Por Pedro Pereira
13.11.2020
A descoberta em Lisboa em 22 de Maio de 1974 das instalações e dos arquivos de uma agência portuguesa de «informações», dirigida por franceses que fugiram depois do 25 de Abril desse ano, trouxe à luz do dia
as ramificações de uma conspiração internacional com o objetivo de estabelecer uma Nova Ordem na Europa, livre da Democracia.
Um punhado de militares da revolução de Abril, procuravam descodificar numa pequena sala de um primeiro andar uma catrefada de dossiers, formulários mimeografados, ficheiros com títulos de «Máfia» ou «Contribuidores Financeiros Alemães», por exemplo, recortes de jornais,
velhas fotos, aparelhos para escutas telefónicas, laboratório fotográfico para fabricar documentos falsos, matrizes para impressão de bilhetes de identidade, cartas de condução, passaportes franceses, documentos relativos a transações comerciais de considerável magnitude e livros referentes a pagamentos de militares marcadas com as iniciais e nomes codificados, assim como uma incrível coleção de carimbos espanhóis, franceses e portugueses, próprios para autenticar documentos falsos. Entre esses carimbos, encontravam-se os das prefeituras de Haute-Garonne e de Oran, do serviço de passaportes da Prefeitura de Polícia de Paris, da Ordem dos Advogados do Fórum de Annecy, da Alfândega de Alicante, da comissão de carteiras de identificação de jornalistas franceses e muitas assinaturas de diplomatas e oficiais superiores franceses. A documentação encontrada era composta por um impressionante número de referências a técnicas de terrorismo, que eram ministrados em cursos de «treino especial» de centros de formação em Portugal e em África. Nesses cursos eram ensinadas técnicas de vigilância e de camuflagem, técnicas de contato entre agentes, técnicas de interrogatório, técnicas e confissão de falsos álibis em caso de prisão e, acima de tudo, técnicas de sabotagem em cada situação geográfica e política.
Uma atenção especial era dedicada a missões especiais, visando tanto a infiltração como a guerra psicológica. Tratava-se de arquivos de uma pequena «agência de notícias», colocados ao lado de documentos da antiga polícia política portuguesa, que foram entregues à guarda da Comissão de Extinção da PIDE-DGS, incluindo a troca de correspondência com esta polícia política no quadro das suas operações
especiais e missões de espionagem. No dia 22 de maio de 1974, menos de um mês depois do golpe de Estado (ou revolução...) que derrubou 48 anos de ditadura salazarista, um grupo de fuzileiros capitaneados pelo tenente Moniz Matos investigou um apartamento situado no elegante bairro da Lapa, em Lisboa. Situava-se na Rua das Praças, num prédio moderno, com o nº 13, na casa do Comandante Valentin, francês, que havia cedido as instalações gratuitamente. As duas primeiras salas estavam mobiladas como escritórios, a terceira era um laboratório fotográfico, na quarta estavam arquivos classificados divididos por países, e por aí fora. O apartamento era a sede da agência Aginter-Press. O proprietário da casa estava ausente em parte incerta. Quanto ao diretor da agência, Capitão Yves Guérin-Sérac, outro francês, tinha desaparecido pouco antes do golpe de Estado, sem que alguém pudesse informar para onde.
Recorde-se que após o 11 de março de 1975, a 2ª Divisão foi liquidada e o
Conselho da Revolução criou em maio seguinte, na sua dependência, para
ocupar algumas das funções da extinta PIDE/DGS, o SDCI – Serviço Diretor e Coordenador de Informações, que viria ser extinto formalmente em Maio de 1976, através do Decreto-Lei nº 385/76. Yves Guillon, mais conhecido pelo pseudónimo de Yves Guérain-Sérac, era especialista em operações de guerra clandestina a quem os EUA tinham atribuído várias medalhas militares entre as quais a Estrela de Bronze Americana.
Yves Sérac era um católico fervoroso e ardente anticomunista recrutado pela CIA. Antigo oficial do exército francês tinha assistido à derrota da França frente ao III Reich durante a 2ª Guerra Mundial. Havia combatido na guerra da Indochina, na guerra da Coreia e na guerra da Argélia. Em 1961 Guérain-Sérac fundou juntamente com outros oficiais a OAS - Organização do Exército Secreto, que lutou por uma Argélia francesa e tentou destituir o governo do general de Gaulle para instaurar um regime anticomunista. Após a Argélia se ter tornado independente em 1962, e de o general Charles De Gaulle ter dissolvido a OAS, antigos oficiais do exército secreto, entre os quais Guérain-Sérac, fugiram da Argélia e colocaram à disposição de ditadores da América Latina e da Europa a sua valiosa experiência de guerra secreta, de operações clandestinas, de terrorismo e de contra terrorismo, em troca do direito de asilo. Guérain-Sérac como um genuíno soldado da guerra-fria ofereceu os seus serviços a Salazar, tendo afirmado que, «Os outros depuseram as armas, mas eu não. Depois da AOS fugi para Portugal para continuar o combate e travá-lo à sua verdadeira escala, ou seja, à escala planetária». Neste país aliou-se a extremistas franceses e a renegados da OAS. O antigo pétainista (de Marechal Pétain) Jacques Ploncard d'Assac apresentou-o nos meios fascistas e a membros da PIDE e da Legião Portuguesa. Foi recrutado como instrutor da Legião e das unidades de contraguerrilha do exército português. Foi assim que, com a ajuda da PIDE e da CIA, juntamente com o terrorista de extrema-direita Stefano Delle Chiaie criou a Aginter Press, um exército anticomunista ultrassecreto. A CIA e a PIDE, e os serviços secretos militares de Salazar, encarregaram-se de fornecer os fundos necessários para o empreendimento terrorista do capitão Guérain-Sérac. «A organização constituiu os seus próprios campos de treino nos quais mercenários e terroristas seguiam um programa de três semanas de formação em operações secretas que incluíam nomeadamente técnicas de atentados à bomba, assassínios silenciosos, métodos de subversão, comunicações clandestinas, infiltração e guerra colonial». Um desses campos situava-se no Algarve.
A Aginter Press nasceu no seio da NATO, era financiada pela CIA e foi «parida» pela Gládio, ligada umbilicalmente à famigerada Loja maçónica
italiana P2. As investigações tiveram início após as revelações feitas por vários agentes da PIDE presos em Caxias. Segundo afirmaram, «Trabalhávamos em estreita ligação com a Aginter-Press que ostentava a fachada de agência de notícias, mas funcionava na prática em certas ações como uma filial da PIDE-DGS». A Gládio/Aginter-Press esteve implicada nos assassínios de líderes revolucionários africanos de primeiro plano, como Amílcar Cabral e Eduardo Mondlane, este, presidente da FRELIMO, mas também Humberto Delgado, entre outros.
No caso de Mondlane, por exemplo, Roberto Leroy, braço direito de Guérain-Sérac, viajou para a Tanzânia, entre 1968 e 1969, alegando ser militante marxista-leninista e pró-chinês. Naquele país infiltrou-se junto dos principais líderes da FRELIMO, onde realizou uma desinformação cuidada, envenenando as relações entre os seus dirigentes, colocando os representantes das várias tendências do movimento uns contra os outros. Eduardo Mondlane acabou morto por um dispositivo explosivo sofisticado escondido dentro de um livro. Esta agência não imprimia nem livros nem brochuras, mas treinava terroristas de extrema-direita e efetuava golpes sujos e operações clandestinas no interior e no exterior das fronteiras de Portugal.
Em tempo, o extinto semanário O Jornal noticiou, «A rede stay-behind, concebida no próprio seio da NATO e financiada pela CIA cuja existência foi revelada por Giulio Andreotti, dispunha de um ramo em Portugal, activo nos anos sessenta e setenta. Tinha o nome de Aginter-Press». Na altura da descoberta dos arquivos desta agência, o tenente Moniz Matos ordenou a transferência para o Forte de Caxias de tudo quanto foi encontrado nas instalações da Aginter. Uma parte do carregamento — o que se encontrava nos escritórios e no laboratório — foi trancada numa sala do primeiro andar do Forte. Uma outra parte — as caixas e os dossiers com os recortes de jornais — ficaram amontoadas numa sala grande junto à escada central, por falta de espaço. Poucos dias depois, o comandante Abrantes Serra, novo responsável pelo Forte, incumbiu o tenente Costa Correia de proceder um inventário do material apreendido e de o examinar minuciosamente. Os primeiros relatórios do tenente Correia são surpreendentes: na realidade, a Aginter-Press não só escondia um escritório internacional de informações políticas, como servia de cobertura para uma importantíssima rede internacional de extrema-direita, o movimento Ordem e Tradição, que se definia como «Uma organização de ação e de combate em todos os momentos e em todos os países», tendo como braço militar, a ICAO – Organização Internacional do Ação Contre Communisme. O governo português hesitou em abrir um inquérito sobre a Aginter-Press e a guerra secreta, e acabou por decidir que todos os documentos fossem – foram alegadamente - destruídos pelos militares portugueses com receio de graves implicações diplomáticas com os governos de Itália, França, Alemanha, EUA e outros, caso as atividades da Aginter nos vários países fossem reveladas. O dossier da Aginter «foi subtraído à Comissão de Extinção da PIDE e da Legião Portuguesa e desapareceu definitivamente», lamentava o semanário O Jornal, uns anos mais tarde, num artigo consagrado à rede Gládio. A existência de relações entre a estrutura da Aginter-Press e as organizações de extrema-direita italiana, em particular, a Nova Ordem, foi confirmada durante as investigações realizadas pelos membros da Comissão de Extinção da PIDE/DGS a partir de parte do material encontrado na sede em Lisboa. Um documento revelador da natureza e ação da Aginter é uma carta de intimidação remetida a antifascistas na década de 60. Essa carta ostenta a figura de um capacete romano com a palavra Gladius, e é subscrita por «Os Centuriões». Dela destacamos as seguintes passagens: «Somos Cem. Poderíamos ser milhares a afirmar a Nação e defendê-la dos Abutres e dos Traidores: dos abutres de fora; dos traidores de dentro. - Para afirmar a Nação e defendê-la dos Abutres seremos dezenas de milhar. Para defender a Nação dos traidores somos Centuriões regressados de Angola, Moçambique e Guiné. Condenamos a traição que o governo e os seus órgãos não conseguem reprimir por meios legais. Somos cem que vimos tantas vezes a morte de perto que ela se tornou familiar. A morte será a nossa arma contra a traição!».
Não obstante uma boa parte dos seus membros já tivessem prestado serviços em diversos grupos anticomunistas de vários países nos anos anteriores, a Aginter-Press nasceu oficialmente em Lisboa em Setembro de 1966. Os seus fundadores foram motivados por temerem ações internas. O ditador Salazar e a PIDE temiam a desestabilização do regime, tendo, assim, apelado à Aginter-Press para a sua instalação e acção em Portugal e colónias.
Com instalações em França, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha Ocidental, a Ordem e Tradição editou regularmente um boletim de informações com o
mesmo nome, enviado a todos os seus seguidores. Como subtítulo afirmava, «veritas ubique», e o seu lema era: «melhor acender uma pequena vela do que maldizer a escuridão». Os boletins eram impressos em Dieppe, França. Por coincidência a sede francesa da Aginter-Press também tinha a mesma morado do impressor: Rue de la Republique, no53, na casa de Joseph Vannier. A Aginter-Press possuía correspondentes em Bona, Buenos Aires, Genebra, Saigão, Roma, Tel Aviv, Washington, Estocolmo e Taipé. Os seus agentes tornavam-se, frequentemente, auxiliares da PIDE executando missões em África, recrutamento de mercenários e, por vezes, assumiam-se eles mesmos como mercenários. Em França, além do seu trabalho de informação sobre a esquerda e a extrema-direita, o correspondente da Aginter era encarregado de espiar os emigrantes portugueses (cerca de um milhão entre os anos sessenta e setenta), em particular os opositores do regime de Marcelo Caetano e os dirigentes da esquerda nacional exilada nesse país. Tudo em estreita colaboração com os agentes da PIDE infiltrados na emigração portuguesa. Em Angola, Moçambique e Guiné os homens da agência desempenhavam missões de espionagem ou de provocação. Alguns estavam infiltrados nos movimentos de libertação, outros nas tropas portuguesas, onde agiam por conta da PIDE. Em Portugal os homens da Aginter eram particularmente ativos. Documentos descobertos na sua sede mostram que, na véspera do 25 de Abril, duas «operações pontuais» estavam em preparação: um rapto, que deveria acontecer num café de Lisboa, e um assassinato em Vila Franca de Xira. Gozavam da proteção do Governo e da estrutura da PIDE. Como forma de justificarem o nome por que se designavam – Aginter-Press – tinham um programa de propaganda na Emissora Nacional, com o título: «Voz do Ocidente», e colaboravam, ideologicamente, com jornais de extrema-direita como o Agora e o Vanguarda, entre outros. «A existência em Portugal de exércitos secretos próximos da CIA e da NATO foi revelada pela primeira vez em 1990, no seguimento da descoberta da Gládio italiana. Em Portugal, uma rádio lisboeta noticiou que tinham sido utilizadas células duma rede associada à Operação Gládio durante os anos cinquenta para apoiar a ditadura de extrema-direita do Dr. Salazar». (in Palmer, Jonh, "Undercover NATO Group 'may have had terror links'", The Guardian de 10 Novembro 1990).
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