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terça-feira, 3 de novembro de 2020

UM ASSUSTADOR DUELO DE SOCIOPATAS

 


Hoje, mais uma vez, faço o papel de intermediário sem acrescentar nada meu. Mas sinto, dado o momento, que é preciso. Não é tempo para fazer apelo ao ato distraído de assobiar para o lado. Nem é tempo para, mesmo através de um texto criativo, ignorar que o que se passa é mesmo assustador... como a seguir se dá testemunho:

É comum ouvir dizer que Donald Trump não aceitará os resultados das eleições norte-americanas de terça-feira no caso de não lhe serem favoráveis. O que frequentemente se omite é que acontece exactamente o mesmo do lado democrata, onde Hillary Clinton apela a retomar a Casa Branca através de qualquer meio e em quaisquer circunstâncias. Intenção poucas vezes recordada porque é “politicamente correcto” ser-se democrata ou porque a vantagem atribuída pelas sondagens vai esfumando esse cenário. Seja como for, não está garantido que as eleições sejam pacíficas, democráticas e conclusivas no país que pretende ser a luz da democracia. Um país onde a escolha dos eleitores - mas com repercussões em todo o mundo – está restringida a dois sociopatas, ambos carregando assassínios além-fronteiras às suas costas. Estas eleições não seriam, portanto, um caso de política mas sim de polícia se o mundo estivesse nas mãos de gente docente. Mas não: os sociopatas é que mandam – um ou outro, escolha o leitor se conseguir ou achar que neste cenário ainda há lugar para o mal menor.  

Pepe Escobar, Asia Times/Adaptação 

 

O Lado Oculto

O que acontecerá dentro de horas, a 3 de Novembro? Como replay mais real que a vida da famosa máxima hollywoodiana: "Ninguém conhece todos os factos."

A estratégia dos democratas é transparente como cristal, difundindo em todas as direcções o jogo dos cenários eleitorais reunidos no Transition Integrity Project, TIP, (Projecto de Integridade da Transição) e ainda mais claramente explicado por um dos cofundadores do próprio TIP, professor de Direito na Universidade de Georgetown.

Hillary Clinton já o disse sem meias palavras: os democratas devem retomar a Casa Branca através de qualquer meio e em quaisquer circunstâncias. E, por via das dúvidas, já se posicionou para um emprego cobiçado por muitos através de um artigo com cinco mil palavras.

Assim como os democratas já disseram claramente que jamais aceitarão a vitória de Trump, o contra-ataque trumpista foi à maneira clássica do presidente em exercício: recomendou aos milicianos neofascistas dos Proud Boys para “ficarem longe”, tipo ‘sem violência por enquanto’ – embora isso signifique para “ficarem longe”, tipo ‘estejam preparados’.

O cenário está montado para Mayhem (Dia de Caos, 1917) padrão Kill Bill no dia 3 de Novembro e daí em diante.

Seguindo pistas do TIP, encenemos um regresso dos democratas à Casa Branca – com a possibilidade de uma presidente Kamala Harris assumir o cargo antes do que se supõe. Isto significará, na sua essência, o regresso de Blob*, a bolha assassina ou outra forma de terror.

Trump chama-lhe “o pântano”. O ex-vice conselheiro de segurança de Obama, Ben Rhodes, um sujeito medíocre, pelo menos usa o termo “blob”, sem dúvida mais adequado, aplicado ao gang incestuoso da política externa de Washington DC, think tanks (grupos de pressão), academia, jornalões (do Washington Post ao New York Times) e a revista Foreign Affairs, espécie de Bíblia não oficial.

A presidência democrata terá de enfrentar imediatamente as implicações de duas guerras: a guerra fria 2.0 contra a China e a interminável Guerra Global contra o Terror (GGT) de biliões de dólares, rebaptizada pelo governo Obama-Biden como Operações de Contingência Além-Mar (Overseas Contingency Operations).

Um passado recente e bem conhecido

Biden passou a integrar a Comissão de Relações Externas do Senado em 1997, da qual assumiu a presidência em 2001-2003 e novamente em 2007-2009. Desfilou como assumido defensor da guerra contra o Iraque – que seria necessária, dizia ele, como parte da guerra contra o terror – e até se declarou adepto de uma “divisão soft” do Iraque, o que ferozes nacionalistas, sunitas e xiitas, de Bagdade a Bassorá, jamais lhe perdoarão.

As acções geopolíticas de Obama-Biden incluem uma guerra de drones, ou diplomacia dos mísseis Hellfire, complementada com “listas de execuções”; o fracassado levantamento afegão; a “libertação” da Líbia “na rectaguarda”, que transformou o país numa terra devastada e pasto de milícias terroristas; a guerra por procuração na Síria travada com “rebeldes moderados”, leia-se al-Qaida; e, mais uma vez dirigindo ‘da rectaguarda’, a destruição do Iémen orquestrada pelos sauditas.

Dezenas de milhões de brasileiros tampouco esquecerão que Obama-Biden legitimaram a espionagem montada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) e o uso de tácticas de guerra híbrida que conduziram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, à neutralização do ex-presidente Lula e à alienação da economia brasileira por elites “compradoras”.

Entre os seus antigos e selectos interlocutores, Biden conta com o belicista e ex-secretário-geral da NATO Anders Fogh Rasmussen – que supervisionou a destruição da Líbia – e com John Negroponte, que “organizou” os esquadrões da morte em El Salvador, os “contras” na Nicarágua, o golpe fascista nas Honduras e entretanto supervisionou o Isis/Daesh no Iraque – elemento crucial da estratégia de Rumsfeld/Cebrowski de instrumentalizar o terrorismo islâmico ou jihadista para fazer o trabalho sujo do império.

É seguro apostar em que um governo Biden-Harris supervisionará uma expansão de facto da NATO para abocanhar partes da América Latina, de África e do Pacífico, satisfazendo assim a Bolha Atlantista.

Em contraste com esta tendência, os democratas procederão a duas acções “redentoras”, designadamente o regresso dos Estados Unidos ao “tratado nuclear iraniano”, oficialmente JCPOA, único feito positivo da política externa Obama-Biden; e a reabertura de negociações com a Rússia sobre desarmamento nuclear. Teria como objectivo conter a Rússia não através de uma guerra fria total, embora Biden tenha destacado recentemente, on the record, que a Rússia seria “a maior ameaça” dos Estados Unidos.

A linha dura de Kamala

Kamala Harris começou a ser preparada para ascender topo já no Verão de 2017. Como se adivinha facilmente, é totalmente a favor de Israel – no que copia a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi (“se o Capitólio desabasse em cacos, a única coisa que permaneceria seria o nosso compromisso em ajudar … E nem digo ajuda, digo a nossa cooperação com Israel”).

Kamala Harris é da linha duríssima contra a Rússia e a Coreia do Norte; não assinará qualquer projecto de lei para impedir uma guerra contra a Venezuela e, novamente, contra a Coreia do Norte. Poder-se-á qualificá-la como uma harpia** democrata da linha mais dura.

Com essas características o posicionamento de Kamala Harris pretende, ainda assim, atingir dois grupos diferenciados. É perfeitamente adequado à bolha assassina mas com toques “modernos” e “politicamente correctos” (ténis desleixados e uma afeição muito divulgada pelo hip hop). E, como prémio extra, tem uma ligação directa com o gang republicano dos “Trump Nunca”.

Os republicanos “Trump Nunca” – operando especialmente na think-tanklândia – infiltraram-se completamente na matriz democrata. São matéria-prima da bolha assassina. O neoconservador mais activo desta área é Robert Kagan, marido da distribuidora de sandes na Praça Maidan em Kiev, em 2014, Victoria “Fuck a União Europeia” Nuland; daí que seja piada corrente actualmente em várias partes da Ásia Ocidental falar-se do “Kaganato de Nulandistão”.

Kagan, auto glorificado e auto idolatrado como estrela dos intelectuais conservadores é, naturalmente, um dos cofundadores do Projecto para o Novo Século Americano (Project for de New American Century, PNAC), o sinistro projecto neoconservador. Obama leu com enlevo os livros de Kagan. E o mesmo Kagan apoiou empenhadamente Hillary Clinton em 2016. É desnecessário acrescentar que os neoconservadores da cepa dos Kagans são doentiamente anti-Irão.

Na frente do dinheiro existe o Lincoln Project, montado no ano passado por um gang de anteriores e actuais estrategos republicanos muito próximos, entre outros, de estrelas da bolha assassina como Bush pai e Dick Cheney. Um punhado de bilionários fizerem donativos festivos para esse projecto, designadamente o herdeiro de J. Paul Getty, Gordon Getty, o herdeiro do império de hotéis Hyatt, John Pritzker, e a herdeira da Cargill, Gwendolyn Sontheim.

Personagem-chave da bolha assassina numa suposta Casa Branca Biden-Harris será Tony Blinken, ex-vice conselheiro de segurança nacional durante a administração Obama-Biden, citado frequentemente como o próximo conselheiro de segurança nacional.

Trata-se de geopolítica – e com uma importante adenda: a ex-conselheira de segurança nacional Susan Rice, que foi excluída sem cerimónias das listas de possíveis vice-presidentes, preterida em favor de Kamala Harris, poderá vir a ser a próxima secretária de Estado.

Com Rice concorre, possivelmente, o senador Chris Murphy, o qual, num documento estratégico intitulado “Rethinking the Battlefield” (Repensar o Campo de Batalha) repete Obama-Biden, como seria de prever. Nada de “repensar”; é apenas retórica.

Pois o doce Tony Blinken trabalhou para a Comissão de Relações Externas do Senado na primeira década do milénio. Não surpreende que já na altura estivesse muito próximo de Biden, mesmo antes do primeiro mandato de Obama, onde se tornou vice conselheiro de segurança nacional e, posteriormente, secretário de Estado, já no segundo mandato.

Próximo de Blinken está Jake Sullivan, que, sob a asa protectora de Hillary Clinton, substituiu Blinken como conselheiro de segurança nacional no segundo mandato Obama-Biden. Terá um alto posto ou no Conselho de Segurança Nacional ou no Departamento de Estado.

As harpias sinistras

Das três harpias originais intrinsecamente associadas à bolha assassina, duas delas – Hillary Clinton e Susan Rice – parecem prontas para abocanhar novos empregos no seio do poder. O caso muda de figura com Samantha Power, ex-embaixadora norte-americana na ONU.

Samantha parece ter sido descartada. Há uma nova harpia sobrevoando o centro do poder. O que nos conduz directamente para a nova rainha da bolha assassina.

Trata-se de Michele Flournoy, funcionária imperial por excelência, servidora fiel do que Ray McGovern, ex-analista da CIA, qualificou brilhantemente como MICIMATT (complexo militar-industrial-do Congresso-de inteligência-media-academia-Think tanks).

A funcionária imperial move-se na sombra: virtualmente ninguém conhece Flournoy fora da bolha assassina, o que significa que é desconhecida no resto do planeta.

Michele Flournoy é conselheira-sénior do Boston Consoulting Group; cofundadora do Center for a New American Security (CNAS); senior-fellow no Belfer Center de Harvard; foi secretária adjunta da Defesa no governo Obama-Biden; favorita da harpia-chefe Hillary Clinton para chefe do Pentágono para depois de 2016; e novamente favorita para chefiar o Pentágono a partir de 2020.

Através do seu currículo é possível encontrar as colaborações de Flournoy com Tony Blinken.

Um exemplo relevante, crucial mesmo, do pensamento de Flournoy: diz com todas as letras que qualquer tipo de simples contenção benigna dos Estados Unidos frente à China é “um erro de cálculo”. É importante reter, de facto, que a favorita para chefiar o imenso aparelho de guerra imperial é o cérebro de onde brotou a estratégia de guerra real – e fracassada – de Obama-Biden.

Em resumo, Biden-Harris significará uma espécie do Regresso da Bolha Assassina – e com sede de sangue. Pensem nas sete guerras sem fim; pensem nos ataques com drones; pensem nas listas de pessoas a executar; pensem na Líbia; pensem na Síria; pensem no “golpe suave” no Brasil; pensem no golpe fascista de Maidan na Ucrânia. Considerem-se avisados.

*The Blob, A Bolha Assassina ou Blob – Outra Forma de Terror é um filme de terror norte-americano de 1958, dirigido por Irvin Yeaworth

**Harpia – monstro mitológico grego representado como uma gigantesca ave de rapina com rosto e seios de mulher, significando uma mulher ávida e cruel


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