Creme de legumes, coxinhas de frango, fruta da época. No menu do refeitório não existe preçário. A cantina recebe quem mais precisa: crianças, jovens ou idosos reúnem-se à mesa sem olhar a diferenças ou a números. Num lugar em tempos afamado por histórias de delinquência juvenil, sobram hoje os laços de união e solidariedade entre vizinhos. E há novos inquilinos a chegar, estudantes universitários e associações que dinamizam a vida local. Estamos no maior aglomerado de habitação social de Aveiro, o Bairro Santiago, onde o amarelo descascado dos 22 blocos é apenas a fachada de um bem maior: o sentido de comunidade.
Em tempos de pandemia — e após quase um ano e meio de isolamento social —, as relações entre vizinhos e a solidariedade assumem uma importância fulcral no regresso a uma possível normalidade.
O país enfrenta novos desafios estruturais provocados pela covid-19, com mais uma crise económica no horizonte.
É por isso que fortalecer os laços familiares, de vizinhança e de solidariedade será o melhor ponto de partida da recuperação económica, mas também emocional e das relações sociais.
Um exemplo feliz? O Bairro Santiago e as Florinhas do Vouga, uma IPSS que dá respostas aos desafios mais prementes das famílias que ali vivem.
“São a grande organização do bairro”, diz ao Expresso o professor universitário José Carlos Mota. Entre várias respostas sociais, a instituição “dispõe de um centro comunitário, serviços de apoio ao domicílio, centro de dia, equipas de intervenção direta”.
Há muito tempo envolvido em projetos do bairro, o também diretor de mestrado em Planeamento Regional e Urbano da Universidade de Aveiro foi um dos mentores do Laboratório Cívico de Santiago, projeto que ao longo de três meses diagnosticou problemas e potencialidades do bairro, numa lógica comunitária de aproximação entre vizinhos.
Vizinhos diferentes
Numa das ruas do bairro, os caixotes do lixo foram adornados com novas plantas à volta. Não muito longe, António Oliveira, de 66 anos, vai tirando as ervas daninhas dos vasos que ocupam o passeio em frente à sua casa. E é com esta imagem que baseia a sua ideia para o bairro: cuidar, preservar. Enquanto se curva para remexer a terra, diz: “Faço isto porque gosto de ver os jardins arranjados. Tirei terra do meu jardim, que fica nas traseiras do apartamento, para melhorar os vasos que a Câmara Municipal instalou. E plantei também junto aos contentores do lixo.”
O ex-motorista de pesados vive no bairro há 30 anos, num T3 que chegou a estar ocupado pela família inteira. “Hoje sou só eu e a minha mulher.”
Os espaços verdes são um ponto de encontro do bairro, não apenas do Santiago, embora aqui isso seja bem visível. “Ninguém me pede para fazer estes arranjos, tirei terra do meu jardim e dei um jeito aos jardins públicos. Fui criado na lavoura”, diz António Oliveira.
A chegada dos estudantes universitários, que procuram quartos para arrendar, foi também um lufada de ar fresco na vida desta comunidade, feita de diferentes origens e muitas misturas. “O bairro agora é unido, antigamente não.
Hoje temos estudantes, pessoas diferentes, e tudo isso dá uma vida a este lugar”, diz António Oliveira, sempre à volta do vaso.
Sentado ao sol num dos cafés da principal artéria, Talibe Jaló, de 30 anos, relata como o bairro foi mudando desde que aqui chegou, com 13 anos. “Isto já não é um bairro social, é uma cidade universitária”, reconhece, recordando os tempos mais agitados de Santiago. Para Jaló, a integração de pessoas de diferentes origens é uma boa ideia para melhorar os bairros: “Antigamente, Santiago tinha má fama. Hoje já não vemos aqueles miúdos sentados no passeio à espera de alguma confusão. A comunidade juntou-se, temos uma grande união entre portugueses, cabo-verdianos, angolanos e guineenses.”
Esta mistura é bem visível num simples passeio pelas ruas do bairro. Há jovens a passear, idosos à janela, pessoas numa esplanada ao fim do almoço.
Se Talibe Jaló viajou da Guiné-Bissau diretamente para Aveiro, Maria dos Anjos, de 74 anos, já perdeu a conta ao tempo. “Vivo cá desde 1980. Cheguei na ponte área, vinda de África, sem nada”, recorda. Esperava-a um bairro em construção e um familiar que tratou de lhe “arranjar um espacinho”. “Abri um restaurante, o Careca, que se tornou uma referência e ponto de encontro do bairro. Foi um primo do meu marido que nos ajudou.
Quando cheguei, praticamente não havia casas.” Durante anos, Maria viveu e trabalhou no mesmo espaço: tinha o restaurante no piso térreo e um quarto e casa de banho no primeiro andar. Hoje, reformada, é das pessoas mais participativas nas atividades do bairro.
A sua ideia para Santiago inclui o regresso da programação cultural: “Temos um anfiteatro ao ar livre. Antes da pandemia havia muita programação, espetáculos e animação cultural, juntava-se sempre muita gente.”
No café Cantinho de Santiago, de Raquel Gonçalves, de 36 anos, o sentimento de pertença sente-se pela forma como se tornou um ponto de encontro. “As pessoas já sentem muita falta de sair à rua. Santiago era o bairro dos índios, hoje temos muita gente diferente. Assisti a muitas melhorias no bairro, quem fazia asneiras saiu.
O bairro agora é acolhedor.”
O que é o “Bairro Feliz”
O projeto
Programa Tem como objetivo incentivar a mobilização de vizinhos e comunidades para lançarem ideias para tornar o seu bairro mais feliz. Enquadrado na política de responsabilidade social do Pingo Doce, pretende ser uma forma de fortalecer vínculos e relações mais próximas entre moradores dos bairros, através de causas comuns. No final do programa serão os membros destas comunidades a eleger uma deia por cada loja, que será apoiada até €1000
Os prazos
Último dia As causas e ideias podem ser inscritas até 1 de julho
Os requisitos
Inscrições As candidaturas estão abertas a grupos de cinco ou mais vizinhos ou a qualquer outra entidade, como associações, instituições privadas de solidariedade social, fundações, cooperativas, entidades públicas ou privadas
As áreas
Ideias Cada comunidade deverá apresentar ideias que se enquadrem nas áreas definidas no programa “Bairro Feliz”: Saúde, Bem-Estar e Desporto, Apoio Social e Cidadania, Cultura e Património, Turismo e Lazer, Educação e Ambiente e Causa Animal
As avaliações
Votação A avaliação por parte do júri ocorrerá entre 6 de julho e 17 de setembro. Já a votação nas lojas estará aberta entre 28 de setembro e 2 de novembro. No dia 3 de novembro serão apresentadas as causas vencedoras e feita a entrega do donativo
Como se candidatar
Concorrer As inscrições deverão ser feitas AQUI
Textos originalmente publicados no Expresso de 21 de maio de 2021
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