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sábado, 9 de outubro de 2021

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia


 


Um produto tradicional preparado por pastores nas terras altas do Himalaia oriental, o chhurpi é um queijo rico em proteínas, com um sabor defumado e consistência dura que gradualmente se torna mais mastigável. É feito com o leite da chauri, o cruzamento entre um gyag (iaque macho) e uma vaca, e é o lanche favorito no leste da Índia e em grande parte do Nepal e Butão. As pessoas costumam mastigar pequenos cubos da substância por horas a fio, como um chiclete duro que amolece lentamente com o tempo e a saliva.


Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

A textura dura e única do lanche sólido é consequência do clima de alta altitude e do estilo de vida duro do Himalaia. Diferente da manteiga de iaque, que é um néctar, o lanche é "gostosinho". No início é como se você colocasse um pedaço de plástico na boca. Não há como morder e os primeiros 15 minutos você apenas chupa o cubo, ainda que os locais consigam mastigá-lo após 15 minutos na boca. A partir de então, aos poucos ele vai liberando o gosto de queijo, permitindo que você mordisque as beiradas.

Todas as manhãs, os criadores de gado da região acordam antes das 05:00 para começar a ordenhar suas chauris ou dris (fêmea de iaque) para fazer chhurpi e manteiga respectivamente. Tão logo terminam a ordenha, o leite deve ser transformado imediatamente antes de coalhar naturalmente.

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

Vivendo no telhado do mundo, com oportunidades de comércio limitadas e poucas terras cultiváveis, a criação de animais vem sendo o esteio de muitas comunidades do Himalaia por séculos. De acordo com Mukta Singh Lama Tamang, antropóloga da Universidade de Tribhuvan em Catmandu, os laticínios são uma parte imanente da cultura e do sustento do Himalaia ao longo da história. Mukta diz que o chhurpi foi criado há milhares de anos devido à necessidade de fazer algo produtivo com o leite extra que não podia mais ser consumido ou vendido.

Uma das características únicas do chhurpi é que ele tem um teor de umidade muito baixo. Isso o torna muito difícil de morder, mas também ajuda o queijo a se manter comestível por meses, ou até anos, quando fermentado por seis a 12 meses, seco e armazenado adequadamente em pele de animal.

Nos remotos planaltos do Himalaia, isso tornou o chhurpi particularmente desejável, já que os pastores de iaques podem contar com ele durante longas viagens, bem como transportá-lo e vendê-lo nos mercados. Como a fermentação e a desidratação estendem a vida útil de um alimento, o chhurpi é particularmente adequado para grandes altitudes, onde há poucos suprimentos frescos e outros alimentos ricos em proteínas. O chhurpi macio, antes de ser defumado e seco, é frequentemente usado em curries, sopas e em conserva junto com pepino e rabanete, enquanto a variedade dura é mastigada sozinha como um lanche.

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

A maioria destes pastores são analfabetos e esta é a única maneira de conseguirem sustento, além de dar continuidade a sua cultura ancestral. Quando estive lá em 2019 para pedalar, conheci um desses pastores, chamado Pemba, que me disse que antigamente era bem pior:

- "Não havia estrada, só trilhas, e a gente não tinha como conseguir suprimentos básicos. Tudo o que tínhamos era leite e nada mais", contou Pemba. Assim eles preparavam tudo o que podiam com ele, como chhurpi e manteiga, e levavam as aldeias próximas para trocar por arroz, grãos, óleo e sal.

- "Se alguém precisasse de dinheiro, tinha que ir a um vilarejo maior, para trocar por vegetais, que então eram vendidos na nossa aldeia. Era muito difícil", explicou o homem.

Hoje em dia eles vendem sua produção e apesar de que sejam baratos -um pacotinho com dez cubos de chhurpi custa em torno de 50 rúpias (uns 3,60 reais)- para eles é uma boa grana que ajuda a fazer frente a seu sustento. Mas mesmo com as estradas cortando lentamente os vales montanhosos, a vida ainda é difícil para os pastores. Os iaques são arredios e fujões e como estes homens não têm currais para conter os animais, devem pastoreá-los quase diuturnamente.

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

O cruzamento do gyag com uma vaca foi uma forma que eles encontraram de mesclar o temperamento manso e dócil da vaca com o alto teor de gordura do iaque, mas mesmo as chauris dão trabalho porque os pastores permanecem na região mais alta de boa pastagem com seu gado por vários meses a cada ano, longe da família.

Há um tipo especial de grama que só cresce na altitude entre 3.500 a 4.000 metros, chamado buggi. As chauris não perdem peso no inverno quando comem este pasto e produzem leite mais espesso que tem um gosto melhor quando pastam ali. Por isso não é incomum você encontrar um animal desses soltos pelas estradinhas que cortam o Himalaia.

Em 2019 eu encontrei uma dri loira perdida (foto abaixo) de criação doméstica. Como eu sabia que era um animal doméstico? Primeiro que iaques leucísticos selvagens são uma raridade, porque são enjeitados pelo rebanho, e dificilmente procriam. Quando são criadas por humanos, as dris loiras tem 50% de probabilidade de procriar um bezerro igual a ela. Ademais, alguns poucos quilômetros à frente, um pastor perguntou se eu não tinha visto ela.

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

Estes bovídeos são de vital importância para as populações de montanha. Tudo deles é aproveitado: além do leite, couro e carne saborosa, servem como animais de carga para transpor passos de montanha que nenhum outro animal poderia, dado a sua farta pelagem e a uma substância gordurosa que segregam na pele. Também trabalham em arados e seu esterco serve como combustível.

chhurpi não é apenas orgânico, produzido com o melhor leite de chauri, que se alimenta exclusivamente de ervas e grama nas altas regiões do Himalaia, mas também é considerado bastante saudável e nutritivo por causa de seu baixíssimo teor de gordura e alto valor protéico. E nenhum conservante ou aditivo é necessário ao seguir o antigo método de preparação que foi aperfeiçoado ao longo dos séculos.

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

Depois que a nata é removida, o leite é fervido e misturado com soro do leite previamente coalhado ou com nacos desidratados do estômago de bezerros, que contém a quimosina que tem a propriedade de coagular o leite. A coalhada se forma quase que instantaneamente, coagulando e se separando do líquido claro do soro. A massa cremosa é então coada com sacos de algodão ou juta, e a massa resultante é prensada em blocos sob grandes pedras ou outros pesos durante 24 horas para retirar o excesso de água.

Esses blocos sólidos de queijo são deixados para fermentar por alguns dias antes de serem cortados em cubos retangulares que são desidratados à sombra e defumados sobre o fogo, dando ao chhurpi seu sabor e textura distintos. O chhurpi devidamente curado permanecerá comestível sem mofar por até 20 anos. No entanto, quanto mais tempo ele é curado, mais seco e duro fica. Mas de acordo com Pemba, o chhurpi tem um gosto melhor quando é ingerido nos primeiros cinco a seis meses.


ATENÇÃO O VÍDEO ABAIXO TEM TRADUÇÃO EM PORTUGUÊS, VEJA COMO TRADUZIR




A nata resultante, sobretudo das dris é então batida de forma meticulosa. O processo trabalhoso envolve regar a nata com a água gelada e prensá-la com uma espátula na borda de uma bacia até que solte todo o líquido, uma e outra vez, até separar todo o soro da gordura, quando adquirir sua cor amarela característica. Uma vez batido, o creme vai ao fogo até alcançar 75 ºC, durante 10 minutos e, em seguida, resfriado à uma temperatura, de preferência menor que 18 ºC.

Esta pasteurização destrói microrganismos patogênicos e aqueles responsáveis pela decomposição que deixam a manteiga rançosa, além de diminuir a acidez, melhorar a qualidade e aumentar a conservação da manteiga. A seguinte foto é uma visão comum nas ruas de Catmandu, onde tudo leva manteiga, inclusive um chá-preto chamado cha po.

Chhurpi, o queijo mais duro do mundo, intrínseco ao sustento dos povos do Himalaia

chhurpi fresco tem gosto semelhante ao queijo frescal mineiro, mas quanto mais duro fica, mais sabor perde. O chhurpi duro leva de minutos a horas para amolecer, quando passa a ter o gosto de um sólido leitoso denso com sabor defumado à medida que se dissolve lentamente.

O queijo mais duro do mundo, reconhecidamente, não é para todos os gostos. Eu comprei dois pacotinhos e um deles acabei trazendo para casa. Está lá na despensa, daqui a 18 anos eu jogo fora.



www.mdig.com.br

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