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quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

A primeira inseminação artificial foi um pesadelo ético envolvendo mentiras, um segredo e esperma de um doador surpresa





As tecnologias de reprodução assistida, ou TRA, no Brasil, são mais comuns no mundo do que nunca. O 34° Congresso da Sociedade Europeia de Reprodução Humana (SERH), que aconteceu em Barcelona, na Espanha, no ano passado estimou que 8 milhões de bebés nasceram com ajuda da técnica e que mais de meio milhão de bebés são gerados a cada ano a partir de ciclos de TRA no mundo. Mas mesmo os procedimentos médicos mais comuns já foram novos, e os primeiros dias da TRA estavam muito longe dos rígidos padrões éticos de hoje.

A primeira inseminação artificial foi um pesadelo ético envolvendo mentiras, um segredo e esperma de um doador surpresa
primeiro médico a adoptar uma abordagem sistemática da inseminação artificial humana foi o controverso cirurgião do século XIX J. Marion Sims. Embora ele tenha fundado o Hospital Feminino de Nova Iorque, o primeiro estabelecimento dedicado exclusivamente à saúde da mulher, ele também é conhecido por actividades mais preocupantes: muitas de suas notáveis ​​contribuições médicas foram resultado de pesquisas que ele conduziu em escravas sem o seu consentimento.

O Hospital da Mulher abriu em 1855 e, durante seus primeiros anos de operação, Sims realizou 55 procedimentos de inseminação artificial em seis mulheres diferentes; apenas uma resultou em gravidez e terminou em aborto.

Suas técnicas provavelmente teriam sido eficazes se ele tivesse levado em consideração os ciclos de ovulação de suas pacientes, mas, como não fez, a primeira inseminação artificial a resultar em um nascimento vivo, foi realizada pelo médico da Filadélfia William Pancoast, que aconteceu algumas décadas depois das tentativas de Sims.

Em 1884, uma das pacientes de William, uma mulher de 31 anos, foi visitá-lo no Hospital Sansom Street preocupada com sua incapacidade de conceber. William assumiu inicialmente que o problema estava na fertilidade da mulher, mas vários exames o levaram a concluir que o problema era na verdade a baixa contagem de esperma do marido.

Quando o marido, um comerciante rico de 41 anos da Filadélfia, foi fazer o seu exame, William o considerou "saudável", com excepção de um caso de gonorréia contraída anos antes. O exame microscópico indicou que seu "fluido espermático" estava absolutamente vazio de espermatozóides, provavelmente como resultado da infecção.

Originalmente, William disse ao homem que o problema seria facilmente resolvido com um tratamento, mas, após dois meses sem progresso, o médico determinou que os dutos seminais do comerciante estavam permanentemente obstruídos e que ele não seria capaz de engravidar a esposa.

Em vez de divulgar qualquer uma dessas informações ao casal, William agendou outro "exame" para a paciente e foi assim que ocorreu a primeira inseminação artificial bem-sucedida: na frente de seis estudantes de medicina, William anestesiou sua paciente usando clorofórmio, inseminou-a com uma seringa e depois tampou seu colo do útero com gaze. A fonte do sémen foi um dos estudantes de medicina da sala, determinado como o mais "bonitão" do grupo. Sério!
A primeira inseminação artificial foi um pesadelo ético envolvendo mentiras, um segredo e esperma de um doador surpresa
William Pancoast.
De alguma forma, William conseguiu convencer que o marido tinha engravidado a mulher e, nove meses depois, a mulher deu à luz um bebé saudável com mais de 4 kg. William não revelou as circunstâncias da concepção até depois do nascimento, e mesmo assim, ele contou apenas ao marido.

Por mais estranho que possa parecer, o homem ficou encantado -talvez porque quisesse ser pai- com a ideia e conspirou com o médico que seria melhor que a esposa não soubesse a verdade sobre o seu "exame" final ou quem era o pai biológico de seu filho.

Segredo absoluto e avanço rápido para o ano de 1909, quando um bem sucedido e jovem empresário de 25 anos, que morava em Nova Iorque, recebeu a vista de um estranho em sua empresa. Era Addison Davis Hard, um dos seis estudantes de medicina presentes na sala no dia da inseminação, que o contactou para contar os detalhes do que havia acontecido com sua mãe naquele dia e sobre a natureza de seu nascimento.

Semanas depois Addison publicou um paper na revista Medical World descrevendo o caso:

- "Naquela época, o procedimento era tão novo", escreveu Addison: - "Era tão peculiar em sua ética humana, que os seis jovens da classe mais avançada não sabiam que estavam comprometidos com o sigilo absoluto."

O médico continuou argumentando que a inseminação artificial oferecia vantagens valiosas, dentre elas a capacidade de garantir que o sémen, sem a promessa de uma boa e saudável prole, fosse desconsiderado em favor de sementes cuidadosamente seleccionadas.

Embora esse evento tenha ocorrido inicialmente há mais de 100 anos, os princípios éticos e as questões espinhosas nele contidas ainda são tão ou mais relevantes do que antes.

A história só transcendeu por causa do artigo publicado por Addison relatando os detalhes do procedimento. O que nunca ficou evidenciado, no entanto, é se a mãe foi informada do que aconteceu com ela e se o "bonitão" do Addison contou a história toda.


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