AVISO

OS COMENTÁRIOS, E AS PUBLICAÇÕES DE OUTROS
NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO ADMINISTRADOR DO "COMO UM CLARIM DO CÉU"

Este blogue está aberto à participação de todos.


Não haverá censura aos textos mas carecerá
obviamente, da minha aprovação que depende
da actualidade do artigo, do tema abordado, da minha disponibilidade, e desde que não
contrarie a matriz do blogue.

Os comentários são inseridos automaticamente
com a excepção dos que o sistema considere como
SPAM, sem moderação e sem censura.

Serão excluídos os comentários que façam
a apologia do racismo, xenofobia, homofobia
ou do fascismo/nazismo.

terça-feira, 27 de julho de 2021

As grutas que não são grutas em Torres Novas

 

grutas

Conhecidas da população local, as grutas que não são grutas escondem uma história que permanece por explicar.

Há alguma vantagem em apresentar um projecto de valorização de património natural a um autarca que já foi espeleólogo. Em Torres Novas, essa questão tornou-se muito real quando um geógrafo e um geólogo apresentaram a Pedro Ramos Ferreira, presidente da Câmara Municipal local, um projecto de requalificação das chamadas Grutas de Lapas, uma aldeia do concelho. Na década de 1970, Ramos Ferreira foi um dos percursores da espeleologia na zona das serras de Aires e Candeeiros enquanto chefe da Patrulha Morcego do Agrupamento 65 do Corpo Nacional de Escutas. “Mal ouvi a proposta, aceitei-a de imediato”, conta, com um sorriso, na cerimónia singela de atribuição a Torres Novas do Prémio Geoconservação 2019.

Há muitas gerações que esta aldeia medieval está implantada num terraço fluvial esculpido pelo rio Almonda. As casas empoleiram-se, apoiadas umas nas outras, numa malha densa e inconfundível, que aproveita cada centímetro quadrado disponível. Por baixo, porém, abunda o espaço que falta à superfície. A aldeia situa-se acima de uma vasta rede de galerias artificiais escavadas pelo homem numa formação rochosa muito típica desta região – o tufo calcário.

 

As obras de requalificação foram concluídas em Abril do ano passado e permitem redescobrir um espaço subterrâneo que, durante muito tempo, foi ocupado de formas criativas. 

Foi palheiro em alguns casos; noutros, serviu de curral improvisado. Terá sido igualmente um celeiro ou armazém, tirando partido de uma temperatura ambiental muito menos sujeita às flutuações do Verão e do Inverno. “Temos, porém, noção de que ainda só requalificámos uma pequena fracção destas galerias”, diz o geógrafo Jorge Simões, um dos entusiastas do projecto e chefe de divisão da autarquia torrejana. “Há um mundo por descobrir e consolidar.”

Conhecidas da população local, as grutas que não são grutas (a gruta é, à partida, uma cavidade natural – existe a possibilidade de as galerias de Lapas terem começado por ser uma pequena cavidade, mas não restam dúvidas de que foram abertas e ampliadas por mãos humanas) escondem uma história que permanece por explicar. Na aldeia, abundam justificações mais ou menos hiperbolizadas para os “túneis por baixo da gente”. Algumas recuam a sua utilização à pré-história; outras atribuem a sua utilização ao período romano, onde teriam sido utilizadas como fonte do precioso tufo para a construção. Outros ainda ecoam lendas extravagantes sobre galerias de mouros e túneis clandestinos ligados ao Castelo de Torres Novas. “A verdade é que não sabemos”, diz Jorge Simões. Está confirmada apenas a sua desactivação como pedreira no século XVIII.

Na última década, com apoio da autarquia, foram promovidas sondagens arqueológicas nas galerias e os resultados não foram conclusivos. Os vestígios mais antigos recuam “apenas” ao século XV, altura em que as galerias teriam servido para a actividade produtora de pólvora, famosa na região. O topónimo Lapas, porém, evoca um mundo subterrâneo e é conhecido desde pelo menos um documento de 1212, o que sugere uma relação próxima da aldeia com o labirinto que se esconde por baixo.

A adensar o mistério, na Villa romana de Cardilio, nas proximidades de Torres Novas, surgiram algumas lápides que poderão estar associadas a este sistema subterrâneo. Em 2017, o realizador João Botelho aproveitou essa intemporalidade das galerias para aqui gravar cenas de “Peregrinação”, o filme inspirado na narrativa com o mesmo título de Fernão Mendes Pinto.

Independentemente da controvérsia sobre a origem e história das Grutas de Lapas, o grupo português da Progeo, associação de promoção e conservação do património geológico, atribuiu esta semana o Prémio Geoconservação ao município de Torres Novas pelo projecto de requalificação destas cavidades e respectiva abertura ao público (a entrada é gratuita). 

A edição portuguesa da National Geographic associou-se uma vez mais ao prémio, participando no júri. Para lá da história humana, “há uma história geológica que interessa contar”, disse Paulo Pereira, da Progeo. “É um dos conjuntos geológicos mais singulares do país, pois permite-nos percorrer o interior de um terraço fluvial e ver os tufos calcários”, percebendo como esse património molda a própria aldeia que, ciosa do seu legado, vive “lá em cima”.

nationalgeographic.pt


Torres Novas | As misteriosas grutas da aldeia de Lapas (c/vídeo)

As Grutas das Lapas terão sido descobertas por alturas do Neolítico (10 000 a.C.), mas acredita-se que foram os romanos os primeiros a explorarem-nas para extração de tufo calcário, destinado à construção civil.

 

Ao espaço, considerado de interesse público em 1943, estão associadas variadas lendas, entres elas a que daria acesso, por túnel subterrâneo, ao Castelo de Torres Novas.

Mas provas desse facto só mesmo as do folclore popular. O que poderão ter sido afinal as Grutas de Lapas é um mistério que, em grande parte, continua por desvendar. O novo centro de interpretação é inaugurado este domingo.

As cavidades já existiriam, originadas pelo maciço calcário e a ação cársica do rio Almonda, mas são grutas artificiais, criadas pela ação das picaretas sobre a pedra, extraindo-se facilmente o tufo calcário necessário à construção. Nos anos 30 do século XX encontraram-se, junto ao rio, artefactos neolíticos e ossadas, ponderando-se se as Grutas serviriam de abrigo a povos mais antigos que os romanos.

Existem várias destas “cavernas” subterrâneas ao longo da aldeia de Lapas, que hoje suportam casas e servem de oficinas ou de caves. Uma parte destas Grutas está preservada e protegida, sendo possível uma visitação a cerca de 700 metros quadrados deste monumento natural. O resto está vedado por “paredes”, construídas pela ação humana.

Grutas das Lapas em abril de 2016. foto mediotejo.net
Grutas das Lapas em abril de 2016. foto mediotejo.net

Este museu “natural” situa-se numa rua estreita, de difícil passagem a dois veículos e quase sem estacionamento, no coração de Lapas. Quem desejar visitar as Grutas terá que deixar o carro mais longe, junto ao rio, e caminhar a pé até ao local. Não é um percurso difícil, sempre plano, mas acresce a perigosidade de não haver passeios, tendo que se caminhar pela estrada principal.

Localizadas por debaixo de moradias construídas numa rua superior, com um jardim doméstico a servir de hall de entrada, as Grutas passam facilmente despercebidas, quase se confundindo com uma habitação. Em frente situa-se um café, onde encontramos o guia da junta de freguesia (hoje união entre Lapas, Ribeira Branca e São Pedro) que tradicionalmente abre o espaço e o mostra aos visitantes.

Conhecido na terra como Vítor “Cartaxo”, o idoso narra as lendas que se construíram em torno do monumento, que teria – dizem – um túnel para chegar ao Castelo de Torres Novas e onde a certa altura se terá descoberto uma Santa, hoje exposta na Igreja da aldeia.

Alertam-nos que as histórias são tidas como efabulação própria da cultura popular, a maioria das quais sem fundo verificável, resultado de construções fantasiosas sobre o destino que terá sido dado pelos povos de outrora a tão misterioso lugar. Se bem que, na prática, ninguém saiba ao certo para que finalidade foram usadas estas Grutas e como ficaram com a forma que hoje apresentam.

As Grutas situam-se numa rua apertada em Lapas, escondidas por um jardim. foto mediotejo.net
As Grutas situam-se numa rua apertada em Lapas, escondidas por um jardim. foto mediotejo.net

Mas há hipóteses, elaboradas a partir da investigação científica. Vítor “Cartaxo” não acredita muito nelas, preferindo manter a sua versão romanesca e repleta de detalhes conspirativos. À medida que vamos ouvindo, sentimo-nos entrar no universo de Indiana Jones, em busca de uma arca perdida. Mas as grutas são apenas isso: grutas. Um labirinto de cavidadas trabalhadas pela mão humana ao longo dos séculos. “Diz a malta antiga que foram os romanos e os cristãos (que moldaram as grutas) mas não está nada escrito”, sentencia.

Vedar o instável, explicar o que existe

Não é portanto por mera organização que a autarquia sentiu a necessidade de criar um percurso interpretativo das Grutas das Lapas. Lendas há muitas, algumas um tanto desfasadas da realidade, e o espaço há muito precisa que se pense nele em termos didáticos e museológicos. O município investiu cerca de 60 mil euros numa valorização, que consiste em mudar a entrada, tornando-a mais segura face à estrada, vedar zonas em risco de abatimento e criar um pequeno museu interpretativo, com fósseis e placares com a informação conhecida a respeito das Grutas.

“O espaço é rico em história geológica” comenta o grupo de peritos que acompanha a visita do mediotejo.net a Lapas (localidade a poucos quilómetros de Torres Novas), constituído pelo geólogo João Paulo Fernandes, pelo geógrafo Jorge Simões e pela vereadora responsável pela cultura e património, Elvira Sequeira.

Este complexo subterrâneo artificial será um dos mais importante exemplares do género em Portugal, mas é pouco conhecido e explorado, não devendo ter mais que 600 visitantes por ano (não há dados oficiais).

Uma das lendas locais contadas por Vítor "Cartaxo" é que nas Grutas foi encontrada a imagem de Nossa Senhora da Vitória, hoje exposta na Igreja das Lapas. foto mediotejo.net
Uma das lendas locais contadas por Vítor “Cartaxo” é que nas Grutas foi encontrada a imagem de Nossa Senhora da Vitória, hoje exposta na Igreja das Lapas. foto mediotejo.net

Acresce que muitas destas grutas são caves privadas, tendo sido usadas para toda uma série de finalidades, não sendo possível investigar todo o passado geológico e histórico do maciço.

O terreno onde a Câmara Municipal vai abrir uma nova entrada para as Grutas foi inclusive transferido por comodato pela Fábrica da Igreja local. Há “600/700 metros quadrados de galerias nas Lapas cartografadas”, explica João Paulo Fernandes, mas “em alguns locais as grutas desapareceram”.

Para Elvira Sequeira, os 60 mil euros são apenas um primeiro passo para valorizar o monumento e abri-lo mais ao turismo. Outras ideias terão que ser ponderadas, até porque as grutas possuem muita humidade e libertam bastante pó.

“O que pretendemos é que em termos científicos se dê informação ao visitante”, explica a autarca, sublinhando um projeto “simples” e que pretende dar vida ao espaço e também à aldeia. “As Lapas é uma aldeia característica, mesmo em termos arquitetónicos, e depois temos as Grutas. É um local único no concelho para contar a história humana, que começa na Gruta do Almonda”.

Pelas 16h00 deste domingo,reabrem ao público as Grutas de Lapas, sendo inaugurado o novo centro de interpretação e apresentados os novos conteúdos disponíveis ao público.


 

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita



www.mediotejo.net

Sem comentários:

Enviar um comentário