A proposta de alteração do sistema judiciária que acaba de passar no Parlamento polaco coloca os juízes sob escrutínio subjugando-os ao Governo e está em rota de colisão com Bruxelas. É o próprio Supremo Tribunal polaco a declarar que a sua transformação em lei pode exigir que a Polónia saia da União Europeia
Poderá a Polónia vir a ser o próximo país a deixar a União Europeia? Em desafio aberto a Bruxelas desde 2015, o partido PiS (Lei e Ordem), no Governo, fez aprovar no Parlamento no final da semana passada uma lei que afeta o sistema judiciário do país e confirma que Varsóvia escolhe a rota de colisão com a União Europeia.
Quem assim resume a questão numa pergunta é a revista "Forbes", mas correspondia ao tom geral expresso pelos órgãos de comunicação social internacionais. Agitando bandeiras, milhares de polacos marcharam nas principais cidades de todo o país em oposição à lei que poderá conceder ao Governo o poder de demitir e controlar a Justiça caso discorde das reformas que os tribunais levem a cabo.
A controversa lei foi aprovada pelo Parlamento na sexta-feira passada mesmo depois de a vice-presidente da Comissão Europeia, Vera Jourova, ter pedido às autoridades polacas que cancelassem a votação e consultassem, antes, juristas especializados.
ALTERAR A LEI PARA COMBATER A CORRUPÇÃO
O PiS argumenta com a necessidade de proceder a alterações à lei para combater a corrupção e vistoriar o sistema jurídico que, alega, se encontra ainda assombrado pela era comunista. A UE acusa o PiS de tentar politizar a Justiça desde que ganhou as eleições, em 2015.
"O sistema judiciário já está capturado, e o Governo está em processo de capturar uma boa parte das organizações sociais", comenta ao Expresso o cientista político alemão, Yascha Mounk.
Após o resultado das eleições de 6 outubro de 2019, nas quais o PiS foi reconduzido, o especialista em populismos, e autor do livro "Povo vs. Democracia - Saiba porque a nossa liberdade está em perigo", considerado o melhor do ano pelo "Financial Times", diz que, em breve, "a Polónia tal como a Hungria" será considerado "um país apenas parcialmente livre por observadores internacionais" como a Freedom House.
O Supremo Tribunal polaco emitiu uma declaração na terça-feira 17 segundo a qual o partido no Governo está a minar o princípio do primado da lei da União Europeia sobre a lei nacional: "Contradições entre a lei polaca e a da UE... vão provavelmente conduzir a uma intervenção das instituições europeias relativamente a infrações aos tratados europeus e [conduzirão à] necessidade de sair da União Europeia", lia-se.
Nem todas as alíneas da revisão à lei foram aprovadas, como a que obrigaria os juízes a revelar os pseudónimos que usassem nas redes sociais, descreve o "Wall Street Journal", mas passou outra parte polémica que poderá levar a que os juízes percam os seus empregos caso questionem a competência dos seus pares nomeados para um tribunal que foi criado recentemente. A imparcialidade deste novo corpo foi já posta em causa pelo Tribunal de Justiça Europeu.
UM PASSO NA DIREÇÃO DO POLEXIT
O Ombudsman polaco, Adam Bodnar, declarou durante o debate no Parlamento que a alteração à lei colide com a Constituição polaca e virá a pôr em causa o facto de a Polónia ser membro da UE, lê-se no Politico.eu. "É um passo direto para o Polexit, para a Polónia sair da União Europeia", concluiu.
Yascha Mounk vai mais longe na sua definição de Estado livre e democracia referindo que "a Polónia já tem muitos sinais de desequilíbrio" com instituições "a serem desenhadas de forma a que a oposição venha a ter muito poucas hipóteses de vir a formar governo", explicou ao Expresso.
A proposta de alteração da lei judiciária vai passar ainda pelo Senado, que é dominado pela oposição, mas este não tem poder para alterá-la, o que significa que apenas pode reter o processo de aprovação até um máximo de 30 dias. Dali seguirá para as mãos do Presidente, Andrzej Duda, um aliado do Governo, que, ao assiná-la, a transforma em lei.
O partido no Governo argumenta ter um mandato democrático para reformar e regulamentar os tribunais, cujos juízes são nomeados e promovidos pelos seus pares. "Os tribunais tornaram-se demasiado autónomos não respondendo à vontade democrática", alega o PiS.
expresso.pt
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