Imagem: António Costa com Olaf Scholz
Mas é cedo para falar de mudança de ciclo
Após a vitória do SPD na Alemanha (e assim que estiver fechada a coligação), haverá sete países com executivos liderados pela social-democracia na União Europeia. Esta pode afinal não estar tão morta como se pensava, mas a tendência tem sido a subida da direita populista.
A vitória eleitoral do Partido Social-Democrata (SPD) na Alemanha e a do Partido Trabalhista na Noruega, que coloca os cinco países nórdicos todos com governos de centro-esquerda, estão a ser apontadas como um sinal de que afinal a social-democracia europeia não estava tão morta como se pensava. Mas o diabo está nos pormenores e a maior parte do continente ainda pende para a direita, sendo cedo para falar numa mudança na tendência ou na possibilidade de o que aconteceu na Alemanha e na Noruega poder inspirar uma vaga rosa na Europa.
Entre os 27 países da União Europeia (UE), há atualmente apenas seis em que o chefe de governo é de centro-esquerda: Portugal, Espanha, Malta, Dinamarca, Finlândia e Suécia, sendo que só o primeiro-ministro maltês, Robert Abela, do Partido Trabalhista, governa em maioria. Na Suécia, a nova líder dos sociais-democratas e atual ministra das Finanças, Magdalena Andersson, está encarregada de tentar formar governo, após a demissão do antecessor Stefan Löfven, estando dependente da aprovação do Parlamento para se tornar na primeira mulher a chefiar o executivo sueco.
A esquerda tem ainda presença importante na Coligação Vivaldi na Bélgica (batizada em homenagem ao compositor d"As Quatro Estações porque o governo do liberal Alexander de Croo inclui sete partidos de quatro cores políticas) e no executivo de união nacional do tecnocrata Mario Draghi,
Será que a vitória eleitoral de Olaf Scholz do SPD na Alemanha, após 16 anos com Angela Merkel e os conservadores da CDU no poder, é o início de um novo ciclo de crescimento para a esquerda europeia? "O que parece mais ou menos evidente é que, após aquilo que se poderia chamar o declínio eleitoral, muito debatido e estudado, dos partidos sociais-democratas na Europa, observamos alguma recuperação", disse ao DN o investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, António Costa Pinto. Que avisa contudo que não é fácil pensar que tal tendência possa passar para outros países.
"As duas tendências que permanecem nos últimos dez anos são o fracionamento do sistema partidário e a consolidação da presença de partidos populistas de direita radical. Para além destas duas tendências, não é fácil falar", afirmou o politólogo. "É inegável que nos últimos 10 e 15 anos os partidos de direita radical populista têm crescido eleitoralmente. No entanto, quando fazemos uma análise mais fina, observamos que a natureza nacional dos sistemas partidários é muito marcante e que a dinâmica de crescimento ou declínio de certas famílias políticas remete mais para fatores nacionais do que para tendências gerais", referiu.
Fragmentação
De facto, apesar de o SPD ter ganho e recuperado muito do terreno que tinha perdido há cinco anos, com 25,7% dos votos, está a mais de dez pontos percentuais dos valores que Gerhard Schroeder (o último chanceler do SPD) conseguiu em 1998 ou 2002. E só conseguirá governar (ainda está a terminar o acordo) com o apoio de dois partidos (Verdes e liberais do FDP), algo inédito a nível federal. Na Noruega, o Partido Trabalhista, na realidade, conseguiu agora menos votos do que nas últimas eleições (também tinha ganho em 2017, mas os conservadores e aliados mantiveram a maioria na altura para formar governo). Em ambos os casos, foi uma queda dos adversários que abriu as portas ao poder.
Costa Pinto lembrou ainda que há 27 países no bloco. "Quando falamos de União Europeia temos que falar na totalidade dos países e a nossa tendência é considerar as tendências das famílias políticas na Europa Ocidental e estamos a esquecer-nos dos países da Europa Central, que há mais de 20 anos estão na União Europeia. E se juntarmos essa parte, a crise dos sistemas partidários mais ou menos com base numa clivagem esquerda e direita, ou conservadores e sociais-democratas, que em alguns países nunca esteve presente nos seus sistemas partidários, ainda é mais notória a ascensão dos partidos populistas de direita radical", referiu.
Nos países da UE, a Bulgária vai este domingo a votos pela terceira vez este ano, depois de os anteriores escrutínios terem resultado em parlamentos tão divididos que não foi possível uma maioria de governo. Os populistas de direita lideram as sondagens, mais de dez pontos à frente dos socialistas. Em 2022, outros sete países da UE têm eleições legislativas - Portugal, França, Hungria, Eslovénia, Malta, Suécia e Letónia. No caso de franceses e eslovenos, há também eleições presidenciais, sendo que a Áustria elege só um chefe de Estado. Será uma oportunidade para testar a força da social-democracia europeia.
Nas presidenciais francesas, uma vitória da esquerda é neste momento uma miragem, após uma "implosão do sistema partidário", como lhe chamou Costa Pinto, "com a irrupção de um partido de centro muito associado à imagem de Emmanuel Macron" que fez quase desaparecer o Partido Socialista e deixa uma incógnita do que poderá acontecer no futuro. A atual presidente da câmara de Paris, Anne Hidalgo, será a candidata presidencial socialista. Atualmente surge nas sondagens com 5% das intenções de voto, com Macron nos 25% e dois candidatos de extrema-direita no seu encalço, Marine Le Pen (18%) e Eric Zemmour (14%).
Hidalgo recebeu na sexta-feira o primeiro-ministro português, António Costa, (que tinha estado dias antes com Scholz na Alemanha) e o espanhol, Pedro Sánchez, que descreveu como as suas inspirações. "As soluções estão do lado da social-democracia. Ela traz a convicção de que, face à crise, é sempre preciso focar primeiro no apoio e na proteção social dos mais frágeis", disse na conferência "A Grande Transformação", do grupo dos Socialistas e Democratas (S&D) do Parlamento Europeu. A candidata falou ainda da social-democracia como "um método moderno", que se apoia "nos movimentos da sociedade, nos sindicatos, no diálogo social", comparando com o "Júpiter que decide tudo sozinho" em França, numa referência a Macron.
Crise e pandemia ajudaram
Num artigo de opinião publicado no El País, o politólogo franco-argelino Sami Nair (antigo conselheiro do primeiro-ministro francês socialista Lionel Jospin) questionou-se sobre a nova vida da esquerda europeia. "Esta onda explica-se tanto pela reação contra as políticas de austeridade que a direita europeia impôs diante da Grande Recessão de 2011, como pela pandemia de 2019, que pôs dramaticamente em evidência as graves deficiências do ciclo liberal institucionalizado pela política de estabilidade da UE; por outro lado, os incentivos fiscais que a UE está a facilitar para o relançamento económico na Europa legitimam o regresso às políticas de bem-estar social", escreveu.
"A dúvida agora é se a esquerda saberá empreender umas políticas capazes de governar a longo prazo ou se ficará reduzida a meros episódios eleitorais", referiu ainda. Mais do que a vitória de Scholz na Alemanha, será preciso saber que governo sairá da coligação com os Verdes e os liberais do FDP - e quão social-democrata será. "Em termos gerais, o discurso da esquerda europeia centra-se no desafio ecológico, na revolução digital e na "igualdade". Contudo, exceto este último, não são temas específicos de esquerda, pertencem hoje à política de Bruxelas. Além disso, a direita, até a extrema-direita, trata-os à sua maneira", lembrou.
Susana Salvador | Diário de Notícias
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