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quinta-feira, 27 de maio de 2021

Sobre o Golpe na Jordânia. EUA e sauditas suspeitos de tentar derrubar o Rei Abdullah II





 www.rtp.pt 


O mundo ocidental foi surpreendido a 3 de abril de 2021 com notícias de que Hamzah bin Hussein, meio-irmão do Rei da Jordânia, havia sido colocado sob prisão-domiciliária, acusado de sedição e de tentar depor Abdullah II. Dezoito outras pessoas haviam sido igualmente presas, sob a mesma suspeita.


O jornal britânico The Guardian avança agora com diversos testemunhos sob anonimato, para desvendar um plano muito mais vasto, orquestrado entre a Casa Branca e os palácios de Riade, de traição a um dos seus mais velhos aliados na região. Na mira das acusações estão o ex-Presidente Donald Trump, o seu genro, Jared Kushner, e o Príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman, conhecido como MBS.

Abdullah II perdoou entretanto a 16 dos alegados envolvidos, após vários apelos por clemência, e o castigo de Hamzah foi resolvido dentro de portas palacianas. O Rei considerou contudo necessário julgar dois dos alegados coconspiradores devido aos seus cargos e responsabilidades.

São eles Bassem Awadallah, antigo juiz do Tribunal Real Hashemita, e Sharif Hassan bin Zaid, um primo do monarca. Guardian aponta o primeiro como a provável ligação dos sauditas para fazer avançar o plano, pois ter-se-ia aproximado destes enquanto ministro das Finanças da Jordânia e depois como enviado a Riade.

O julgamento de ambos deverá começar dentro de dias em Amman, e os procuradores irão desfiar gravações de telefonemas, mensagens intercetadas e registos de conversas, para provar as acusações.

A mão e a Justiça do Rei poderão contudo nunca alcançar os verdadeiros mandantes do golpe, de acordo com as revelações do Guardian.

O "Acordo do Século"
O jornal britânico refere que, na segunda semana de março, o Diretório Geral para as Informações, GID, o serviço secreto jordano, foi contactado por uma embaixada norte-americana a pedir um encontro urgente sobre um assunto de importância nacional. Foi-lhes dito que algo perigoso estava a desenvolver-se internamente e que em breve poderia ameaçar o trono. Em poucas horas, todos os recursos do GID se viraram para o ex-príncipe-herdeiro Hamzah bin Hussein, acusado pelos americanos de fomentar a divisão e de estar a recolher apoios.

Para The Guardiano alegado conluio poderá contudo ter sido o derradeiro sobressalto de um esquema muito mais abrangente, legado dos esforços da Administração Trump para refazer o puzzle do Médio Oriente e resolver de uma vez o conflito israelo-palestiniano, com apoio saudita.

O jornal refere que o primeiro sinal para a Jordânia de que o poder em Washington, velho aliado de meio século, se preparava para lhe pregar uma rasteira, surgiu no final da primeira metade do mandato de Donald Trump.

O Presidente norte-americano, sem consultar Amman, delineou um plano a que chamou "Acordo do Século", o qual previa a anexação de 30 por cento da Cisjordânia e do Vale do Jordão por Israel e a partilha do controlo do complexo Haram al-Shariff, em Jerusalém, com Israel e os sauditas, acabando com a ideia da cidade como capital partilhada de dois Estados.

A guarda do complexo, que abrange a Mesquita de al Aqsa e a Cúpula da Rocha, foi atribuída aos hashemitas antes ainda da criação de Israel e da Jordânia e é um fator de legitimação da dinastia. Perdê-la seria um canto do cisne para a monarquia jordana entre as nações árabes.

O “Acordo do Século” fazia letra morta de linhas anteriores nas conversações israelo-palestinianas. Anunciado no início de 2019 foi prontamente rejeitado pela Autoridade Palestiniana e pela Liga Árabe e contestado pela União Europeia.

A monarquia jordana chegou a ameaçar romper os acordos de paz com os israelitas se o plano fosse avante, apesar de poder perder o precioso auxílio militar norte-americano e a cooperação económica com a Arábia Saudita.
Pressão saudita
Para Riade, os planos norte-americanos iriam cimentar o seu papel central na região ao mesmo tempo que abriam o caminho à paz com Israel, explica o jornal. MBS terá mesmo feito sentir a sua insatisfação com a relutância de Amman aos planos de Trump.

“A rejeição do novo Médio Oriente significava que todo plano iria implodir”, referiram fontes jordanas citadas pelo Guardian.

E acrescentam que a falta de aquiescência ao plano por parte de Amman e da Autoridade Palestiniana, de Mahmmoud Abbas, irritou tanto o príncipe herdeiro saudita como o genro de Trump, Jared Kushner.

“Viam-nos como os libaneses”, confirmou ao The Guardian um empresário saudita, sobre a liderança jordana. “Por receberem muito sem dar nada em troca. O novo regime (de MBS) queria um retorno do investimento. Ele e Kushner aproximaram-se devido a esta forma de pensar”.A amizade entre o príncipe saudita e o genro judeu de Trump ter-se-á desenvolvido e aprofundado durante longos serões em tendas erguidas no deserto saudita, refere o jornal britânico.

Em 2020 ocorreu um dos maiores triunfos desta estratégia de aproximação, a assinatura dos Acordos de Abraão em 2020, de reconhecimento de Israel por parte dos Emirados Árabes Unidos, do Bahrein, do Sudão e de Marrocos.

"Estavam desesperados para realizar isto e não hesitaram em chantagear tanto amigos como inimigos", afirmou uma fonte dos serviços de informação norte-americanos ao Guardian. "Para os Emirados foram os F-35. Para o Sudão, a retirada da lista de terror. O prémio, para ambos, foi o patrocínio americano e a experiência técnica israelita".

O mandato de Trump, contudo estava a terminar. As fontes do The Guardian afirmam que, a ter conseguido ser reeleito, o Presidente teria levado até ao fim os planos concertados com Riade para acabar com a resistência jordana, eventualmente substituindo o Rei Abdullah II.
Outra versão
Oficialmente, a Jordânia afasta estes cenários e prefere preservar os laços com os sauditas. Fontes dos serviços de informação do reino referem por exemplo que o telefonema revelador da embaixada dos EUA na Jordânia ao GID resultou de contactos dos conspiradores para conseguirem apoio a Hamzah, o que seria estranho se o plano resultasse de pressão norte-americana.

As provas recolhidas sobre o conluio, afirmam ainda, revelam reuniões com um máximo de sete envolvidos a nível de cúpula governamental ou de 15 a nível tribal, tendo existido ainda tentativas de envolver a numerosa comunidade palestiniana do país. Tudo aponta para um plano a longo prazo, longe dos alegados interesses sauditas e da Administração Trump para se desfazerem rapidamente de Abdullah II.

As pressões seriam outras.

Fontes bem colocadas na Administração norte-americana confirmaram ao jornal britânico que nos meses finais de 2020, houve contactos por parte desta para saber que áreas de financiamento à Jordânia estavam fora da alçada do Congresso, sendo por isso mais facilmente suspensas ou cortadas sem debate.

“A conclusão é que Trump perdeu e tudo se desmoronou”, referiu uma fonte dos serviços de informação regionais. “Se tivesse sido reeleito, esta seria uma região muito diferente”.


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