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Paulo Portas, Pedro Filipe Soares, Pacheco Pereira, Ana Gomes, Mariza Matias, Catarina Portas, Francisco Louça, Carmo Afonso. O que têm em comum estas personalidades portuguesas? Foram todas visadas por vários tweets de uma “influenciadora” espanhola, na última quarta-feira, que as correlacionou num espécie de joint-venture ibero-americana que, segundo a autora, terá recebido dinheiro oriundo do negócio de drogas na América Latina, para elogiarem o regime venezuelano de Nicolas Maduro.
A autora de tal investida, seguida por quase 200 mil pessoas no Twitter, chama-se Cristina Seguí – uma antiga hospedeira de bordo, que, a reboque de espaço mediático ganho há cerca de oito anos como comentadora de tom populista, foi uma das fundadoras regionais do “Vox” e, hoje em dia, após sair daquela força política, tornou-se uma espécie de musa da ultradireita espanhola e difusora de teses conspirativas e fake news. Integra um painel de cronistas, com que formou o grupo “Estado de Alarme” [em espanhol “Estado de Alarma”], que no YouTube analisa quase diariamente notícias, principalmente sobre a Covid-19. A investida em Portugal segue-se a uma entrevista feita pela própria a um cronista português, João Lemos Esteves (ver abaixo), que alimentou tais teorias da espanhola com dados sem qualquer sustentabilidade.
Há menos de uma década despontou na grande comunicação social espanhola, como uma voz disruptiva, sabendo-se que, atrás de si, tinha uma passagem pelo estrangeiro, que lhe permitiria ter um alegado domínio do Inglês ao ponto de ter sido tradutora – que não se subentende nos vídeos publicados na internet em que já teve de falar a língua de Sua Majestade -, e um curso de Artes Gráficas deixado a meio. Nascida em Valência, há 43 anos, rapidamente entrou nas fileiras dos primeiros dirigentes que constituíram o partido de extrema-direita “Vox”.
Dirigente fugaz da extrema-direita
Cristina Seguí, que se identifica como escritora e jornalista (ainda que seja essencialmente cronista), foi líder regional daquela força política durante algum tempo, em 2014, até pedir a sua demissão, em rutura com um dirigente da estrutura de Valência, José Luis González Quirós, a quem acusou de corrupção. Mãe solteira – tem um filho -, terminou também pouco tempo depois a relação que mantinha com Javier Ortega Smith, o vice de Santiago Abascal, líder do “Vox”. É casada, desde há um ano, com um agente da polícia de choque espanhola.
Desde há um mês, com a detenção pelas autoridades espanholas, em Madrid, de Hugo Carvajal, conhecido por “El Pollo” [O Frango], o antigo líder dos serviços secretos venezuelanos, Seguí viu ali um filão para a sua cruzada e alargou a argumentação de ligações do sistema político espanhol ao regime de Maduro até Portugal e ao Brasil. A pedido dos Estados Unidos, “El Pollo” foi detido a 10 de setembro, para ser julgado por Washington num caso de narcotráfico, mas ainda não foi extraditado. Tem sido ouvido pela Justiça espanhola, a quem, para não ser extraditado, vai entregando algumas informações – entre as quais, de que um dos fundadores do partido espanhol de esquerda Podemos, Juan Carlos Monedero, terá recebido 200 mil euros da petrolífera estatal venezuelana (como revelou há quase duas semanas o diário El Mundo).
Qual a tese de Cristina Seguí, que é veiculada em pseudojornais de língua espanhola: Carvajal esteve escondido em Espanha, com a ajuda dos serviços secretos do país vizinho – o Centro Nacional de Inteligência -, que, diz, serem controlados pelo PSOE, do chefe do Governo Pedro Sánchez, e pelo Podemos, “ambos financiados pelo narcotráfico da América Latina”. Porém, assegura que antes de Madrid, “El Pollo”, “passou, desde que desapareceu, quase três anos em Portugal, sob a proteção de políticos e empresários portugueses e espanhóis”.
Um desses políticos será, na tese conspirativa de Seguí, Manuel Dias Loureiro, a quem chamou “um dos homens mais influentes” do PSD, numa entrevista dada, no início desta semana, ao jornal brasileiro “O Dia”, disponível online. Uma das figuras sociais-democratas na mão de Dias Loureiro será José Luís Arnaut, chairman da Ana – Aeroportos. De acordo com a cronista, autora de duas obras [“Manual para se defender de uma feminazi” e “Mafia feminista”], “El Pollo” saiu depois de Portugal, via aeroporto de Tires [Cascais] com a ajuda da Mota-Engil, que lhe pagou um jato em troca dos alegados favores recebidos na Venezuela.
A esta narrativa, sem qualquer base factual nem provas, juntam-se depois cubanos, o Hezbollah (a força paramilitar islâmica extremista que controla territórios do Centro-Norte do Líbano e que se transformou em partido político), brasileiros (PT, Lula da Silva e outros dirigentes da esquerda do outro lado do Atlântico) e mais políticos portugueses – e aí surgem, então os visados pelos tweets da espanhola na última quarta-feira, 6 de outubro.
Duas semanas antes, a influencer já tinha disparado contra o historiador José Pacheco Pereira e uma série de empresas portuguesas.
O amigo português
As publicações nas redes sociais de Cristina Seguí sucederam-se a uma entrevista que fez para o tal canal “Estado de Alarme” ao cronista português, e assistente convidado da Faculdade de Direito de Lisboa, João Lemos Esteves, cujas declarações confusas, a maioria sem sustentabilidade alguma, andam sempre à volta da defesa de Donald Trump e Israel.
No vídeo, João Lemos Esteves é questionado logo nos primeiros dez minutos sobre o que sabe, enquanto especialista na matéria apresentado por Seguí. Porém, o articulista diverge para outro lado, nada dizendo sobre o assunto em concreto quando é confrontado com o facto de ter informação privilegiada. Só mais à frente, é que relata, com base “no que dizem” e do que se sabe de alegadas investigações da Mossad [serviços secretos israelitas], que “El Pollo” viveu no Estoril “num condomínio de luxo” [inicialmente chega a dizer que foi num hotel], que tem quatro passaportes – um deles português – e que foi a Mota-Engil que pagou a viagem ao ex-chefe das secretas chavistas para o Brasil.
Depois sinaliza, sem apontar fontes, Dias Loureiro; mete BE, PS, PSD e CDS dentro do mesmo saco, enquanto defensores de Zapatero – antigo líder do PSOE e chefe de Governo espanhol –; junta umas pitadas de Sócrates; e termina com o atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, enquanto alguém que deu a mão a Juan Guaidó, o opositor de Maduro. Lemos Esteves não termina sem antes falar numas alegadas pressões do “gabinete de comunicação” do Governo português, sem se perceber muito bem pelo quê ou contra quem, e acena ainda com um livro sobre Donald Trump (sem se conseguir perceber o seu autor), onde haverá uma página (primeiro disse serem várias) em que Portugal é apontado como “a praça suja financeira do regime venezuelano”.
Tendo se feito notar pela primeira vez quando escreveu, ainda durante o período da troika, uma crónica em que acusava o PCP de adquirir um edifício na luxuosa Avenida da Liberdade, para instalar o Centro de Trabalho Vitória – quando se trata de uma propriedade detida pelos comunistas há cerca de 40 anos – João Lemos Esteves foi mais recentemente alvo de uma queixa-crime do historiador José Pacheco Pereira, após ter sido descrito pelo jovem cronista como “Ayatollinho”, “presença assídua nas festas da embaixada do Irão em Lisboa”, entre outras acusações infundadas.
Como sinalizou o Público, num extenso trabalho sobre este jovem cronista que chegou a passar pelo PSD, mesmo depois de Pacheco Pereira ter levado a que João Lemos Esteves apagasse tal artigo, o texto ainda se manteve durante algum tempo em sites da dark net e de ultradireita, como o “Qoshe“, o “Alianza” e o “Voz Iberica“, em que o docente da Faculdade de Direito participa ativamente.
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