O fogo, que aterrorizou os lisboetas, destruiu um dos mais luxuosos palácios da Capital e afetou vários outros edifícios e estabelecimentos comerciais na zona mais elegante da cidade.
Não foi o primeiro e também, como bem sabemos, não seria o último. Um século antes do grande sinistro de agosto de 1988, que ainda está tristemente marcado na memória de muitos, o Chiado sofreu o que foi considerado o maior incêndio de sempre até àquele momento. No dia 14 de novembro de 1889 um dos maiores e mais luxuosos palácios da Capital ficou totalmente destruído e, com ele, outros edifícios que lhe eram próximos, na rua Garret, sofreram avultados danos.
Tudo começou às cinco horas da tarde - curiosamente, a tragédia de 1988 teve início às 5 horas da manhã - com uma fuga de gás na fabulosa loja de vidros e espelhos dos irmãos Barella, no piso térreo. Aí, quando se acendia um candeeiro, deu-se uma tremenda explosão que projetou pelos ares muito do conteúdo do faustoso estabelecimento, bem como um dos seus proprietários, que ficou gravemente ferido.
O estrondo ouviu-se em toda a cidade e lançou o alarme. Muitos pensaram tratar-se de um tremor de terra ou de um disparo de canhão, mas as chamas, que em pouco tempo tomaram conta do edifício que ocupava os números 68 a 74, não deixaram margem para dúvidas.
Os sinos das igrejas tocaram a rebate. Os bombeiros acorreram de vários locais e rapidamente, mas as labaredas, que iluminavam tudo em volta, foram ainda mais céleres.
O coração da cidade estava a arder e o espetáculo era medonho, atraindo centenas de mirones, apesar do medo e dos rolos de fumo espesso e sufocante.
Também El rei D. Carlos ali esteve, inteirando-se da situação e o irmão, D. Afonso, comandante honorário dos bombeiros da Ajuda, compareceu fardado, com a bomba de combate daquela corporação.
Entre as cinco da tarde e as 11 da noite, não houve descanso, mas conseguiu-se reduzir os estragos a uma mão cheia de imóveis, ocupados maioritariamente por comércio, ou não fosse o Chiado uma das mais movimentadas e elegantes zonas da Capital
Do palácio onde havia vivido o Marquês de Nisa, e que então pertencia a D. Francisco de Almeida, restaram apenas as paredes exteriores, tendo desabado a abóbada existente entre a sobreloja e o primeiro andar. Aí, os irmãos Barella perderam sua magnifica casa onde tudo começou, mas também a sua habitação, no 2º piso, como aliás, tinham perdido, alguns anos antes, o espaço onde habitavam, na rua do Crucifixo, num outro incêndio que matou dois elementos da família.
Desapareceram para sempre as belas madeiras do brasil e os tetos vistosos pintados pelo conhecido Domingos Sequeira, bem como o rico mobiliário e aparatosa decoração presentes no 1º piso, que havia pouco tempo acolhia o exclusivo e aristocrático Turf Club.
Com danos, mas recuperáveis, ficou a sede do jornal O Dia, paredes meias com o palácio. Casos também das luvarias Benard e de Adolfo Malbomisson; os armazéns de modas de Carvalho e Cª, Arsénio e Cª; a chapelaria de Augusto Ribeiro e o estabelecimento de máquinas e relógios de Carlos Silva, entre outros.
Três pontos positivos em tanta destruição: dada a localização, as consequências do incêndio poderiam ter sido bem mais trágicas, como aliás foram em 1988. Apesar dos feridos, não houve mortos diretos a registar e, dias após o sinistro, os proprietários já haviam recebido os valores a que tinham direito das companhias de seguros, algo difícil de imaginar nos dias que correm.
O Bazar Suisso, dos irmãos Barella, reabriria em 25 de abril de 1891 e manteve a sua atividade mais 20 anos, tendo encerrado na alvorada da República.
À margem
O Turf Club de Lisboa era ( e ainda é), a par do Real Clube Tauromáquico Português, um espaço onde só uma certa elite de homens tinha o privilégio de entrar. O “Turf” mantém a exclusividade e a aura de inacessibilidade de então. Os sócios são-no por hereditariedade ou por serem apadrinhados por outros sócios. Nascidos para agregar e defender determinados grupos e interesses – os descendentes de casas nobres, face ao liberalismo e às ideias republicanas - estes são espaços onde os cavalheiros se reúnem com os seus pares, para confraternizar, mas também para fazer lobby e debater questões profissionais.
O “Turf” permanece no Chiado e a decoração do espaço continua tão elegante e tradicional como a destruída pelo incêndio, como que congelada no tempo. Afinal, a qualidade não passa de moda…
Sinal dos tempos, no entanto, é a realidade trazida pelas redes sociais, que atualmente tudo dominam e acabam por derrubar algum secretismo associado a este local, pois alguns convivas mais indiscretos não se coíbem de publicar fotografias – antes totalmente impensáveis - onde se veem homens e mulheres (!) em festas, nos salões do clube.
Também no Chiado e igualmente num edifício notável – o palácio Loures – há outra instituição antiga e exclusiva, mas mais aberta, à qual se deve uma intensa atividade cultural, de divulgação literária, mas também de outras artes: o Grémio Literário.
Foi ali que, em 1912, se promoveu a primeira exposição “modernista” portuguesa, que deu a conhecer trabalhos de um dos nossos mais completos e significativos artistas do século XX, Almada Negreiros.
Mas isso é outra história…
Fontes
BiBlioteca Nacional em linha
Diário Illustrado
18º ano; nº5968 – 15 nov 1889
18º ano; nº5969 – 16 nov 1889
18º ano; nº5970 – 17 nov 1889
Hemeroteca Digital de Lisboa
Hemeroteca Digital (cm-lisboa.pt)
O Occidente
12º ano; volume XII, nº393 – 21 nov. 1889
12º ano; volume XII, nº394 – 1 dez. 1889
A Illustração Portugueza
5º ano; nº15 – 2 dez 1889
Materiais e Técnicas da Pintura a Óleo em Portugal (1836-1914): Estudo das fontes documentais Volume II, Dissertação para obtenção do Grau de Doutor em Conservação e Restauro do Património Especialidade em Teoria, História e Técnicas, de Ângela Sofia Alves Ferraz, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa – 2007. Disponível em: RUN: Materiais e Técnicas da Pintura a Óleo em Portugal (1836-1914): Estudo das fontes documentais (unl.pt)
Jornal Público
For members only!; texto de Margarida Cardoso de Meneses – 30 jul 2001. Disponível aqui: For members only! | PÚBLICO (publico.pt)
Grémio Literário (gremioliterario.pt
Imagens
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000239
Joshua Benoliel
Eduardo Alexandre Cunha
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/002620
Alberto Carlos Lima
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LIM/001625
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LIM/001100
Casa Fotográfica Garcia Nunes
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/NUN/001767
osaldahistoria.blogs.sapo.pt
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