ESPAÇO AGECAL - Artigo de Jorge Queiroz publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul de outubro
"O tempo passado nunca é absolutamente passado e por vezes o presente está mais próximo do passado que do futuro”.
Fernand Braudel
Em muitos lugares encontramos testemunhos de um passado recente, o mundo camponês e marítimo que desaparece alterado nos seus princípios de vida colectiva e valores milenares.
Muitos interpretam esse património herdado como atraso ou pobreza, sem entender a sabedoria que guarda, transmitida por gerações que viveram ao longo de séculos no multifacetado espaço geocultural mediterrânico, da Grande Grécia à Ibéria Atlântica.
O mar é, desde os primórdios, elemento central dessa cultura de viagens e comércio, que levou milhões de pessoas a partirem, com o pensamento no regresso à terra e à casa.
A base da agricultura foi a escolha das boas sementes, partilhadas com os vizinhos, permitiram combater fomes cíclicas e alimentar as famílias, ter os cereais armazenados junto às casas. Perto destas sempre as hortas e os pomares, os animais domésticos, os poços e fornos comunitários, nas montanhas estavam os rebanhos.
Duas produções emergiram com esplendor no mundo mediterrânico: o vinho e o azeite. Grécia e Roma espalharam-nas pelas margens do “grande lago”, usadas para consumo alimentar, fins simbólico-religiosos, medicinais, sanitários e utilitários.
A casa e a mesa foram o centro da aprendizagem e transmissão de valores sociais.
Em Portugal a casa é uma das evidencias da diversidade do País, numa síntese Orlando Ribeiro subdividiu o território em duas “civilizações”, do granito a norte e do barro a sul, contudo, no que se refere à habitação, existem diferentes tipologias e características.
A casa do Sul é muito mais que uma arquitectura de linhas equilibradas e volumes harmoniosos, é um manancial de sabedoria e soluções para problemas vitais: o sol e os ventos dominantes, amplitudes térmicas e climatização, aproveitamento das águas pluviais, higiene com o uso da cal, alimentos acessíveis para a família alargada.
A terra foi o material construtivo mais utilizado na habitação do sul, sendo obtida no local permitia economias significativas e autonomia nas decisões. Com a terra se construíram alguns dos monumentos mais visitados, que resistiram ao tempo.
A arquitectura da terra faz uso das técnicas da “taipa”, com cofragem em madeira e terra compactada, do “adobe” feito de blocos de argila e areia, moldados e secos, do “tabique” que resulta da aplicação de terra sobre madeira e cana. Barato e ecológico…
O Algarve é uma região rica na organização dos espaços e nas tipologias construtivas, casas térreas pequenas e de duas águas, habitações enriquecidas com chaminés, platibandas decoradas, terraços para secagem de roupas e alimentos (figos, peixes, polvos, …), “montes” nas zonas serranas aproveitando o xisto, casas urbanas de maiores dimensões com quatro águas e vários pisos, entre outras.
Será possível aproveitar esta sabedoria ancestral para revalorizar a região?
Sim, com o estudo da história cultural, reordenamento territorial e estímulos demográficos, investigação aplicada a novos projectos de bairros, de habitações familiares e de espaços públicos, com paisagens preservadas num território vivo, produções ambientalmente adequadas para mercados de proximidade.
Contemporaneidade evoluída e culta, respeitadora do Ambiente e da História.
Conter as alterações climáticas é também aproveitar o saber incorporado na casa do sul.
JORGE QUEIROZ,
Sociólogo. Sócio da AGECAL
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