveja na esplanada mais próxima.
As mais antigas provas de uma bebida alcoólica são oriundas de Jiahu, na China, onde em 7000 a.C. os agricultores fermentavam uma mistura de arroz, uvas, bagas de espinheiro-alvar e mel em vasilhas de barro. Os primeiros imperadores chineses usavam taças de bronze como esta, datada de 1100 a.C., para beber vinho de arroz. Museu Yinxu, Anyang, China.
Descemos das árvores em busca de álcool
A história do caso amoroso da humanidade com o álcool remonta a um tempo anterior à agricultura – na verdade, a um tempo anterior aos humanos. O nosso gosto por bebidas alcoólicas pode ser uma característica evolutiva física que nos distingue da maioria dos outros animais.
O ingrediente activo comum a todas as bebidas alcoólicas é produzido por leveduras: organismos unicelulares microscópicos que ingerem açúcar e expelem dióxido de carbono e etanol, o único álcool potável. É uma forma de fermentação.
Alguns vinhos brancos georgianos tradicionais – como este que Sulkhan Gulashvili serve, com uma taça gravada com o nome dos seus antepassados – são fermentados da mesma forma que os tintos, com a pele, as grainhas e até os caules incluídos no sumo. Isso dá-lhes um sabor forte e uma característica tonalidade cor de laranja.
A maioria dos produtores contemporâneos de cerveja, vinho ou saké utilizam variedades cultivadas de um único género de levedura denominado Saccharomyces (a mais comum é a S. cerevisiae, da palavra latina para “cerveja”, cerevisia).
No entanto, há muitas leveduras e é possível que se fermente vinho de frutos maduros há cerca de 120 milhões de anos, desde que os primeiros frutos surgiram na Terra.
Do ponto de vista da humanidade contemporânea, o etanol tem uma propriedade muito atraente: faz-nos sentir bem.
Do ponto de vista da humanidade contemporânea, o etanol tem uma propriedade muito atraente: faz-nos sentir bem. O etanol ajuda a libertar serotonina, dopamina e endorfinas no cérebro – substâncias químicas que nos fazem sentir felizes e menos ansiosos.
Para os nossos antepassados primatas consumidores de fruta que se balançavam nas árvores, contudo, o etanol presente na fruta podre teria outras características atraentes. Primeiro, tem um cheiro forte e reconhecível que torna a fruta fácil de localizar.
Segundo, é mais fácil de digerir, permitindo aos animais ingerirem maior quantidade de um bem precioso na altura: calorias. Terceiro: as suas qualidades anti-sépticas repelem micróbios que podem fazer adoecer um primata. Há milhões de anos, um deles desenvolveu o gosto por fruta caída da árvore.
“Os nossos antepassados símios começaram a comer fruta fermentada tombada no solo da floresta e isso fez toda a diferença”, afirma Nathaniel Dominy, antropólogo do Dartmouth College. “Estamos pré-adaptados ao consumo de álcool.”
A uva talvez seja originária das montanhas do Cáucaso, na Geórgia, onde existem mais de quinhentas castas nativas. Durante milénios, os georgianos fermentaram vinho em potes de barro revestidos com cera de abelha, fabricados por artesãos como Zaliko Bodjadze. Os vinhateiros enterram os potes até ao gargalo e usam-nos durante gerações.
Robert Dudley, fisiologista da Universidade da Califórnia, propôs inicialmente esta ideia, designando-a como a hipótese do “macaco bêbedo”. Os primatas que se aventuraram a descer das árvores tiveram acesso a uma fonte de alimento novinha em folha. “Se conseguirmos cheirar o álcool e chegar primeiro à fruta, ganhamos vantagem”, explica. “Vencemos a concorrência e obtemos mais calorias.”
Os que se empanturravam tinham maiores probabilidades de serem bem-sucedidos na reprodução e de sentirem (ao comer) uma suave onda de prazer no cérebro. Esse torpor reforçava o interesse num novo estilo de vida.
No entanto, um macaco mesmo bêbedo, sublinha Robert Dudley, seria um alvo fácil para os predadores. Apesar de várias sugestões, há poucas provas científicas de animais em estado selvagem alguma vez terem ingerido álcool de fruta fermentada em quantidade suficiente para exibirem comportamentos ébrios.
O mais provável é um comportamento ligeiramente alegre. Mas essa reacção ao álcool parece ser específica dos seres humanos e, talvez, dos símios.
Em Mas des Tourelles, uma propriedade agrícola junto da cidade de Arles, no Sul de França, o vinhateiro Hervé Durand trabalhou com arqueólogos para reproduzir vinhos romanos a partir de receitas do século I d.C., bem como o processo antigo da produção de vinho. Na imagem, as uvas são colhidas por figurantes vestidos como romanos e prensadas com um tronco de carvalho enorme. O sumo é depois fermentado em potes de barro abertos.
Os romanos aromatizavam-no com ingredientes surpreendentes: um dos vinhos de Durand contém feno-grego, lírios e água do mar.
Isso poderá dever-se a uma mutação essencial num gene, ocorrida no último antepassado partilhado entre nós e os símios africanos. Os especialistas em genética dataram a mutação de há, pelo menos, dez milhões de anos. Esta alteração no gene ADH4 criou uma enzima que tornou a digestão do etanol possivelmente 40 vezes mais rápida. Segundo Steven Benner, co-autor do estudo e biólogo da Fundação de Evolução Molecular Aplicada, a nova enzima melhorada permitiu aos nossos antepassados desfrutarem mais das recompensas maduras depositadas no solo da floresta, sem sofrerem efeitos nocivos.
“Podemos dizer que descemos das árvores para ir beber uma cerveja”, brinca Steven. Mas o objectivo não era ficarem bêbedos. Isso aconteceria muito mais tarde, quando percebemos como fabricar bebidas alcoólicas em grande quantidade.
O vinho era a bebida de eleição em Roma (como neste fresco de um banquete em Pompeia, século I d.C.) e disseminou-se dali a todo o império, incluindo a Gália. Museu Arqueológico de Nápoles /Erich Lessing / Album.
Tornámo-nos sedentários e começámos a praticar a agricultura para obter álcool
Avancemos milhões de anos num ápice, chegando a um planalto ressequido no Sudeste da Turquia, não muito longe da fronteira com a Síria, onde arqueólogos exploram outra transição importante na pré-história humana e uma possibilidade intrigante: teria a cerveja contribuído para convencer os caçadores-recolectores da Idade da Pedra a abandonarem o seu estilo de vida nómada, tornando-se sedentários e dedicando-se à lavoura?
O sítio ancestral de Göbekli Tepe é composto por recintos de pedra e misteriosos pilares em forma de T que, com 11.600 anos, poderão ser os mais antigos templos conhecidos do mundo. Desde que foi descoberto, há duas décadas, este sítio virou às avessas a noção tradicional de que a religião era um luxo possibilitad
o pela sedentarização e pela agricultura. Os arqueólogos que trabalham em Göbekli Tepe acreditam que os caçadores-recolectores reuniam-se no local para cerimónias religiosas e foram levados a fixar-se para ali poderem prestar culto com mais regularidade.
O álcool ao longo dos tempos - Há cerca de dez milhões de anos, um antepassado partilhado pelos seres humanos e pelos símios africanos desenvolveu uma enzima capaz de digerir rapidamente o álcool da fruta fermentada. Isso criou o cenário biológico dos últimos dez mil anos, ao longo dos quais pessoas de todo o mundo fabricaram bebidas alcoólicas, fermentando açúcares presentes em todo o tipo de frutos e, até, descobrindo formas de fermentar cereais e raízes com amido.
O milho e as Américas O milho foi domesticado cerca de 7000 a.C. A chicha, fabricada com milho fermentado, e os banquetes regados com álcool foram relatados pela primeira vez por exploradores espanhóis no século XVI. Origens do vinho de uva A uva pode ter surgido originalmente na Geórgia, mas a primeira data concreta para a produção de vinho, cerca de 5400 a.C., remonta às vizinhas montanhas Zagros, no Irão. Antigo Egipto Os trabalhadores egípcios ganhavam forças com uma cerveja de trigo e cevada produzida em quantidades industriais pelo Estado, em datas tão recuadas como 3150 a.C. China neolítica Potes de cerâmica de Jiahu datados de 7000 a.C. contêm evidências químicas de uma bebida fermentada, feita à base de arroz, uvas, bagas de espinheiro-alvar e mel.
Gráfico Jason Treat, Ryan T. Williams e Daisy Chung; Fonte Patrick E. MCGovern, Universidade da Pensilvânia
Em busca de provas A análise de resíduos químicos fornece provas concretas do consumo de álcool na Antiguidade: as mais antigas encontradas até à data provêm da China. Outras datas são inferidas de provas indirectas, como a altura em que uma planta utilizada para produzir álcool surge pela primeira vez no registo arqueológico.
Bebidas locais, comércio global Nas civilizações antigas, as bebidas fermentadas foram inicialmente fabricadas sempre que havia plantas silvestres disponíveis no local e, mais tarde, a partir de plantas domesticadas. À medida que se desenvolvia o comércio entre as civilizações, a tecnologia e as técnicas para a produção de cerveja e vinho disseminaram-se pelo mundo antigo.
Legenda mapa A - Vinho de cacau, c. 1400 a.C.| As culturas da América Central ingeriam este vinho de fruta soprando ar para dentro de um recipiente e depois bebendo da superfície a espuma e o líquido; B - Cerveja de mandioca c. 4000 a.C.| Os produtores antigos de bebidas alcoólicas faziam uma bebida potente mastigando esta raiz com amido. Uma enzima da saliva converte o amido em açúcar fermentável; C - Vinho de pimenta-bastarda, c. 600 d.C.| O fruto vermelho-vivo da pimenteira-bastarda era fermentado para fabricar um vinho forte; D - Chicha de batata, c. 13.000 a.C.| Foram descobertos vestígios de batatas silvestres num sítio arqueológico chileno.
Actualmente, o povo mapuche fermenta-as para criar uma bebida bastante forte; E - Cerveja de Gruit, c. 500 d.C.| Esta bebida inclui frutos endémicos, cevada, mel, vinho importado da Europa Central, ervas e seiva de árvore; F - Cerveja de sorgo, c. 6000 a.C.| Esta cerveja antiga, feita a partir de um cereal nutritivo, disseminou-se pelo Sael quando o clima era mais húmido. G - Vinho de palma, c. 16.000 a.C.| Este vinho, ainda popular em África e na Ásia tropical, poderá ter sido fabricado pela primeira vez há muito tempo, através da fermentação da seiva de palmeiras silvestres; Koumiss, c. 4500 a.C. | À falta de culturas agrícolas, os nómadas da Ásia Central fermentaram leite de égua, criando uma bebida levemente alcoólica.
Cronologia 1- (200.000 a.C.) Aparecimento do Homo sapiens, que provavelmente consumia frutos naturalmente fermentados; 2 - (7000 a.C.) Primeiras provas da existência de bebidas alcoólicas, em Jiahu, China; 3 - (entre 6000 a.C. e 5000 a.C.) Primeiras provas da existência de vinho de uva, em Hajji Firuz, Irão.; 4 - (entre 4000 a.C. e 3000 a.C.) Primeiras provas da existência de cerveja de cevada, em Godin Tepe, Irão.; 5 - (3000 a.C.) Surgem as civilizações mesopotâmica e egípcia. Introduzem o fabrico de cerveja e vinho em grande escala.; 6 - (2000 a.C.) Cananeus, fenícios e gregos disseminam a vinicultura no Mediterrâneo.; 7 - (entre 2000 a.C. e 1000 a.C.) Fragmentos de cerâmica revelam cacau fermentado nas Honduras.; 8 - (após 1000 d.C.) Médicos de Salerno usam métodos árabes de destilação e criam as primeiras bebidas espirituosas da Europa.; 9 - (1516) Lei Alemã da Pureza da Cerveja.
Aninhados no interior das paredes de alguns recintos pequenos, encontram-se seis recipientes de pedra, em forma de barril ou gamela. O maior poderia conter 160 litros de líquido. Os arqueólogos sugerem que serviriam para produzir uma cerveja básica a partir de gramíneas silvestres.
Ao analisar os resíduos em vários desses recipientes, Martin Zarnkow descobriu evidências de oxalato, um químico esbranquiçado que forma crostas, gerado pela mistura de água e cereais. Um dos recipientes continha o osso do ombro de um burro selvagem, do tamanho e formato exactos para mexer um caldo espumoso de cereais e água em processo de fermentação. Toda a colina de Göbekli Tepe está repleta de centenas de milhares de ossos de animais e pedaços prontos-a--grelhar de auroque, um primo pré-histórico dos bovídeos modernos.
Um dos objectivos para o fabrico de álcool poderá ter sido o mesmo que leva os xamãs sul-americanos da actualidade a ingerirem alucinogénios.
Quando se juntam as evidências, estão reunidos os ingredientes para um grande banquete, suficiente para atrair centenas de caçadores-recolectores àquela colina proeminente. Um dos objectivos para o fabrico de álcool poderá ter sido o mesmo que leva os xamãs sul-americanos da actualidade a ingerirem alucinogénios: induzir um estado alterado que os põe em contacto com o mundo dos espíritos. Mas os investigadores crêem que se passava mais do que isso.
Os organizadores do banquete, dizem, utilizavam a carne grelhada e a bebida alcoólica produzida a partir de cereais silvestres como recompensa. Após chegarem, os participantes ajudaram a erguer os enormes pilares do sítio, que pesavam até 16 toneladas.
Os contornos do negócio mudaram pouco nos milhares de anos volvidos desde então. “Se precisamos que alguém nos ajude numa mudança, compramos pizza e cervejas”, brinca Jens Notroff, investigador do Instituto Arqueológico Alemão.
A ideia que está a ganhar defensores em Göbekli Tepe foi inicialmente proposta há mais de meio século: poderá ter sido a cerveja, e não o pão, a inspirar os nossos antepassados caçadores-recolectores a domesticarem cereais.
A ideia que está a ganhar defensores em Göbekli Tepe foi inicialmente proposta há mais de meio século: poderá ter sido a cerveja, e não o pão, a inspirar os nossos antepassados caçadores-recolectores a domesticarem cereais. A situação chegou a um ponto em que a colheita de gramíneas silvestres para fermentar deixou de ser suficiente. A procura de provisões fiáveis levou os seres humanos primeiro a plantarem as gramíneas silvestres e depois, ao longo do tempo, a combiná-las selectivamente de modo a criar a cevada, trigo e outros cereais de alto rendimento que hoje conhecemos.
Algumas das provas mais antigas de cereais domesticados – um antepassado do trigo denominado Triticum monococcum – vêm de um sítio a cerca de 40 quilómetros de Göbekli Tepe.
A coincidência é sugestiva.
No entanto, as provas são fugidias. Martin Zarnkow não hesita em admitir que o oxalato prova a presença de cereais nos recipientes de pedra de Göbekli Tepe, mas não implica que o cereal estivesse fermentado.
É possível que os recipientes servissem para fazer papas destinadas a alimentar os trabalhadores e não cerveja para os embriagar.
Em 2004, publicou evidências de uma mistura feita de arroz, bagas de espinheiro-alvar, mel e uvas silvestres descobertas em Jiahu, um sítio arqueológico chinês alguns milhares de anos mais moderno do que Göbekli Tepe.
Patrick McGovern reconhece a incerteza, mas continua a defender que a hipótese é sólida. Em 2004, publicou evidências de uma mistura feita de arroz, bagas de espinheiro-alvar, mel e uvas silvestres descobertas em Jiahu, um sítio arqueológico chinês alguns milhares de anos mais moderno do que Göbekli Tepe. Os ocupantes daquele local tinham feito há pouco a transição para a agricultura. Contudo, a combinação de ingredientes, aliada à presença de ácido tartárico, um químico essencial característico do vinho, convenceu Patrick de que os agricultores de Jiahu já fabricavam bebidas com misturas sofisticadas: são as primeiras evidências de cerveja, vinho e hidromel, todas juntas.
“A domesticação das plantas foi impulsionada pelo desejo de obter maiores quantidades de bebidas alcoólicas”, afirma ele. “Não é o único factor a propulsionar a civilização, mas desempenha um papel fulcral.”
Bebemos álcool pela nossa saúde
À semelhança da agricultura, as bebidas alcoólicas foram inventadas de forma independente e em várias épocas diferentes, possivelmente em todos os continentes, excepto a Antárctida. Ao longo de milénios, quase todas as plantas com algum açúcar ou amido foram postas ao serviço da fermentação: agave e maçãs, seiva de bétula e bananas, cacau e mandioca, milho e cactos, bagas de pimenta-bastarda, batata-doce, pupunha, ananás, abóbora, dióspiros e uvas silvestres.
Como prova aparente de que o desejo por álcool não conhece fronteiras, os nómadas da Ásia Central compensam a falta de frutos e cereais nas suas estepes fermentando leite de égua. O resultado, denominado koumiss, é uma bebida ácida com o teor alcoólico de uma cerveja fraca.
O mundo da bebida - Os habitantes de regiões ricas com tradições antigas de consumo de álcool, como a Europa, tendem a beber mais. Os abstémios encontram-se com mais frequência no Médio Oriente e no Sudeste Asiático, onde as leis ou a tradição limitam o consumo. Gráfico Jason Treat e Ryan T. Williams. Fontes: Organização Mundial da Saúde, Observatório Global de Saúde; Divisão de População da ONU.
O álcool pode proporcionar prazeres físicos e iluminação espiritual, mas isso não chega para explicar a sua presença universal no mundo antigo. As pessoas bebiam-no pela mesma razão que levava os primatas a ingerir fruta fermentada: porque os fazia sentir-se bem.
O etanol é produzido pelas leveduras como forma de guerra química – é tóxico para os outros micróbios que competem com elas pelo açúcar existente num fruto. Esse efeito antimicrobiano beneficia o consumidor. E explica por que razão a cerveja, o vinho e outras bebidas fermentadas eram frequentemente, pelo menos até ao aparecimento do saneamento básico moderno, bebidas mais saudáveis do que a água.
Além disso, ao fermentarem o açúcar, as leveduras geram mais do que etanol. Produzem todo o tipo de nutrientes, incluindo vitaminas B como ácido fólico, niacina, tiamina e riboflavina. Esses nutrientes teriam estado mais presentes em bebidas alcoólicas antigas do que nas nossas variedades contemporâneas, filtradas e pasteurizadas. No Médio Oriente, pelo menos, a cerveja era uma espécie de pão líquido enriquecido, fornecendo calorias, hidratação e vitaminas essenciais.
No Médio Oriente, pelo menos, a cerveja era uma espécie de pão líquido enriquecido, fornecendo calorias, hidratação e vitaminas essenciais.
Em Tall Bazi, um sítio arqueológico no Norte da Síria, uma escavação alemã revelou um aglomerado com cerca de setenta casas com vista para o rio Eufrates que foram abandonadas durante um incêndio repentino há quase 3.400 anos. Esta catástrofe antiga foi uma bênção para os arqueólogos: o fogo obrigou os residentes de Tall Bazi a fugir a meio de tarefas do quotidiano como cozinhar.
E assim se capturou, para sempre, um momento do quotidiano do povoado.
Em cada casa, geralmente perto da porta da frente, os arqueólogos encontraram um enorme pote de barro de 200 litros depositado no solo. Análises químicas – mais uma vez realizadas por Martin Zarnkow — revelaram vestígios de cevada e crostas grossas de oxalato nos potes. Cada uma das casas de Tall Bazi tinha a sua nanocervejeira.
Na antiga Babilónia, a cerveja era tão importante que fontes de 500 a.C. registam dezenas de variedades.
Em 3150 a.C., muito antes do incêndio que destruiu Tall Bazi, os antigos egípcios tinham progredido muito além da produção caseira: criaram cervejeiras de escala industrial, do tipo que viria a ser utilizado para fornecer cerveja aos operários que construíram as grandes Pirâmides de Guiza. A cerveja era uma necessidade tão grande no Egipto que os membros da família real eram enterrados com minicervejeiras para saciarem a sua sede no Além. Na antiga Babilónia, a cerveja era tão importante que fontes de 500 a.C. registam dezenas de variedades.
De forma indirecta, é possível que a invenção da escrita e de algumas das cidades mais antigas do mundo se deva aos benefícios nutricionais da cerveja. Na opinião de Adelheid Otto, arqueóloga da Universidade Ludwig-Maximilians e co-responsável pelas escavações de Tall Bazi, os nutrientes acrescentados aos cereais primitivos pela fermentação viabilizaram a civilização mesopotâmica, fornecendo vitaminas essenciais a um regime alimentar deprimentemente pobre. “Eles tinham pão e papas de cevada e talvez alguma carne nas festas. A nutrição era má”, afirma. “Mas assim que aparece a cerveja, temos tudo o que precisamos para o desenvolvimento. Estou convencido de que foi por isto que a primeira cultura sofisticada surgiu no Médio Oriente.”
Vamos sempre longe demais
Como é óbvio, existe sempre um reverso da medalha. Ao longo da história, houve quem fosse longe demais para se embebedar.
Antes de os antepassados célticos dos franceses aprenderem a produzir vinho, importavam-no dos gregos, etruscos e romanos. Num campo de trigo situado no fim de uma estrada de montanha no Centro de França, num sítio arqueológico chamado Corent, tenho um vislumbre desta dependência. O meu guia é Matthieu Poux, um arqueólogo com cabelo cortado bem curto, óculos azuis de aviador, a condizerem com a camisa, e um aperto de mão firme. À nossa volta, os vulcões extintos do Maciço Central francês apontam para o céu.
Em Corent, Matthieu lidera cerca de cinquenta arqueólogos e estudantes franceses que estão a descobrir os alicerces de um importante centro cerimonial e capital regional da época céltica. Nos séculos II e III a.C., chegou a albergar dez mil pessoas. No povoado, existia um mercado, um templo, tabernas, um teatro e centenas de casas.
Cerca de 140 a.C., oito décadas antes da invasão por Júlio César, já as elites de Corent tinham desenvolvido um gosto fortíssimo pelo vinho romano.
Corent, diz Matthieu, é um exemplo vívido do papel desempenhado pelo álcool como agregador social, lubrificante social, símbolo de estatuto e… incitador de violência. Não há necessidade de uma análise sofisticada para determinar que bebida os habitantes preferiam ingerir. Cerca de 140 a.C., oito décadas antes da invasão por Júlio César, já as elites de Corent tinham desenvolvido um gosto fortíssimo pelo vinho romano. As provas assumem a forma de vasilhas de barro para vinho, ou ânforas, partidas. São tão abundantes que se partem debaixo dos nossos pés, enquanto Matthieu me conduz pelo sítio.
Os arqueólogos descobriram pelo menos cinquenta toneladas de ânforas partidas no local e Matthieu estima que ainda existam quinhentas toneladas na colina.
Curvando-se, ele arranca do solo um pedaço de barro refractário do tamanho da palma da mão, polvilhado por vidro vulcânico negro.
Entrega-mo. “Temos milhões de fragmentos de ânfora, todos importados de Itália”, diz-me. Este tem obsidiana e, por isso, podemos afirmar que vem da região rural junto do monte Vesúvio.”
Desde o seu início, em 1810, em comemoração do casamento do príncipe herdeiro da Baviera, a Oktoberfest de Munique transformou-se num dos maiores festivais do mundo, com mais de seis milhões de visitantes que enchem as suas tendas todos os anos para beberem canecas de cerveja.
Os vinhateiros romanos, cujos clientes na península Itálica preferiam vinhos brancos, cultivavam enormes plantações de uva preta para o mercado celta. Os comerciantes transportavam o vinho pelo Mediterrâneo, em navios com capacidade para dez mil ânforas, e depois enviavam-no para o Norte em pequenas embarcações fluviais. Quando chegava a Corent, meses mais tarde, o seu valor multiplicara-se cem vezes. Uma fonte dessa época refere que os celtas sequiosos trocavam um escravo por uma única ânfora.
O vinho era o ponto fulcral de rituais elaborados que cimentavam o estatuto dos líderes tribais. O ambiente ficava frequentemente agitado. “As cerimónias eram pomposas, oficiais e brutais. Havia vítimas sacrificiais e lutas de espada por causa de pedaços de carne”, conta Matthieu. “Antes das batalhas, os guerreiros bebiam muito e combatiam bêbedos.”
As ânforas não eram simplesmente abertas, eram decapitadas com espadas. Ao pavimentarem as suas ruas com os fragmentos, diz Matthieu Poux, os dirigentes de Corent ostentavam a sua riqueza e poder.
Segundo os seus cálculos, os celtas que aqui viveram consumiram 50 mil a 100 mil ânforas de vinho ao longo de um século, o equivalente a 28 mil garrafas de vinho por ano – italiano, caro e importado. “E o vinho era bebido principalmente pelas elites”, diz Poux. “Temos de presumir que os plebeus bebiam ainda mais cerveja e hidromel.”
Segundo os seus cálculos, os celtas que aqui viveram consumiram 50 mil a 100 mil ânforas de vinho ao longo de um século, o equivalente a 28 mil garrafas de vinho por ano – italiano, caro e importado.
Apesar disso, pelos padrões actuais, as quantidades podem não parecer impressionantes. O mundo contemporâneo está encharcado de álcool e, desde o aperfeiçoamento da destilação na Idade Média, consumimo-lo muito numa forma concentrada. Em todo o mundo, a partir dos 15 anos, as pessoas consomem, em média, uma bebida por dia ou provavelmente duas, se incluirmos apenas as que efectivamente bebem, pois cerca de metade desse número nunca tocou numa gota.
Nos EUA, o consumo abusivo de álcool mata 88 mil pessoas e custa 249 mil milhões de dólares por ano, segundo estimativas do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças.
Há milhões de anos, quando era mais difícil encontrar alimento, a atracção exercida pelo etanol e a química cerebral activada para recompensar a descoberta de fruta fermentada poderá ter sido uma vantagem de sobrevivência essencial para os nossos antepassados primatas. Actualmente, essas características genéticas e neuroquímicas podem estar na origem do consumo compulsivo de álcool, afirma Robert Dudley.
Ao longo da história, o poder inebriador do etanol tornou-o objecto de preocupação e por vezes de proibição total.
Ao longo da história, o poder inebriador do etanol tornou-o objecto de preocupação e por vezes de proibição total. Segundo Rod Phillips, autor de “Alcohol: A History” [sem tradução portuguesa], ao longo dos tempos, a maioria das sociedades esforçou-se por atingir um equilíbrio: “Deixar as pessoas beber porque as faz felizes e é uma bênção dos deuses, mas impedi-las de beber demasiado.”
Os gregos antigos eram um bom exemplo. Uma parte fundamental da sua vida espiritual e intelectual era o simpósio, um banquete regado a vinho… com limites. Misturando vinho com água num recipiente decorado chamado cratera, os anfitriões gregos serviam aos seus convidados (exclusivamente masculinos) uma primeira taça em nome da saúde, outra do prazer e a terceira do sono.
“Quando esta taça é servida, os convidados sensatos vão para casa”, advertiu o poeta cómico Eubulus no século IV a.C.. “A quarta taça já não é nossa: pertence à violência; a quinta ao tumulto; a sexta à bebedeira; a sétima aos olhos negros; a oitava ao polícia; a nona às dores de barriga; e a décima à loucura e ao arremesso de móveis.”
Iluminura do século XV que inicia a pauta de uma canção de bebedores e representa uma cena de clérigos e laicos bebendo vinho. A Baviera teve grande influência na produção de cerveja: a sua Reinheitsgebot, ou Lei da Pureza da Cerveja, promulgada em 1516, conduziu a uma tendência global no sentido da uniformidade, restringindo os cervejeiros ao uso de água, lúpulo e malte (e mais tarde, após a sua descoberta, leveduras).
Actualmente, alguns cervejeiros artesanais estão a fugir à regra, fazendo experiências com aditivos antigos e leveduras invulgares. Biblioteca Britânica/AKG Images/Album.
Provando a nossa história
Passaram 24 horas desde que Martin Zarnkow misturou cevada, pão e cereais moídos num recipiente de boca larga. A mistura passou a noite em cima de uma mesa do laboratório, coberta por um prato de papel.
Quando Zarnkow acende a luz, consigo ver imediatamente que a mixórdia ganhou vida, graças à levedura da massa azeda. O sedimento lamacento depositado no fundo parece muesli molhado. De vez em quando, com poucos segundos de intervalo, uma bolha grande de dióxido de carbono sobe à superfície, atravessando uma camada de espuma. Um líquido dourado translúcido, parecido com a cerveja de trigo produzida nos enormes tanques de aço da cervejaria das imediações, repousa no meio.
Segundo Martin, a fonte de inspiração para esta cerveja é uma canção com cinco mil anos. Um hino a Ninkasi, a deusa suméria da cerveja, que se parece muito com os manuais técnicos de fermentação que abundam nas prateleiras do seu gabinete. “Ninkasi, quando o teu pão fermentado é formado com a nobre espátula, tem um aroma semelhante ao do doce mel”, diz uma tradução recente. “Para que o barril da fermentação produza sons altos, coloca-se, adequadamente, sobre um sublime barril colector.”
A fonte de inspiração para esta cerveja é uma canção com cinco mil anos. Um hino a Ninkasi, a deusa suméria da cerveja.
Eu e ele olhamos para a vasilha borbulhante. Mostro alguma apreensão.
“O conteúdo não tem dióxido de carbono acrescentado, nem lúpulo. Não é filtrado. Não corresponde aos gostos europeus”, avisa Martin, ajustando as minhas expectativas enquanto coa um pouco de cerveja suméria caseira com um filtro de café. “Na altura, a alternativa não era chá ou café, leite, sumo ou refrigerantes. Isto era muito mais saboroso do que água morna repleta de microrganismos.”
Sirvo alguns dedos de cerveja num copo de plástico. Pedaços de cereal flutuam até cima. Inspiro o cheiro, com cautela. Provo.
A cerveja é simultaneamente ácida e doce, com um sabor a pão temperado por aromas finais de sumo de maçã. Na verdade… é bastante boa. Se fechar os olhos, quase consigo imaginá-la a mudar o mundo.
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