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sexta-feira, 29 de outubro de 2021

O lado invisível do OE


 


 

 DEBATE DO PEC


A celeuma em torno do OE para 2022 lembra a do PEC4. 

Quando se discute o famoso momento da sua votação, a ideia dominante é a de que esquerda se juntou à direita para chumbar o poder socialista e teve um efeito desgraçado: chumbar o pacote de medidas acordado com a chanceler Merkel conduziu à queda do Governo Sócrates e, com ele, à entrada da troica em Portugal e, depois das eleições antecipadas, a um Governo PSD/CDS (Passos Coelho/Paulo Portas) que foi "além da troica", cujos resultados foram desastrosos para o país e para os portugueses.

Mas geralmente esquece-se a materialidade das medidas que estavam a ser votadas.

No caso concreto, e desde o segundo trimestre de 2010, as instituições europeias mudaram de opinião. Em vez de um programa de investimento e de defesa o emprego - passou-se à austeridade, cortar na despesa pública. Como se as contas públicas estivessem na origem da crise do euro e não da crise de 2007/2008, filha da distopia do sistema financeiro e que transbordara para os Estados quando lançaram a mão para pagar os seus desmandos, com repercussões nos mercados financeiros onde - por obrigação ideológica - os governos da UE se têm de financiar, porque os países cederam ao BCE o seu poder de emissão monetária. 

Cada pacote de medidas agravava a recessão e o desemprego. E o PEC4 já era o quarto pacote.

O Governo PS, sem querer olhar o problema de frente, tendo como ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos - nas palavras de José Sócrates, um "embaixador do governo alemão" - acatava os ditames aparentemente irracionais vindos de Bruxelas e Frankfurt. Aparentemente, porque esses pacotes visavam, sim, provocar uma ruptura financeira que forçasse a intervenção externa que, por sua vez, financiasse sobretudo a banca francesa e alemã - que apostara nos juros altos da dívida pública nacional. Ou seja, pressionava-se para aplicar um programa de austeridade que fizesse a população portuguesa pagar o empréstimo externo que, por sua vez, pagaria os desmandos dos "credores". E nesse capítulo, a filosofia "as dívidas são para pagar" assemelha-se mais à própria voz dos "credores" seus beneficiários.  

Essa era a essência do PEC4. O seu chumbo era, pois, justo. Se não fosse o PEC4 a ser chumbado, seria o seguinte, porque nenhum deles resolveria os problemas nacionais. Pelo contrário, agravava-os e a esquerda não poderia apoiar esse programa. Mas esse facto gravoso não impediu que toda esta materialidade tivesse ficado ofuscada na suposta insanidade - passada em coro na comunicação social - da aliança contra-natura que o deitou abaixo. Logo se repetiu que esquerda e direita se aliaram para derrubar o Governo PS, omitindo-se os motivos bem diferentes (como se pode ver no vídeo bastante edificante). 

Mas por que razão se colocara o Governo PS nessa posição?

 

Ora, o OE para 2022 não era um plano de austeridade. Mas tinha enormes fragilidades. E a principal talvez era a opacidade de quem o gere, que nunca presta contas sobre as suas opções de não concretizar despesa orçamentada e aprovada pelos parceiros, acumulando défices materiais na provisão pública na saúde, na educação, na cultura, nas despesas sociais, etc. 

Se é legítimo perguntar por que razão o PS sustentou programas como o PEC4, talvez se deva perguntar por que razão o Governo se mostra incapaz de cumprir orçamentos ou de mudar a lei laboral que, como os próprios socialistas admitem, promove os baixos salários e desequilibra a relação laboral. E não há muitas respostas: 

1) Bruxelas e Frankfurt não querem; 

2) os patrões não querem e eles acabam por mandar, devido ao papel de verdadeira Câmara Corporativa que é presentemente a Comissão Permanente de Concertação Social (vide episódio recente da suspensão da sua participação supostamente por causa das compensação por despedimento, mas na verdade porque o Governo decidiu pôr em causa o seu poder; 

3) o Governo não quer porque, na realidade, prefere salários baixos porque uma subida de salários contribui para a subida do investimento e, com elas, as importações tendem a subir, contribuindo para desequilibrar as contas externas. 

Ou seja, o Governo tem uma insanável contradição no seu programa. E Portugal tem um problema que este Governo se recusa a encarar: como crescer sem desequilibrar as contas externas. Até lá, até saber o que fazer, o PS adia e aperta as contas, gere a crise nacional, enquanto dia após dia, Portugal se afunda às mãos de uma armadura imposta de fora, impregnada de um ideário neoliberal. 


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