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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia


 


Istambul tem muitos pontos turísticos fascinantes, de grandes mesquitas a bazares movimentados, mas, desde tempos imemoriais, uma coisa que sempre captou a imaginação dos viajantes estrangeiros que vão à cidade são seus cães de rua. Os próprios turcos vivem em paz com toda a criação: árvores, pássaros ou cães; respeitam tudo o que Deus fez. Estendem sua humanidade aos animais inferiores, que são negligenciados ou perseguidos entre nós. Em todas as ruas existem, a certas distâncias, vasilhas cheias de água para os cães, escreveu Alphonse de Lamartine, em 1833, como a cidade cuidava de sua população canina.


A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

- "Os cães dormem nas ruas, por toda a cidade. Eles não se levantam nem quando o próprio Sultão passa", escreveu Mark Twain, em 1867, quando ainda era Samuel Clemens, então um jovem jornalista de 31 anos, em uma grande viagem no navio a vapor "Quaker City".

A historiadora e viajante inglesa Julia Pardoe mencionou que viu pequenas casinhas de palha construídas em intervalos ao longo das ruas, para a acomodação e conforto dos cães que de outra forma seriam sem-teto, que lotavam todas as avenidas da cidade:



- "Lá eles deitavam, agachados confortavelmente, muito gelados para nos receber com o coro de latidos que eles costumam conceder aos viajantes. Além deste abrigo, comida é distribuída todos os dias pelos habitantes aos animais errantes, que não tendo donos específicos, para usar a fraseologia aprovada de gentil pedido de esmola, eram totalmente dependentes da caridade para se manter."

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

Durante os quatro séculos de domínio otomano, desde a conquista de Constantinopla até a era Tanzimat, os cães de Istambul desfrutaram de um período de coexistência pacífica com os humanos. Então veio um período de modernização, em que os cães passaram a ser associados à pobreza e ao desleixo.

Em um esforço para modernizar a cidade, o sultão Mahmud II ordenou que todos os cães de rua fossem exilados para várias ilhas no mar de Mármara. Isso continuou ininterruptamente até a grande "decaninização" de 1910, quando o prefeito com punho de ferro de Istambul, Suphi Bey, ordenou que o município prendesse todos os cães de rua para que fossem exilados para a árida Ilha de Sivriada, onde certamente morreriam de fome e sede. O povo de Istambul se opôs veementemente a essa carnificina, resgataram tantos cães quanto puderam e os esconderam em suas casas.

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

O Diretor do Instituto Pasteur de Istambul, Dr. Remlinger, chegou a sugerir a criação de campos de extermínio, afirmando que com sua pele, pelos, ossos, gordura, músculos, substâncias geralmente albuminosas e até intestinos, o valor de um cão de rua oscilava entre 3 e 4 francos. Como existiam de 60.000 a 80.000 cães em Istambul, o valor total ascenderia a quase 300.000 francos.

- "Não é possível abrir licitações para eliminar os cães e instalar matadouros fora da cidade para o beneficiamento da pele, da carne e da gordura para fins econômicos?", questionou Remlinger. - "Essas casas de abate podem incluir salas herméticas conectadas a uma câmara de gás e uma sala de corte para preparar compartimentos de manufatura seletiva para pele, gordura, ossos e outros itens, todos para serem extraídos de carcaças caninas."

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

A ideia do homem era capturar secretamente os animais à noite e transferi-los para lá em carruagens enjauladas (carrocinhas) semelhantes às que existiam na Europa.

- "Se dez matadouros forem estabelecidos, cada um poderá processar cem cães por dia. Em dois meses podemos realizar a "decaninização" ou higienização dos cães, cujos rendimentos podem ser destinados às obras de caridade da cidade", disse Remlinger.

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

Mas os funcionários do município preferiram capturar os 80.000 cães e enviá-los para Sivriada, para nunca mais voltarem. A ilha era sólida como uma rocha, sem árvores, vegetação, água ou comida. Relatos locais descrevem como o uivo de cães era ouvido por dias e semanas, mantendo os residentes da cidade acordados. Nem um único cão sobreviveu. Alguns se afogaram enquanto tentavam escapar. Alguns foram mortos por outros famintos. Mas a maioria deles morreu de fome.

- "O processo de eliminação dos cães não correu bem; as pessoas sentadas ao meu lado pela manhã disseram que nenhum turco queria empreender essa tarefa humilhante que traria má sorte ao Crescente Otomano; vagabundos (ciganos) foram recrutados para sua execução", escreveu o romancista francês Pierre Loti.

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

Esses homens capturaram os cães com grandes correntes de ferro; pegavam suas pobres vítimas pelo pescoço, pernas ou rabos, jogando-as umas em cima das outras nos caíques que os levariam a Sivriada.

- "Gritos, discussões acaloradas foram ouvidos em toda Istambul por dias. Os turcos ficaram irados e resistiram à operação. Pobres cães! As pessoas esconderam o máximo que puderam em suas casas", contou Pierre. Mas após o incidente, o prefeito proclamou com orgulho:

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

- "Após a declaração da Constituição, enviei todos os cães de Istambul para Sivriada. Porém, mais tarde descobri mais 30.000 cães escondidos na cidade. Eu gradualmente os destruí também."

O massacre dos cães de rua da cidade deixou uma cicatriz na psique dos moradores de Istambul. O povo temia que Deus causasse estragos na cidade por sua crueldade. A maioria dos residentes culpou o massacre dos cães pelos tempos turbulentos após 1910, incluindo a derrota do Império Otomano nas Guerras dos Bálcãs e na Primeira Guerra Mundial.

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

Quase um século depois, ativistas dos direitos dos animais da organização Animal Party erigiram um monumento de pedra onde é possível ler "Em memória das dezenas de milhares de cães que morreram nesta ilha em 1910".

- "Algumas pessoas entre nós perpetraram essa crueldade que não queríamos, que não gostamos e que nunca aceitamos"disse Bünyamin Salman, representante da referida instituição. Decidimos erguer um monumento para expressar nossa vergonha por essa violência em nossa história, para anunciar que a rejeitamos e para garantir que tal massacre não aconteça nunca mais."

No entanto, ele sabe que infelizmente, hoje, alguns municípios turcos recolhem cães e os soltam em áreas de mata, longe da cidade, onde não vão encontrar comida.

- "Acreditamos que isso não é diferente do massacre de Sivriada que foi cometido no passado", conclui Salman.

A história desgraçada do massacre de cães da Ilha de Sivriada, na Turquia

Hoje, a ilha de Sivriada, localizada a cerca de 16 quilômetros de Istambul, no Mar de Mármara, é apelidada de "Hayırsızada", ou a "ilha pouco auspiciosa" ou "ilha infeliz".

Fotos 1908-1910 via Instituto de Pesquisa de Istambul.


www.mdig.com.br

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