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sábado, 24 de outubro de 2020

Associação MÔÇES quer integrar grupos de risco pelo artesanato

 



Associação MÔÇES, fundada a 1 de setembro, por dois jovens com uma visão singular, quer incentivar a inclusão de jovens em risco no mercado de trabalho. Iniciativa será alargada a outros grupos socialmente vulneráveis.

Nasceram ambos em Lisboa, mas com pouco mais de 10 anos vieram viver para o Algarve. Maria Lopes veio para a cidade de Faro e Mário Silva para Vilamoura.

Regressaram à capital, onde se conheceram, com pouco mais de 16 anos, para prosseguirem os seus estudos. Apesar de ambos já estarem a trabalhar, decidiram largar os seus empregos para viajar até à América do Sul para conhecerem outras realidades. Com a pandemia, tiveram de regressar a Portugal.

No entanto, foi durante a viagem que quiseram alterar o modo de vida e voltar a viver numa grande cidade não era mais opção. «Já não nos fazia sentido», conta Maria Lopes, 26 anos, ao barlavento.

Aprenderam a valorizar as coisas mais pequenas, a terra e os saberes ancestrais. Ambos começaram a fazer croché no Brasil e foi aí que surgiu a ideia, que só fazia sentido começar a ser posta em prática na região algarvia, à qual ambos «sempre nutriram um carinho especial», nas palavras da jovem.




«Começámos a perceber que há um potencial gigante na nossa cultura. Há imensos saberes que se estão a perder com o tempo. Iniciámos no croché e temos estudado outras coisas como a empreita, cerâmica, latoaria e bordados. A nossa intenção foi pegar nisso, modernizar e dar um toque contemporâneo às peças. Por outro lado, integrar outros jovens, que estão um pouco fora do circulo social e económico e ensinar-lhes essas técnicas através de pessoas que têm esses conhecimentos enraizados.

No fim, produzir algo de novo. É isso que estamos a começar a construir», explica Mário Silva, de 30 anos, licenciado em Gestão.

Nasceu assim, no dia 1 de setembro, a Associação MÔÇES, com sede em Santa Bárbara de Nexe, concelho de Faro.

De acordo com Maria Lopes tudo se sucedeu devido à vontade «de proteger comunidades, recursos estilísticos e expressões artísticas artesanais que fazem parte do ADN cultural do nosso país e se encontram em vias de extinção.

A associação tem como objetivo a redefinição destas técnicas, investindo num ritual de passagem de conhecimentos».

Passagem essa através da promoção de atividades artísticas, em parceria com entidades locais, tendo como público-alvo jovens em situação de risco, de exclusão social ou de vulnerabilidade financeira.

O primeiro projeto da MÔÇES, denominado piloto, segue essas mesmas diretrizes e está a ser desenvolvido, desde o mês de agosto, com uma comunidade cigana em Boliqueime.



«Desde o início que estamos a ser acompanhados e apoiados pela incubadora social da Fundação António Aleixo, a Casulo. A Fundação tem várias iniciativas, incluindo o projeto Caminhos 2 e foram eles que nos levaram à comunidade. A recepção foi tão boa que foi perfeito para ser o primeiro programa da associação, explica a jovem. Dentro da comunidade cigana, o foco do casal são as mulheres e a técnica escolhida é o croché.

Porquê? Maria responde: «fomos muito bem recebidos. A matriarca foi a primeira a chegar-se à frente e a falar connosco. Como ela já tinha feito croché, achou que era bom para as miúdas aprenderem essa técnica que se está a perder».

Há mais de um mês que o casal de jovens, duas vezes por semana, se desloca a Boliqueime para trabalhar com um grupo de cinco mulheres, entre os 19 e os 50 anos.

«Tem corrido muito bem, sempre com o apoio da matriarca. As que no início torceram mais o nariz são as que hoje são mais perfeitas».

Ainda segundo Lopes, tem sido um projeto muito gratificante. «Cada uma vai fazendo um quadrado e no fim vamos juntá-los todos para criar uma manta. O croché é uma arte muito à volta de uma mesa, então cada uma vai fazendo a sua peça e vai-se conversando. Algumas ainda estão um pouco atrás e vamos parando e ajudando. Depois temos as crianças todas à volta a quererem fazer também. Ensinámos-lhes a fazer pompons para eles se distraírem». E como o feedback não poderia estar a ser mais positivo, a comunidade faz planos de continuar com o trabalho.



«Já nos disseram que querem fazer cortinas e coisas para a cozinha. Elas estão muito entusiasmadas e por isso vamos leiloar a manta que elas fizerem. O objetivo é que o dinheiro reverta para a compra de mais materiais como agulhas, linhas e gráficos», revela.

Mário Silva acrescenta: «dizem-nos que se sentem mais calmas e percebemos isso. A tranquilidade e a concentração delas é muito maior agora em comparação com o início. Mudou de forma radical».

E é essa uma das razões que motiva o casal a querer expandir o objetivo da associação, ao juntar a cultura artesanal com a terapia.

«Não temos bases em psicologia, psiquiatria ou terapia, mas qualquer pessoa consegue ver a mudança delas. Para mim ainda é difícil concentrar-me a fazer croché com as crianças ali à volta, mas elas estão habituadas e a concentração é muito superior. É por isso que queremos associar este trabalho a um fim terapêutico», refere Maria.

«Ou seja, gostávamos que trouxesse algum benefício terapêutico ao grupo com que estivermos a trabalhar. Por exemplo, se trabalharmos com jovens autistas gostávamos de juntar alguém com estudos clínicos para nos ajudar a perceber qual a arte que pode ser mais benéfica para esse caso, seja pintura, olaria, etc», detalha Mário Silva.

E quanto às peças finais, como a manta, podem ter também inúmeros fins, consoante o grupo em questão.

«No caso da comunidade, o valor que conseguirmos no leilão será para materiais porque elas pediram, mas se nos dissessem que precisavam de fraldas ou de leite para as crianças, seria para esse fim que reverteriam os lucros», explicita Lopes.



Para o futuro, as ideias também são claras. Os grupos com que querem trabalhar passam por vítimas de violência doméstica, ex-presidiários, ex-toxicodependentes, jovens com défice de atenção, entre outros. Sendo que a base pode ser qualquer arte: sabonetaria, reciclagem, pintura, olaria, cerâmica, bordados, ou latoaria. Mas uma vez que o casal não é especialista em todas as técnicas, a intenção é ter o apoio de artistas nacionais especializados em cada uma das áreas.

A juntar a isto, a associação pretende ainda realizar alguns eventos regionais. Segundo a jovem, a primeira ideia seria fazer um mercado de técnicas artesanais e uma feira onde os jovens pudessem mostrar os seus trabalhos pessoais e dar-lhes a possibilidade de venderem as suas peças».

Mário Silva vai ainda mais longe: «a intenção no futuro poderá passar por levar isto a outras zonas do país.

Para já é no Algarve e ainda temos muito trabalho a fazer, mas gostávamos de replicar o modelo noutras regiões do país porque em todas há artes que se estão a perder com o tempo».

Porquê MÔÇES?

Maria Lopes e Mário Silva fundaram a Associação MÔÇES, sediada em Santa Bárbara de Nexe, concelho de Faro. Questionados pelo barlavento sobre o porquê do nome escolhido, a resposta é simples.

«É uma palavra que se usa para descrever os jovens no Algarve. O nosso trabalho é precisamente com jovens de risco e não só, e toda a região, mas principalmente no interior. Escolhemos os jovens de risco porque são quem tem mais carência a nível de ensino, inclusão social, económica e cultural. Além disso, quisemos que fosse uma palavra que não definisse nenhum género em específico, que englobasse tudo e todos».

«Água na Boca» já chegou a Estocolmo

Em paralelo com a Associação MÔÇES, Maria Lopes e Mário Silva criaram, em julho, uma marca bem portuguesa, a «Água na Boca». Como ambos aprenderam a fazer croché na viagem que fizeram à América do Sul, acharam por bem materializar os seus conhecimentos.

A primeira coleção de verão foi de biquínis produzidos com croché. A base foi feita pelo casal, com a ajuda das mães e as flores foram preparadas por umas avós. «Uma marca que começou a ser feita por três gerações», afirma Lopes.



Agora, o casal prepara-se para lançar a coleção de outono, que em nada se assemelha à anterior. «Trata-se de uma marca que vai buscar várias técnicas ancestrais. Começámos com o croché, mas a ideia é fazer outras peças. Estamos a começar a trabalhar com fruta desidratada e flora algarvia para fazer bijuteria com resina. É tudo feito por nós os dois. Vamos trabalhar ainda com peças em madeira. Vai ser tudo com materiais sustentáveis, recicláveis e sempre alusivos à região. Queremos que esta seja a ideia para continuar», acrescenta a jovem.



A marca funciona por encomendas e pode ser encontrada através das redes sociais. As peças começam nos 40 euros e parecem estar a ter um retorno bastante positivo. Há encomendas enviadas para Espanha, Estocolmo, muitos portugueses, mas também muitos imigrantes


www.barlavento.pt

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