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Antes de começar a narrar os factos, convém deixar claro o que é um tribunal arbitral: são três pessoas, uma nomeada pelo Estado, outra nomeada pela concessionária privada e uma terceira escolhida por consenso entre as duas primeiras. Ou seja, não é um Tribunal. É um respeitável método de resolver conflitos entre as partes, promovendo o aproximar de posições. Agora, quando se trata de decidir sobre a transferência de dezenas de milhões de euros dos cofres do Estado para os bolsos privados, este método é completamente desadequado, e tem permitido aos concessionários privados um autêntico saque dos dinheiros públicos. O simples facto de a comunicação social sistematicamente noticiar as decisões destes «tribunais» como se de um Tribunal se tratasse já revela um posicionamento de classe.
No caso do processo da PPP do Algarve Litoral, a coisa ainda é mais grave. É que tudo resulta do Tribunal de Contas ter recusado o visto a uma outra negociata entre o Estado e o concessionário privado. Como o Estado se «atreveu» a executar a decisão do Tribunal de Contas (mas havia alguma outra alternativa?), a concessionária privada exigiu ser indemnizada pelo facto de o Tribunal de Contas ter declarado ilegal e abusivo o seu benefício na alteração de contrato. E reclama algo como 445 milhões de euros, a que acrescem os 43 milhões que os «bancos financiadores» também reclamaram. Diga-se de passagem que esta recusa de visto até deveria ter acontecido em mais contratos de renegociações de PPP, pois todos eles, no essencial, reduziram encargos dos privados e aumentaram as responsabilidades financeiras públicas.
Repito: pelo facto de o Tribunal de Contas, um órgão da República, com as suas competências estipuladas na Constituição, ter declarado abusiva e ilegal uma alteração de contrato entre o Estado e os privados, estes reclamam do Estado... uma indemnização de 487 milhões de euros!!!
E quem acham estas criaturas que deve decidir da justeza ou não desta reclamação? Um tribunal arbitral. O mesmo tribunal arbitral que já condenou – cautelarmente – a Infraestruturas de Portugal (IP) a pagar 33,5 milhões de euros aos concessionários privados, acrescidos de 1,5 milhões por mês.
E entretanto a Estrada Nacional 125 degrada-se, as obras não se fazem e a IP gasta rios de dinheiro em firmas de advogados para a defenderem em processos nos Tribunais (nos verdadeiros), que muitas vezes se revelam impotentes para defender o interesse público, pois os «tribunais» arbitrais estão previstos nos contratos de concessão. E a base legal destes pagamentos não é a legalidade da reclamação mas o facto de o contrato de concessão atribuir ao «tribunal» arbitral a capacidade de decidir da validade dos pedidos das concessionárias privadas. Ou seja, passa a ser legal uma reclamação sem fundamento nem qualquer base legal. Brilhante! E chamam a isto justiça!
Já há uma proposta de lei – do PCP – para proibir o Estado de colocar nos seus contratos com privados o recurso a tribunais arbitrais. E uma outra – também do PCP – para proibir o Estado de recorrer a PPP para a execução das obras públicas. Mas PS/PSD/PP/IL/CH são a muralha que defende o grande capital monopolista na Assembleia da República e têm chumbado todas estas propostas. E é por isso que apesar de tanta gente continuar a fingir estar preocupada com a corrupção, esta continua a grassar, e a esbulhar o erário público em milhares de milhões de euros por ano.
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