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Ainda não há um projeto oficial, mas a associação Pro Barrocal Algarvio (Probaal), caçadores e os habitantes do Cerro do Leiria, na freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, em Tavira, não vão esperar que ele surja para contestar a mega central de painéis solares de 83 megawatts que, asseguram, a Iberdrola pretende instalar nesta zona do interior.
O que as pessoas que contestam este projeto temem é, desde logo, a destruição da biodiversidade existente neste território e da própria paisagem, mas também a previsível despedrega e impermeabilização de solos, que poderão afetar o aquífero Peral-Moncarapacho, o lençol de água subterrâneo que ali existe.
Isto para não falar da qualidade de vida de quem escolheu uma zona quase intocada pelo homem para se instalar.
A intenção da energética espanhola é real e foi recentemente transmitida tanto à Câmara de Tavira, como à Junta de Freguesia de Santa Catarina, apurou o Sul Informação.
Mas os moradores e proprietários do Cerro do Leiria já há meses que sabem dos planos da empresa, uma vez que há pessoas que dizem representar a Iberdrola a fazer contratos de promessa de compra e venda ou de arrendamento de terrenos, na zona.
«Eu falei diretamente com uma pessoa que estava a adquirir terrenos. Disse-me que o projeto era da Iberdrola e que teria 200 hectares», revelou ao Sul Informação um representante da Probaal, que preferiu ficar no anonimato.
«Sabemos que há proprietários que têm sido abordados no sentido de arrendar o seu terreno por 30 anos. Também sabemos que há empreiteiros locais que fizeram algumas escavações e limpezas de terreno, no ano passado», acrescentou.
Ou seja, «isto já está a acontecer. Apenas não há, ainda, um projeto oficial».
«Pelo que sabemos, o plano é limpar esta área de barrocal, para fazer uma central fotovoltaica. Estamos a falar de milhares de árvores, de milhares de plantas, de uma área brutal de biodiversidade única, que vai ser arrasada», disse o representante da Probaal.
«Também estamos muito preocupados com o aquífero Peral-Moncarapacho, que está por debaixo de nós e ainda está muito saudável, com muita água e de boa qualidade. Esta zona é uma “tigela” natural, onde a água da chuva se concentra e infiltra através das rochas», enquadrou.
Ao fazer a despedrega e ao terraplanar o terreno, para instalar os painéis, «isso vai impedir a água de se infiltrar como deve ser», o que poderá potenciar «inundações no litoral, mais a Sul».
Num curto passeio pela zona, foi possível encontrar orquídeas raras, passíveis de fazer as delícias de entusiastas das plantas, como muitos membros da Probaal são, mas também zonas de infiltração de água, entre as rochas que povoam este território.
Também é possível encontrar no Cerro do Leiria espécimens de Allium nigrum, vulgo alho-negro ou alho-mágico, uma espécie botânica em perigo.
Certo é que a associação de defesa do ambiente não está sozinha nesta luta.
«O que se sabe aí é que andam a oferecer rendas de 1600 euros por hectare por ano. Isso representa uma rentabilidade que as pessoas não conseguem tirar com este sistema de agricultura que aqui têm», disse, por seu lado, Diamantino Trindade, agricultor e proprietário da zona, mas também caçador e associado do Clube de Caça e Pesca Montes Doutores da Jordana.
«Tenho a minha propriedade perto daqui. Por enquanto, não está envolta por terrenos relacionados com o projeto.
Mas, se as pessoas à volta chegarem a acordo com a empresa para implementarem os painéis, pois se calhar fica lá no meio. Felizmente, os 1600 euros não preciso deles. Mas para muita gente faz diferença», disse o engenheiro agrónomo ao Sul Informação.
São estes avanços que preocupam as pessoas que contestam o projeto, dezenas das quais se juntaram no Cerro do Leiria, há umas semanas, para receber Sandra Pereira, eurodeputada do PCP.
«Nós hoje viemos, sobretudo, conhecer.
A própria associação está também muito à espera das resposta das autoridades locais. Mas nós também podemos perguntar à Comissão Europeia se já foi submetido algum projeto, a pedir financiamento, para esta zona concreta», disse a eurodeputada comunista.
Na altura de agir, Sandra Pereira garantiu que pode «chamar a atenção para a biodiversidade da zona, para a própria Rede Natura. Havendo financiamento, não pode ser para projetos em áreas que até estão protegidas pela própria União Europeia».
«Estamos a falar de uma zona com muita biodiversidade e que é usufruída pela população local. Um projeto destes, parece-nos, também não virá desenvolver esta região, naquilo que é a criação de emprego. É preciso, também, ponderar essas questões», acrescentou.
Entretanto, a eurodeputada comunista já perguntou à Comissão Europeia se tem conhecimento deste projeto e se, «em caso afirmativo, foram requeridos fundos europeus para a sua concretização».
Quem terá uma palavra a dizer neste processo todo é a Câmara de Tavira.
Daí que a Iberdrola tenha já abordado a autarquia, para dar conta da sua intenção de avançar com um parque fotovoltaico no concelho.
«Eles pediram para falar connosco e apresentaram-nos uma proposta ainda muito incipiente. Tudo isto resulta de uma licença que foi ganha pela empresa para instalação de um parque fotovoltaico com ligação à subestação de Estoi», disse ao Sul Informação Ana Paula Martins, presidente da autarquia.
«Nesta fase, o que nós temos são intenções. Eles ainda não têm a localização certa, ainda estão a falar com proprietários dos terrenos. Daquilo que me foi transmitido, só em 2023 é que o projeto poderá estar em condições de ser, eventualmente, aprovado», acrescentou.
Até lá, «terá de haver um Estudo de Impacte Ambiental, pareceres de várias entidades, e só depois é que o projeto entrará para licenciamento».
«Para já, não tenho nenhuma posição sobre o assunto, porque não sei exatamente qual será a localização, não tenho um projeto concreto em que me possa basear, nem um Estudo de Impacte Ambiental», disse ao nosso jornal Ana Paula Martins.
Ainda assim, a edil tavirense assegura que o município «não será conivente com situações que causem destruição ambiental. Estamos completamente em cima de como isto se vai desenvolver e vamos ficar atentos aos próximos passos».
A presidente da Câmara de Tavira confessou, mesmo, que acha «que a escolha do Cerro de Leiria não é nada feliz». «Disse-lhes isso mesmo», garantiu.
«Já alertei a Iberdrola que tem de começar por apresentar o projeto à população, porque serão eles a sofrer um impacto direto. Disse-lhe para agendar uma reunião com a associação, porque acho que devem ser os primeiros a saber quais são as intenções da empresa e ter oportunidade de tirar as suas dúvidas», assegurou.
«O nosso interesse é que o processo seja o mais transparente e aberto possível, para que saibamos exatamente quais são as intenções deles, qual é a localização, o que vão fazer, o tipo de painéis, o impacto que pode ter», concluiu Ana Paula Martins.
Mas porquê o Cerro do Leiria, se é um local rico em biodiversidade e onde há, até, espécies protegidas e fortemente ameaçadas?
A Probaal e os habitantes locais acreditam que tudo está relacionado com uma antiga pedreira, hoje abandonada, que a própria associação conseguiu fechar, há cerca de dez anos, depois de ter levado o caso à justiça.
Este terreno, com cerca de hectares, pertence (ou pertencia?) à Tecnovia.
Os contestatários do projeto acreditam que haja um acordo entre as duas empresas para cedência deste terreno à Iberdrola, negócio que estará na génese da escolha do Cerro do Leiria para implementar a central fotovoltaica.
Ana Paula Martins admite que possa ter havido um acordo entre as duas empresas para a cedência do terreno, apesar disso não ter sido abordado na reunião.
«Não sei é se os senhores da Iberdrola se aperceberam de que esta é uma zona muito sensível do ponto de vista ambiental», disse.
Por outro lado, «há ali aquela população, maioritariamente estrangeira, que já se mobilizou contra a pedreira e que não terá qualquer problema em mobilizar-se de novo e em levar as coisas para tribunal».
Para já, a população e a Probaal lançaram uma petição online que já tem milhares de assinaturas, a alertar e a contestar o projeto.
Também há uma versão em papel, disponível na sede do clube de caça e pesca, que tem centenas de assinaturas.
«Acreditamos que a chave é trabalhar em conjunto com todos. É uma questão de aumentar a consciência pública da população. Há muita gente que não sabe deste projeto», disse o representante da Probaal.
«É muito importante que criemos esta consciencialização antes que as coisas sejam oficializadas, porque este tipo de projeto anda muito rapidamente, a partir do momento em que se torna público e não teremos muito tempo para o combater», acrescentou.
A petição original está disponível através deste link. Entretanto, foi lançado um novo abaixo-assinado online, em português, que está disponível aqui.
Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação
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