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As filhas de Nicolau e Alexandra |
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O último baile dos Romanov (1917) |
Gustavo Spolidoro*
Aleksandr Sokuróv, diretor de Arca Russa não me parece uma pessoa normal. Faz um filme em um único plano-sequência de 97 minutos, nos dias da edição videoclipesca, porém com uma câmera digital. Faz um filme de arte, com arte e também sobre arte – o filme se passa todo no Museu Hermitage, em São Petersburgo, Rússia – porém com produção alemã, pois no país dele não houve e não há respaldo a seu trabalho, basta ver a frase que abre este artigo e o fato de que o filme não havia estreado na Rússia quase um anós após sua estreia na Europa.
Arca Russa, em pouco mais de uma hora e meia, transita por entre 35 salões, salinhas e corredores de um dos principais museus do mundo, o Hermitage, utilizando-se de quase 3 mil figurantes e contando parte de 300 anos da Rússia. No filme, encontramos Pedro, o Grande, Catarina, a Grande, Catarina II, Nicolau e Alexandra Romanov e também a princesa Boris, que dirigiu a casa por 34 anos.
Algumas considerações sobre o Hermitage: a casa guarda mais de 3 milhões de obras dos séculos XVIII e XIX em seu acervo, mas só consegue mostrar 5% delas. O lote inclui a segunda maior coleção de Rembrandt do mundo, além de vastas coleções de arte flamenca, pintura impressionista mobiliários de valor incalculável e até uma grandiosa frota de carruagens douradas.
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As escadarias esplendorosas |
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Pedro, o Grande |
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O último baile |
Sokúrov, pelas mãos, olhos e câmera de Tilman Bütnner, diretor de fotografia, explora tudo isso com precisão, saudosismo e magnitude, entre bailes do século XIX, reuniões burocráticas dos antigos czares, peças de teatro promovidas por Catarina II, até momentos de decadência, como o cerco a Leningrado, que vitimou mais de um milhão de pessoas na II Guerra, mas que não permitiu a pilhagem do Hermitage. Sokúrov olha para esse cenário com orgulho. Seus personagens principais, o alter ego que conduz a câmera de forma subjetiva e de quem só ouvidos a voz, e o diplomata do século 19 chamado apenas de Europeu, nos guiam pelo palácio em diálogos que demonstram o orgulho do diretor para com seu passado, versus a incongruência de governos severos apontada e questionada em alguns casos pelo Europeu e repelida pelo alter ego.
Mas não podemos fechar os olhos para uma visão que se detém nos grandes acontecimentos do palácio, nos seus czares, bailes grandiosos, obras de arte e riquezas, mas que se esquece da existência de uma Rússia fora do palácio.
Sokúrov não foi o primeiro a fazer um longa em um único plano-sequência. Hitchcock em Festim Diabólico já havia ditado as regras, porém tendo de buscar cortes às escondidas, devido à impossibilidade de rodar tudo em um único plano, por causa do tamanho do filme. Mais recentemente, Mike Figgis apresentou seu Time Code, com uma tela dividida em quatro, em que quatro planos-sequência acontecem simultaneamente e em determinados momentos se intercalam. Porém, a magnitude da obra de Sokúrov, a coordenação de milhares de figurantes e atores, os sete meses de ensaios, a viagem nostálgica que faz no filme , a força de cenas complexas como o último baile da família Romanov, em 1917, a aula de história e arte e a criatividade do diretor colocam Arca Russa como um marco na produção cinematográfica mundial.
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Catarina II* passeando pelos jardins!
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Durante o cerco a Leningrado, hoje São Petersburgo, que durou 900 dias parte das preciosidades do Museu puderam ser evacuadas |
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As pessoas congelavam com o frio de -30ºC, sem ter o que comer, morriam 1000 pessoas de fome por dia nos piores dias do cerco |
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O cerco só afrouxou quando o Lago Ladoga congelou e permitiu a chegada de caminhões com alimentos. Mesmo assim muitos afundaram no gelo e outros tantos foram alvo da artilharia ou da Luftwaffe |
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Os danos ao Museu foram pequenos se comparados ao sofrimento da população de Leningrado, hoje São Petersburgo que comiam 200g de pão (pão?) por dia. Muitos casos de canibalismo foram relatados!
O CERCO: o exército nazista, que invadiu a União Soviética em 22 de junho de 1941, fechou o cerco em torno de Leningrado em 8 de setembro do mesmo ano e o manteve durante 900 dias e noites, até que o Exército Vermelho conseguiu rompê-lo em 27 de janeiro de 1944. Foram três invernos russos sem comida, calefação, combustível. No último inverno as temperaturas oscilavam entre 30 - 40 graus negativos!
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* Diretor de cinema, realizador dos curtas Velinhas (1998) e Outros (2000), ambos em um único plano-sequência.
Reportagem do Caderno de Cultura da Zero Hora
5 de abril de 2003.
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