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(Pedro Lains, in Diário de Notícias, 30/11/2019)
Durante anos, o país discutiu convergência económica ou ausência dela (Cavaco Silva), educação ou falta dela (Guterres), projectos de interesse nacional (PINs) ou menos que isso (Sócrates, Portas), ou salários supostamente altos e bens não transaccionáveis, o que quer que isso significasse (Passos Coelho). Estas discussões atravessavam o país de lés a lés, tendo porta-vozes eficazes que marcavam sucessivamente a agenda noticiosa, sobretudo televisiva, mas também no papel. Para ajudar a memória, pensemos no maior sobrevivente desses tempos, Marques Mendes, que ainda procura fazer-se ouvir e se calhar ainda é ouvido por alguns.
No governo dos quatro anos que há pouco acabaram, dominou o discurso em que se apontava o fim da austeridade e a substituição de um modelo de governação através de cortes políticos da despesa do Estado por outro de gestão inteligente do défice e da dívida pública. Esse governo agiu contra os ventos dos opinantes do anterior regime, mas foi seguido e ajudado por dois partidos que com ele representavam uma grande fatia do eleitorado. Marques Mendes e afins continuaram a assustar e a dizer que o caminho iria levar à catástrofe, mas o acordo de incidência parlamentar – e a sanidade do modelo de gestão económica escolhido – conseguiu erguer uma barreira eficiente, reduzindo o discurso antigo à sua parca significância.
Todavia, desde as eleições legislativas do corrente ano, muita coisa parece ter mudado. O discurso antigo tentou voltar, apelando aos riscos da economia internacional dos próximos anos (como se fossem diferentes dos de sempre), entre outras coisas a que se prestou menos atenção. Mas não conseguiu. Poderá voltar, como pode sempre, mas por agora está em hibernação. Na verdade, quem ouve mesmo, nestes tempos, Marques Mendes?
Mas há mais. O actual governo, sozinho, não tem a voz que tinha e são menos os que lhe ligam. O Bloco de Esquerda tem também tido pouca voz, equilibrado numa corda bamba entre críticas ao governo minoritário, medo de que o mesmo caia e esvaziado de propostas alternativas – que sabe que não conseguirá levar avante sem ajuda do governo. O PCP enfiou-se numa reflexão interna, a discutir o futuro consigo mesmo, também sem grande criatividade temática.
O que sobra? Sobra a novidade dos três pequenos partidos agora entrados no Parlamento e é sobre eles que a atenção das televisões, dos jornais e, sobretudo, das redes sociais, está virada. Ora, aqui, o que vemos são temas desconexos, mal engendrados, copiados de outras paragens, trabalhados pela rama e uma grande falta de profissionalismo político.
Nada disto é muito preocupante (embora seja necessário seguir de perto os dislates desumanos de um desses partidos) e tudo isto significa que têm ainda muito que trabalhar e aprender. Coisa que deve ser vista com algum optimismo, sendo como é um passo mais na consolidação da diversificação da representação parlamentar em Portugal. Se quisermos uma bitola sobre o que se está a passar, repare-se quanto Katar Moreira está a ultrapassar Marques Mendes na agenda mediática. É bom? Não sei. Serão novos tempos ou um epifenómeno? Não sabemos.
Sabemos é que um dos resultados disto tudo é a maior desatenção a problemas importantes de gestão da economia e da sociedade portuguesas. É certo que se tem falado na saúde, mas também é certo que isso não é um problema crucial, pois os avanços nessa área têm sido substancialmente maiores do que os recuos, ao contrário do que alguns (Marques Mendes, outra vez) ainda querem fazer crer.
Mas, quanto a um número importante de deficiências estruturais a combater, o silêncio tem sido de chumbo. O que se passa com os transportes públicos e com as vidas de dezenas de milhares de pessoas que pagam menos mas têm menos serviços? O que se passa com o investimento na ferrovia? O novo aeroporto do Montijo vai mesmo ser feito, como não deve ser? A educação de adultos é para retomar? O que falta fazer na saúde é para fazer? E o disparate do lítio vai ser parado a tempo?
Durante anos, o país discutiu convergência económica ou ausência dela (Cavaco Silva), educação ou falta dela (Guterres), projectos de interesse nacional (PINs) ou menos que isso (Sócrates, Portas), ou salários supostamente altos e bens não transaccionáveis, o que quer que isso significasse (Passos Coelho). Estas discussões atravessavam o país de lés a lés, tendo porta-vozes eficazes que marcavam sucessivamente a agenda noticiosa, sobretudo televisiva, mas também no papel. Para ajudar a memória, pensemos no maior sobrevivente desses tempos, Marques Mendes, que ainda procura fazer-se ouvir e se calhar ainda é ouvido por alguns.
No governo dos quatro anos que há pouco acabaram, dominou o discurso em que se apontava o fim da austeridade e a substituição de um modelo de governação através de cortes políticos da despesa do Estado por outro de gestão inteligente do défice e da dívida pública. Esse governo agiu contra os ventos dos opinantes do anterior regime, mas foi seguido e ajudado por dois partidos que com ele representavam uma grande fatia do eleitorado. Marques Mendes e afins continuaram a assustar e a dizer que o caminho iria levar à catástrofe, mas o acordo de incidência parlamentar – e a sanidade do modelo de gestão económica escolhido – conseguiu erguer uma barreira eficiente, reduzindo o discurso antigo à sua parca significância.
Todavia, desde as eleições legislativas do corrente ano, muita coisa parece ter mudado. O discurso antigo tentou voltar, apelando aos riscos da economia internacional dos próximos anos (como se fossem diferentes dos de sempre), entre outras coisas a que se prestou menos atenção. Mas não conseguiu. Poderá voltar, como pode sempre, mas por agora está em hibernação. Na verdade, quem ouve mesmo, nestes tempos, Marques Mendes?
Mas há mais. O actual governo, sozinho, não tem a voz que tinha e são menos os que lhe ligam. O Bloco de Esquerda tem também tido pouca voz, equilibrado numa corda bamba entre críticas ao governo minoritário, medo de que o mesmo caia e esvaziado de propostas alternativas – que sabe que não conseguirá levar avante sem ajuda do governo. O PCP enfiou-se numa reflexão interna, a discutir o futuro consigo mesmo, também sem grande criatividade temática.
O que sobra? Sobra a novidade dos três pequenos partidos agora entrados no Parlamento e é sobre eles que a atenção das televisões, dos jornais e, sobretudo, das redes sociais, está virada. Ora, aqui, o que vemos são temas desconexos, mal engendrados, copiados de outras paragens, trabalhados pela rama e uma grande falta de profissionalismo político.
Nada disto é muito preocupante (embora seja necessário seguir de perto os dislates desumanos de um desses partidos) e tudo isto significa que têm ainda muito que trabalhar e aprender. Coisa que deve ser vista com algum optimismo, sendo como é um passo mais na consolidação da diversificação da representação parlamentar em Portugal. Se quisermos uma bitola sobre o que se está a passar, repare-se quanto Katar Moreira está a ultrapassar Marques Mendes na agenda mediática. É bom? Não sei. Serão novos tempos ou um epifenómeno? Não sabemos.
Sabemos é que um dos resultados disto tudo é a maior desatenção a problemas importantes de gestão da economia e da sociedade portuguesas. É certo que se tem falado na saúde, mas também é certo que isso não é um problema crucial, pois os avanços nessa área têm sido substancialmente maiores do que os recuos, ao contrário do que alguns (Marques Mendes, outra vez) ainda querem fazer crer.
Mas, quanto a um número importante de deficiências estruturais a combater, o silêncio tem sido de chumbo. O que se passa com os transportes públicos e com as vidas de dezenas de milhares de pessoas que pagam menos mas têm menos serviços? O que se passa com o investimento na ferrovia? O novo aeroporto do Montijo vai mesmo ser feito, como não deve ser? A educação de adultos é para retomar? O que falta fazer na saúde é para fazer? E o disparate do lítio vai ser parado a tempo?
O advento dos assuntos representados em Joacine Katar Moreira e o crepúsculo dos temas à Marques Mendes está a permitir ao governo passar pelos pingos da chuva. Para mim, globalmente, isso nem é mau. Mas os antigos partidos do acordo parlamentar (e dois dos novos partidos no Parlamento) terão talvez de pensar melhor no assunto.
Investigador da Universidade de Lisboa. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
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