TROVAS PROFÉTICAS
Gonçalo Anes, que por Bandarra ficou conhecido, terá nascido por volta do ano de 1500 e falecido em data posterior a 1556.
Os seus restos mortais encontram-se na Igreja de São Pedro, no centro histórico da antiga Vila de Trancoso, distrito da Guarda.
Sapateiro, ou melhor, oficial de sapateiro de calçado de correia – não só consertava, mas também fabricava sapatos – em Trancoso, terra fria da Beira Alta, foi poeta, autor das Trovas, que lhe valeram o título de profeta nacional.
Bandarra é o “Nostradamus” português.
A alcunha de Bandarra, talvez tenha tido a sua origem numa vida de vadiagem, de moinante, expressão muito utilizada por aquelas paragens.
Terá lido a Bíblia e as suas profecias agradaram aos judeus, o que lhe causou a perseguição do Santo Ofício, que o acusou de ser judeu e de versejar profecias a favor dos da sua raça.
Aliás, o que melhor se sabe da vida do pobre sapateiro, consta do processo que lhe foi movido pelo dito Santo Ofício da Inquisição e, refere-se ao período que decorreu entre 1538 e 1541. O processo encontra-se na Torre do Tombo e tem o número 7197.
Terá apenas sido submetido ao degradante passeio dos condenados pelos Paços da Ribeira e condenado a uma simples abjuração.
Nos seus versos, deparamo-nos com quatro visões fundamentais:
- o regresso do Encoberto;
- a Restauração de 1640;
- A derrota de Napoleão, e,
- o mito do Quinto Império – que tanto apreço geraram, quer no Padre António Vieira quer em Fernando Pessoa.
O padre António Vieira descreve-o como um homem “idiota e humilde”, mas não lhe nega, antes exalta, os dons de profeta.
Já Pessoa, afirmou, que “o verdadeiro patrono do nosso país é esse sapateiro Bandarra” e ainda que era naquele “sapateiro de Trancoso em cuja alma vivia, ninguém sabe como, o mistério atlântico da alma portuguesa”.
As suas trovas começaram a circular por todo o país em forma de cópias manuscritas, provavelmente a partir de 1537.
A primeira edição impressa, data de 1603.
Bandarra foi lido e conhecido, praticamente em todo o Portugal. Conhecido, idolatrado em vida e após o seu decesso.
No dia da aclamação de D. João IV, sem oposição do Arcebispo e do próprio Santo Ofício, teve o seu retrato num dos altares da Sé, com honras de santo.
As Trovas de Bandarra tiveram uma edição da Imprensa Popular de J. L. de Sousa, no ano de 1866, que foi denominada Nova Edição, por se lhe terem aditado mais algumas trovas até aí nunca dadas à estampa.
É com base nessa edição que editamos um excerto das Trovas de Bandarra – para quem quiser conhecer o seu texto integral, veja-se a da Moderna Editorial Lavores, As Profecias do Bandarra.
Desde criança, que frequentamos a feira de Trancoso; a feira das sextas e a anual de São Bartolomeu, em finais de Agosto, a que os antigos também davam o nome de feira dos capotes, tal a frialdade que já se fazia sentir nessa época do ano.
E, para nós, Trancoso foi sempre, tenha-o ou não sido, a maior feira da Beira Alta.
Ali encontrámos saudosos homens de venerável idade, de aspecto rude, se se quiser “impolidos”, como os caracterizou D. João de Castro. Impolidos, mas Homens: rectos, nobres, sofridos e duros como convém a um clima agreste, homens de uma só palavra e de parco riso, espécie extinta ou em extinção.
E se alguém tiver dúvidas quanto à nobreza de tais sábios “analfabetos”, lembrem os versos de Sá de Miranda na Carta a El-Rei D. João III:
Homem de um só parecer,
De um só rosto e de uma fé,
De antes quebrar que volver,
Outra coisa pode ser,
Mas da corte homem não é.
Foi deles, que, na nossa curiosidade juvenil, bem notada por quem olhos tinha para as pequenas manifestações da Vida, ouvimos pela primeira vez a história do Bandarra, e algumas das suas quadras, ajaezadas em função das circunstâncias e das memórias dos cantadores, nas tendas feitas taberna, em frente de um copo de vinho puro, duma febra assada em fogo reconfortante e de um quarto de alvo trigo.
As Profecias do Bandarra, o mito do Encoberto e o Quinto Império
O que dizer sobre as Profecias (ou trovas) do Bandarra? Supostamente foram escritas na primeira metade do século XVI por um sapateiro de Trancoso, chamado António Gonçalves Annes Bandarra ou Gonçalo Annes Bandarra, que nos ficou conhecido só pelo seu apelido de "Bandarra". De um ponto de vista puramente literário, os versos nesta obra não parecem ter nada de muito digno de nota - na verdade, até admitimos que nem teríamos perdido qualquer tempo a lê-los se não fosse o impacto significativo que tiveram num dado momento da história de Portugal.
Explique-se. Numa data já pouco precisa este sapateiro começou a escrever versos supostamente proféticos, que - de acordo com o seu conteúdo - lhe parecem ter sido divulgados em sonhos. E, por razões que não são totalmente claras, esses versos tornaram-se muito populares entre o povo. Se, e como já foi dito acima, de um ponto de vista literário ou académico não têm nada de especial, as trovas de Bandarra também prometem um conjunto de fantásticos eventos futuros associados a uma figura nacional a que o autor chama o "Rei Encoberto", um monarca que seria então capaz de levar Portugal a tornar-se o Quinto Império, aquele que hoje tão bem conhecemos de alguns poemas de Fernando Pessoa.
Agora, o seu autor nunca diz, de uma forma totalmente clara e indiscutível, quem viria a ser esse rei, mas passado algumas décadas um acidente do destino trouxe essa figura lendária de volta à ribalta - o desaparecimento de D. Sebastião em Ceuta, no ano de 1578. Na ausência de um corpo, naquele inesperado choque pela perda de um monarca, e confrontado com um novo domínio de Espanha, gerou-se um problema entre a população - ou as famosas Trovas de Bandarra eram falsas, ou o rei desaparecido teria de voltar a Portugal para cumprir o seu destino e se tornar a figura profetizada em versos como os seguintes:
Ja o Leaõ he experto
Mui alerto.
Ja acordou, anda caminho.
Tirará cedo do ninho
O porco, e he mui certo.
Fugirá para o deserto,
Do Leaõ, e seu bramido,
Demostra que vai ferido
Desse bom Rei Encuberto.
Até a um leitor dos nossos dias, que queira acreditar em profecias, poderá ver nestes versos uma ténue alusão ao que aconteceu a Dom Sebastião. E, por isso, algumas pessoas pensavam mesmo que o rei ia voltar um dia. Já outros, algumas décadas depois, pensavam que essa profecia se aplicava era a D. João IV, o primeiro monarca após o domínio filipino, com base nos seguintes versos:
Saia, saia esse Infante
Bem andante,
O seu nome he D. Fuão [ou D. João, mediante a edição consultada],
Tire, e leve o pendão,
E o guião
Poderoso, e tryunfante.
Se a suposta profecia se devia aplicar a Dom Sebastião, a Dom João IV, a outro monarca futuro, ou até se tratava de uma mera ficção do sapateiro-poeta, é algo que já não podemos ter a certeza, mas o povo parecia acreditar que as profecias compostas por Bandarra eram completamente verdadeiras e, como tal, algum monarca teria de vir a transformar Portugal num Quinto Império. Primeiro pensou-se no Sebastião desaparecido; após a ocupação castelhana em João IV; mas à medida que os anos foram passando voltou-se à ideia de um D. Sebastião... não do rei desaparecido em Ceuta, visto que ele já só poderia estar morto, mas numa versão puramente lendária dessa figura. E assim se criou aquela grande lenda de que ele voltaria numa manhã de nevoeiro, para conduzir o país ao ideal do Quinto Império...
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