Carlos Coutinho in facebook
Aplausos
DEPOIS de analisarem o ADN da melancia que temos hoje, bem como de de todos os seus possíveis antecedentes históricos, cientistas alemães, britânicos e norte-americanos chegaram à mesa e subscreveram a surpreendente conclusão de que, já no Antigo Egito, esse fruto era abundante e comestível, embora não fosse doce.
A maior coincidência que detetaram foi com o egípcio 'cirullus' que adotou com o nome de ´"melão de Cardofão", quando foi residir para um país vizinho. Isto é, na sua “forma sudanesa com polpa esbranquiçada não amarga” que os especialistas gostam de tratar por 'citrullus lanatus cordofans' e que lhes “parece ser o parente mais próximo das melancias domesticadas e um possível antepassado”.
Foi preciso, portanto, um salto de milénios para que a putativa melancia primordial do Sudão atravessasse o Mediterrâneo, como os actuais migrantes que fogem à guerra e à fome, e chegasse à nossa mesa vermelhinha e doce.
Mas estes voos da Ciência, ainda inimagináveis há tão poucos anos, continuam longe de ser capazes de colmatar lacunas inquietantes da minha memória, apesar de ela ser de nascença tão recente. Hoje, por exemplo, tropecei numa imagem que já vi de certeza mais vezes e que não consigo situar nem no tempo nem no espaço – um rancho de figurões que tanto podem estar numa varanda a aplaudir o desfile de uma força militar que acaba de voltar de Angola, onde foi matar uns quantos miseráveis comunistas analfabetos na Baixa de Cassanje, ou um bando de escravos revoltados nas minas de diamantes da Lunda.
Dos sublevados nos musseques de Luanda, como bem nos lembramos, encarregaram-se as milícias de colonos brancos que não eram falhas de pontaria nem de entusiasmo cinegético.
Mas, olhando bem, a fotografia do catolicíssimo Salazar, do vigilante cardeal Cerejeira, de alguns ministros secundários e de militares garbosos, com senhoras também esbranquiçadas do Movimento Nacional Feminino por trás, todos a bater palmas em cima de um palanque, também pode ser tido colhida em Fátima numa encenação piedosamente patriótica.
E porquê?
Porque todos olham para um ponto um pouco mais elevado que pode perfeitamente ser uma senhora poisada na azinheira de que foi frequentadora em tempos idos.
Nenhuma destas hipóteses me convence, mas também não me repugna, visto ambas serem coerentes com tudo que conheço. Já o mesmo não direi de imagens malevolamente legendadas como as de um deputado e comentador desportivo que afirma ter fundado um partido, saindo doutro, por imperativo de consciência, só porque isso estava previsto numa das profecias do Bandarra, coisa que uma cartomante da Amadora confirma sem a menor hesitação.
A em cima do palanque, com as costas guardadas pelas damas do Movimento Nacional Feminino, das duas uma: a comandita ou aplaude o desfile do primeiro batalhão que foi para Angola eliminar analfabetos comunistas que se revoltaram, tanto na Baixa do Cassanje como nas minas diamantíferas da Lunda, ou, quem sabe? talvez seja apenas um obrigatório bater de palmas à reconstituição da quarta vinda de uma senhora lumiosa a Fátima, onde tinha poiso reservado no topo de certa azinheira, desde Maio de 1917.
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