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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

20 DIAS QUE MARCARAM A DÉCADA - Governo de Passos negou todas as alternativas à queda do BES







Dados novos revelam que Maria Luís Albuquerque, então ministra das Finanças, recusou todos os cenários que ameaçassem a saída limpa de Portugal do período de ajuda externa. A história do BES é a história de um banco rico que afinal era pobre. Com um grande buraco que o BdP só assumiu dias antes do resgate. ~No Verão de 2014 todos ficámos a saber factos que até ali nos tinham sido dados por impossíveis. 

O primeiro era que o BES era afinal um castelo vazio, com accionistas sem capital e activos sobrevalorizados. O segundo era que os supervisores (e os Governos) eram distraídos e durante duas décadas ignoraram os sinais de falta de solidez do grupo e de falhas de idoneidade de alguns gestores. O terceiro era que as mensagens de tranquilidade que tinham partido nas vésperas do resgaste de Belém, de São Bento e do Banco de Portugal (BdP), escondiam a realidade: o banco estava insolvente.

O resultado dos sucessivos equívocos ficou à vista a 3 de Agosto de 2014, quando o governador, Carlos Costa chamou, ao início da noite de um domingo, os jornalistas para com toda a serenidade lhes dar conta de que o BES seria alvo de uma medida extrema que salvava os depositantes. E perante um país incrédulo, o governador e a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, concluíram a uma só voz que a solução não deixava de ser uma boa notícia para os contribuintes que não seriam chamados a pagar a factura. Por outro lado, seria péssima para os bancos portugueses que teriam de meter no Fundo de Resolução, um veículo de risco público, qualquer coisa como oito mil milhões de euros. Ou seja: teriam de manter “vivo” o BES, que a partir do dia seguinte, segunda-feira, estaria a concorrer no mercado com uma outra designação, Novo Banco.

A medida de Resolução do BES foi o desfecho possível de uma corrida contra o tempo que começou na segunda-feira, 27 de Julho, num dos endereços mais reservados e opacos da baixa pombalina, o local onde funciona a sede do Banco de Portugal e a cujos corredores apenas acedem alguns privilegiados.

O que levou ao abrir e fechar de portas pouco habitual no BdP foi um telefonema de Vítor Bento, que a 14 de Julho assumira funções de presidente do BES, com apoio do BdP. Uma das condições para aceitar substituir Ricardo Salgado foi que a nova equipa, que incluía José Honório e João Moreira Rato, ficasse isenta de assinar as contas relativas à gestão anterior. Os resultados do primeiro semestre de 30 de Junho de 2014 continuavam por divulgar e previam um prejuízo em torno dos dois mil milhões de euros, coberto por uma provisão de idêntico valor, imposta pelo supervisor para cobrir a exposição ruinosa ao Grupo Espírito Santo (GES).

Ora, uma das primeiras decisões de Vítor Bento foi requerer à auditora PwC a análise dos movimentos e das várias deliberações ordenadas pela gestão anterior, entre as quais estava a recompra de obrigações próprias do BES com prejuízo (Eurofin) e as cartas de conforto endereçadas (a 9 de Junho) ao Banco de Desarrollo Economico Y Social Venezuela e ao Fundo de Desarrollo Nacional Fonden no valor de 267,2 milhões de euros.
As diferentes análises obrigariam a KPMG, há vários anos o auditor histórico do BES, a impor a correcção do balanço do banco de modo a ficar devidamente provisionado.

Na sequência, a KPMG, a 25 de Julho, foi ao BdP entregar os números preliminares e os alarmes dispararam. E nesse domingo, o supervisor chamou Vítor Bento que, durante a conversa, colocou ao telefone o Deutsche Bank, o consultor financeiro. O banco alemão defendeu que a capitalização privada era possível e deu conta de manifestações de interesse de fundos, condicionadas a conhecerem o balanço. E à clarificação da relação do BES com Angola. O consultor antecipou, porém, que uma operação daquela natureza demoraria semanas.recordou que na Europa havia casos de bancos gregos e cipriotas, sistémicos, autorizados a funcionar com os rácios abaixo do exigido, acreditando que uma negociação com Bruxelas permitiria aplicar este cenário. E ficaram assim.

28 de Julho
A uma semana do resgate, Vítor Bento voltou a trocar mensagens com a tutela para informar que a KPMG iria contactar os serviços para oficializar os números semestrais do BES, com uma imparidade adicional de 1,2 mil milhões de euros, pelo que a almofada de dois mil milhões de euros se tornara insuficiente e o prejuízo disparara para 3,4 milhões de euros. O BES ficava com os rácios de capital em 5%, abaixo do limiar exigido de 8,5% para poder operar.

Corrigidas as contas, o BdP reportou-as ao Banco Central Europeu (BCE) que deu instruções: até final da semana, o BES teria de apresentar uma solução de capitalização, de outro modo era-lhe retirado o estatuto de contraparte. O que se traduziria em fechar a torneira da liquidez e impedir que continuasse a aceder aos fundos do BCE, o que, na prática, ia colocar a instituição em situação de ruptura.

De acordo com o Expresso, o BES ia anunciar prejuízos de mais de três mil milhões de euros, o que levou o BdP a relatar em comunicado que o “interesse demonstrado por diversas entidades em assumirem uma posição de referência no BES indicia que é realizável uma solução privada para reforçar o capital”. E que, “no limite”, havia a linha de recapitalização pública parcialmente usada pela CGD, pelo BCP e pelo Banif (o BPI tinha, entretanto, reembolsado o empréstimo), o mecanismo de apoio à banca portuguesa criado no quadro do programa de assistência negociado com a troika e que continuava em vigor.

29 de Julho
Porém, na terça-feira, na sede do BdP começaram movimentações para aplicar um plano de contingência, com um cenário inicial único: promover uma venda do banco em mercado (que teria de ter apoio dos accionistas do BES) com possível recapitalização pública ou bail-in, que admitia a execução de obrigacionistas.

foi assim que, à tarde, na maior sala do terceiro piso da sede do BdP, na baixa de Lisboa, conhecida pela “sala da troika”, foi montado um gabinete de crise onde se agruparam várias mesas para formar uma de maior dimensão rectangular, para ali se dispersarem computadores e documentação relativa ao BES. E começaram a chegar os técnicos, incluindo os do departamento de Política Monetária, para o caso de ser necessário injectar liquidez no BES.

Ao lado do director do departamento de supervisão, Luís Costa Ferreira, sentou-se João Freitas, com o plano de contingência, e o jurista Pedro Machado, ex-chefe de gabinete de Vítor Gaspar, como coordenador da task force. E o responsável pela ligação às autoridades, europeias e nacionais. No segundo andar, os administradores chefiados por Carlos Costa acompanharam os trabalhos, mas cada um recolhido no seu gabinete. Como todos planeavam passar ali os dias seguintes, foi encomendado o catering para fornecer o pequeno-almoço, o almoço, o jantar e a ceia. E pelos corredores começou a falar-se inglês.

Então, Luís Costa Ferreira chamou o BNP Paribas, para dar apoio financeiro, e Pedro Machado fez prospecção de gabinetes de advocacia para ajuda jurídica. E acabou a telefonar a Pedro Cassiano Neves, sócio da VdA, para pedir o “número” de Jorge Bleck, com treino em fusões e aquisição (M&A). Dava-se a circunstância de Bleck estar a viajar do Algarve, onde estava de férias, para Lisboa, para resolver questões relacionadas com a venda da Tranquilidade [a seguradora do BES] à Apollo, um negócio encalhado naquele momento.

Quando Bleck ligou de volta a Machado, este transmitiu que preferia falar pessoalmente ao final da tarde. Frente a frente, o jurista abriu parte do jogo: “O BdP está a avaliar uma decisão sobre o BES, mas nada está decidido, e vai necessitar de contratar uma firma com experiência em recapitalizações e capacidade de resposta rápida em termos de M&A. E quero saber se o vosso gabinete [VdA] tem algum conflito de interesses”. Bleck participou-lhe que dava apoio à Apollo e Machado questionou-o: “À parte disso há outros conflitos?” O advogado observou que iria saber e tentando puxar por ele, inquiriu: “De que estamos a falar?” O jurista do BdP fugiu à questão: “Ainda não sei, nem se vai acontecer.”

À espera no escritório estavam os dois sócios, João Vieira de Almeida (M&A) e Cassiano Neves (da área da recapitalização), que confirmaram que a VdA podia aceitar mandato. Na troca de impressões, Bleck ventilou: “Acho que pode estar em curso uma bomba, não sei é qual é.”Por carta, o supervisor acabara de notificar o conselho de administração do BES, onde se sentavam os accionistas, como o Crédit Agricole, a apresentarem um plano de recapitalização em dois dias. O tema iria ser debatido na reunião do dia seguinte, quarta-feira.

30 de Julho
Que o GES estava “rebentado” era do domínio geral, mas o que poucos sabiam é que o BES também estava. E foi o que Bleck, Vieira de Almeida e Cassiano Neves perceberam quando, na ida ao BdP, ouviram Pedro Machado dizer: “Estamos a equacionar realizar uma operação de mercado que terá de ser feita até ao fim-de-semana pois o BCE ameaça cortar a liquidez ao BES na segunda-feira.”

A estratégia da autoridade de supervisão era isolar um potencial interessado no BES. Mas antes de sair da sala, Machado antecipou aos advogados: “Pode acontecer que o BdP ainda tenha de fazer uso dos seus plenos poderes.”

Por isso, os advogados da VdA foram olhar para o Regime Geral das Instituições de Crédito e concluíram que só havia um potencial adquirente do BES: o BPI, que acabara em Junho [de 2014] de liquidar o empréstimo da linha da troika e estava livre de restrições a aquisições, o que não acontecia com a CGD e o BCP.

Foi o que indicaram a Pedro Machado. E ainda: “Como o volume de negócios do BPI não é grande, não tem de passar pelo crivo da DGComp [autoridade de concorrência europeia]. E para situações como a do BES, a lei dispensa a AdC [autoridade de concorrência portuguesa] de ser consultada.”

Meses antes, em 2013, o BPI apoiara Pedro Queiroz Pereira na luta contra o assalto do GES à Semapa, fizera uma due dilligence [análise às contas] ao BES, e constatara graves problemas, um deles que cerca de 60% do capital estava aplicado no banco de Luanda.

Por tudo isto, Bleck observou: “O BPI nada fará sem ter o apoio dos accionistas e em dois dias é impossível falar com todos”.
Mesmo assim, o presidente do BPI, Fernando Ulrich, foi sondado pelo BdP sobre o eventual interesse na concentração, decisão que teria de ser rápida e tratada com os accionistas do BES. O BdP facilitaria.

Para aprovar as contas semestrais (sem os nomes de Vítor Bento, de José Honório e de Moreira Rato), mas também para dar resposta à carta remetida pelo BdP, o Conselho de Administração do BES esteve reunido durante toda a manhã de quarta-feira. E por escrito pronunciou-se nestes termos: o BES estava disponível para encontrar meios para recapitalizar o banco, não o podia fazer em dois dias (na prática em um) e garantia que iniciaria o processo imediatamente.

Simultaneamente, Vítor Bento, José Honório e o administrador delegado de Crédit Agricole, pediram uma audiência ao BdP, onde chegaram depois de almoço para insistir junto de Carlos Costa que “qualquer processo de capitalização não pode ser feito em dois dias, como lhes fora exigido.” O governador frisou que não há tempo e que o BES pode usar a linha de recapitalização da troika [que Ricardo Salgado sempre rejeitara]”. E adicionou à conversa uma sugestão: “Vão falar directamente com a senhora ministra das Finanças.”

Com o aperto, Bento foi falar com Maria Luís Albuquerque com quem teve um diálogo que dificilmente esquecerá. Quando a interpelou sobre a receptividade do Estado em permitir que o BES se recapitalizasse junto da linha da troika (que implicava pagar juros e diluir capital com a entrada do Estado), conforme solução mencionada por Carlos Costa, a ministra transmitiu: “a receptividade é nula.”

O BES tornara-se uma surpresa e um pedregulho que as autoridades, o BdP e o Governo, tinham ignorado durante anos. Agora evitavam tropeçar nele. Com a situação do país controlada, os juros em queda, Maria Luís Albuquerque queria uma saída limpa, isto é, terminar o período de ajuda externa sem qualquer problema por resolver. E havia eleições no ano seguinte. A par e passo, nos bastidores controlados das Finanças, ultimava-se a transposição para a lei nacional da directiva europeia da Resolução bancária, planeada para entrar em vigor em 2016.

Quando Vítor Bento saiu do edifício das Finanças uma coisa percebeu: o que ouvira à ministra contrariava o que Carlos Costa lhe dissera. O Governo não se comprometia.

Durante a noite de quarta-feira, o BES revelou os maiores prejuízos da história de toda a banca portuguesa: contabilizara 3,577 mil milhões de euros no primeiro semestre. Só em imparidades inscrevera 4,3 mil milhões.

“Será desencadeado de imediato um processo visando aumentar o capital do banco”, que ficou com um rácio Tier 1 de 5% (para metas de 8,5%), e “o plano de capitalização deverá, desejavelmente, contemplar uma almofada de precaução” para garantir o futuro de longo prazo, lê-se no comunicado emitido por Vítor Bento.

Dali a minutos foi o BdP que se fez ouvir: “Reitero que estão reunidas as condições necessárias à continuidade da actividade desenvolvida pelo BES e à plena protecção dos interesses dos depositantes”. Ou seja, segundo o supervisor, o banco tinha todas as condições para continuar a operar. E, além disso, clarificou que o reforço de capital devia ser feito com base em soluções de mercado e que “a solidez do BES será salvaguardada pelo facto de continuar disponível a linha de recapitalização pública criada no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira para suportar eventuais necessidades de capital do sistema financeiro”. O BdP teimava em aludir à linha de recapitalização, como meio de resolver o problema, que horas antes Maria Luís Albuquerque negara.

31 de Julho
O cenário não podia ser pior. Os investidores e os clientes do BES assustaram-se, sobre a rede comercial houve pressão de levantamentos e no mercado um recuo na cotação de 42,07%, para 0,20 cêntimos. Então, o porta-voz do Governo, Luís Marques Guedes, interveio para dizer que o BES seria normalizado por via “essencialmente privada”.

Mas o BPI colocou-se fora de jogo e Fernando Ulrich descartou ficar com o BES, nem discutiu o cenário em Conselho de Administração.

A nacionalização do BES era tecnicamente admissível, mas politicamente não era. Por razões ideológicas e pelos custos que dali poderiam resultar, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho nem olhou para ela. Para mais, havia um preconceito decorrente do dossiê BPN, que com menos de 3% do mercado vai acabar por custar aos contribuintes qualquer coisa como sete mil milhões (ou seja, quase tanto quanto se admite acabar por meter no BES).

A hipótese da liquidação, que o BCE e Bruxelas não afastavam, foi excluída pelo BdP com o argumento de que um banco não é uma empresa, que se fechar só perdem os trabalhadores e os fornecedores. No caso de “um banco sistémico como o BES os efeitos são em cascata, é mandar liquidar o sistema financeiro português.” E o cenário da Resolução precipitou-se.

Nessa noite, Bleck, Vieira de Almeida e Cassiano Neves atravessaram a pé o Terreiro do Paço, onde os viram a jantar numa esplanada. Estavam descrentes, a comentar entre si: “Isto é Portugal, não se vai fazer.” Tradução: politicamente vai ser difícil desmantelar o império Espírito Santo.
Subestimavam o Governo que, aparentemente, determinara o momento e o modelo da intervenção. A resolução permitia a Maria Luís Albuquerque manter intocável a narrativa da saída limpa, pois não iria implicar a injecção de dinheiros públicos à cabeça.

1 de Agosto
No segundo andar da sede do BdP, ao final da manhã de sexta-feira, dois dias antes do resgate, Carlos Costa reunido, via teleconferência, era avisado pelos membros do Conselho de Governadores do BCE: o estatuto de contraparte do BES será retirado na segunda-feira, 4 de Agosto, suspendendo, assim, o acesso às operações de política monetária; e nessa data o BES terá também de reembolsar integralmente o crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 mil milhões de euros. Ditavam-lhe o fim.

A partir dali deram-se múltiplas interacções para desenhar a solução definitiva. Fixadas as linhas vermelhas, o que era intocável, os depósitos e a seguir a dívida não subordinada, as equipas internas e externas do BdP começaram a partir o balanço daquele que alguns classificavam como o banco mais emblemático do país.

Para Vítor Bento, valia a pena passar uma mensagem de tranquilidade sobre o futuro aos quadros do BES e foi o que começou a fazer à hora de almoço, quando o interromperam: Carlos Costa queria-o no BdP ao final da tarde e a CMVM preparava-se para intervir. ram 15h00 quando a negociação do BES foi suspensa, e só depois de Carlos Tavares ter tido conhecimento oficial de que o BdP estava a planear uma acção iminente. Em dois dias, o banco descarrilara em bolsa mais de 100%. Colapsava à vista de todos.

Finalmente, Carlos Costa e Pedro Duarte Neves iam transmitir a Vítor Bento, a José Honório e a João Moreira Rato os planos: “seria aplicada ao BES a medida de Resolução” e [os três gestores] “ficariam a gerir a instituição saneada”. Mais: o BdP entendia que deste modo o problema do BES seria ultrapassado.

As explicações do BdP compraram tempo, mas não garantiram o fim dos problemas. Embora Bento, Honório e Rato tivessem deixado a baixa lisboeta convencidos de que se abriria um novo ciclo, e como não tinham conhecimento pormenorizado da lei, fizeram o óbvio: pediram esclarecimentos aos assessores jurídicos do BES, o advogado António Soares e o agora ministro Pedro Siza Vieira, da Linklaters.

2 de Agosto
No dia seguinte, sábado, véspera da Resolução, a equipa de Vítor Bento (que na altura já não tinha gestores da administração de Salgado) foi alertada por Siza Vieira para um equívoco: “Da resolução ia resultar um banco de transição que teria de ser vendido em pouco tempo, no máximo dali a dois anos, ou inteiro ou retalhado.” E, portanto, com tantas limitações, significava que a gestão teria pouca margem de manobra para o recuperar.

E aí Vitor Bento marcou o número de telefone de Carlos Costa para avisar que naquelas condições não se manteria no cargo e pedia-lhe uma reunião urgente que começou pouco depois. Ao lado de Honório e de Rato, Bento ouviu o governador contar que Bruxelas exigia que a venda do banco de transição ocorresse em dois anos, assim como o desaparecimento da marca Espírito Santo. E diz-lhes que acreditava numa venda rápida e lucrativa do banco. O gestor recordou que o seu desafio era o de recuperar o BES e não o de o liquidar. Participou que estava de saída do BES.
E foi quando Carlos Costa contrapôs, hesitou, disse que sim e disse que não, mas como queria o dossiê fechado, instruiu Pedro Machado para corrigir a lei da Resolução de modo a que a continuidade de Vítor Bento fosse preservada. E o prazo de venda do banco de transição que na lei da Resolução está em dois anos, foi estendido até cinco anos.

O ambiente padrão do BdP é sem registos emocionais ou de velocidade, mas agora andava agitado. Ao piso de cima tinham chegado os técnicos da DGComp para negociar os termos da Resolução com João Freitas e Miguel Mendes Pereira, sócio da VdA.

Um dos principais pontos da Resolução não podia ser mais claro: os bancos concorrentes iam salvar o BES, entre eles a CGD. E nesse sábado, o almoço de Fernando Faria de Oliveira, presidente da APB, foi estragado quando um banqueiro lhe comunicou que havia grande aceleração no BdP e no BCE. E lhe propôs uma audiência com o governador.

Eram 18h00 quando Faria, José Matos (CGD), Nuno Amado (BCP) e Fernando Ulrich (BPI) chegaram ao BdP. No decurso da conversa, Carlos Costa confirmou que o resgate os envolveria directamente.

A irritação por terem sido associados à operação sem terem sido consultados foi substituída pela perplexidade ao perceberem que o BdP já tinha passado a estratosfera, rodopiava mesmo no espaço sideral, pois ouviram da equipa do governador uma reflexão do género: “Confiamos que o banco de transição venha a ser vendido rapidamente, talvez mesmo por 70% ou 90% do que vier a ser injectado e os bancos vão conseguir recuperar o que lá meteram.” O que se passará depois nada terá a ver com o que ali foi dito.

Foi tanta a discussão que a dada altura Carlos Costa deu um conselho: “Vão falar com a senhora ministra das Finanças.” Passava das 21h00 quando Faria, Matos, Amado e Ulrich entraram no elevador das Finanças.

Não é preciso perder tempo para saber o que Maria Luís Albuquerque lhes disse ao ser confrontada sobre a razão por que não houve disponibilidade para deixar o BES ir à linha da troika. A ministra justificou a opção pela Resolução com a mudança das regras das ajudas do Estado à banca. Ainda assim, foi contrariada pelos banqueiros, que argumentaram que “Portugal continua debaixo do programa de assistência e a linha de recapitalização fora criada para ajudar a banca nacional”.

“E por que não liquidar o BES e dividir os activos e passivos entre os bancos?” Não valia a pena levantar a discussão. Por conveniência política, ou falta de informação, Albuquerque viajara com o BdP para o espaço sideral, pois apresentou o cenário optimista: a expectativa é de uma venda rápida por um valor próximo do que vier a ser injectado. Eram 23h00 quando Faria, Matos, Amado e Ulrich saíram do Terreiro do Paço. Caíra-lhes em cima o meteorito BES.

Enquanto decorria a conversa acesa dos banqueiros com a ministra, Luís Marques Mendes com linha directa para o BdP, transfigurara-se de jornalista e no seu comentário semanal na SIC, deu a notícia da década: “Na segunda-feira nasceria um novo BES”, dividido em dois, uma parte boa, com outra designação e outra má. E “não se trata nem de uma solução de nacionalização como aconteceu no BPN” e “também não será feita uma recapitalização exactamente como foi feita no BCP ou no Banif ou no BPI”. E apresentou números: o banco necessitará de “cerca de quatro a cinco mil milhões de euros, verba que virá do fundo de resolução bancária”.

A iniciativa chegou em boa hora para as autoridades, pois com a tarimba de advogado Marques Mendes deu uma explicação tão esquemática, que quem ouviu, percebeu tudo. Mas colocou os quadros do BdP em choque: não só revelara o que estava a ser preparado em ambiente controlado como adiantara detalhes novos.

Durante a noite, Pedro Machado, reuniu-se com António Soares, Pedro Siza Vieira, David Ereira (ligado à falência do Lehman Brothers), da Linklaters, e Jorge Bleck, Cassiano Neves, Mark Sterling, da VdA/ Allen & Overy, para analisarem as questões jurídicas da divisão dos activos entre bons e maus para que o balanço do banco de transição se pudesse fechar.

3 de Agosto.
No domingo, ao início da manhã, o vice-governador Pedro Duarte Neves, e o director do departamento de supervisão do BdP, Luís Costa Ferreira, atravessaram a Praça do Comércio para ir falar com Albuquerque, a quem informaram que o banco de transição necessitaria de uma injecção de dinheiro público entre 5,5 e seis mil milhões. Articulada com Passos Coelho, a ministra transmitiu que não libertaria mais de cinco mil milhões, o que limitava a folga para resolver todos os problemas do banco. E fixou-se o valor em 4,9 milhões.

Com a pressão a crescer e os buracos a aparecerem, no BdP faziam-se contas simples para se cozinhar um balanço ajustado ao montante da injecção pública (4,9 mil milhões). Depois? Logo de verá. Quando os técnicos chegaram a um rácio de capital (Tier 1) do banco de transição de 8,5%, trancaram o dossiê. E foi quando se ouviu o desabafo de um inglês, Mark Sterling, que colaborara na reestruturação da banca grega: “Isto vai ter muitos problemas com um Tier 1 de 8,5%, pois para fazer face ao que se vai acabar por descobrir, o Tier 1 teria de ser 13%.”

Às 20h00 de domingo, 3 de Agosto, Carlos Costa começou a revelar a um país estupefacto o plano de resolução do BES, com a linha de argumentação política de Maria Luís Albuquerque: a Resolução é a melhor solução para os contribuintes, que não vão meter dinheiro no BES.

O que se passou a seguir é conhecido

As expectativas do anterior Governo e as do BdP sobre o timing e o encaixe da alienação do banco de transição eram, evidentemente, exageradas. O Novo Banco foi vendido em 2017, com o incentivo ao contrário: o Lone Star comprou 75% do capital, com um seguro de 3,9 mil milhões que pode (e está a) accionar quando entender. O Governo acaba de lhe destinar mais 600 milhões de euros, o que se somará aos 1,941 mil milhões de euros já usados.

O Novo Banco não é só um tema da banca, como Carlos Costa e Maria Luís Albuquerque quiseram fazer crer, é também dos contribuintes. E manter-se-á risco público por mais 30 anos, o prazo dado ao sector bancário para pagar ao Estado os empréstimos ao Fundo de Resolução.
Com a partilha do BES em dois, as contingências legais, um risco sem fim, ficaram do lado do BES (em liquidação), e não dos contribuintes e do Fundo de Resolução.

O advogado, agora ministro Pedro Siza Vieira, que alertou Vítor Bento para as limitações do banco de transição, aprendeu a lição. Não só acompanhou a venda do Novo Banco, como a do Banif ao Santander, com ajudas do Estado.

Mesmo com as equipas do BdP a andarem por esse mundo fora a dar lições sobre o que foi a Resolução do BES, não se repetiu a experiência nos mesmos moldes. Haverá novos combates quando o Lone Star vender o controlo do Novo Banco.

Pedro Passos Coelho ganhou as eleições de 2015, mas não voltou a São Bento, e quem se sentou no seu lugar foi António Costa. E Maria Luís Albuquerque foi trabalhar para a Arrow como assessora para a compra de créditos tóxicos, um negócio que a banca que tutelou tem vindo a rentabilizar. Carlos Costa foi reconduzido no cargo. Sobre Ricardo Salgado, o primeiro rosto da ruína e queda do BES, caem múltiplos processos judiciais e criminais.

Todos os episódios relatados pelo PÚBLICO têm por base testemunhos directos ou documentos escritos dos intervenientes. Maria Luís Albuquerque declinou falar com o PÚBLICO.

tp.ocilbup@arierrefc
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