Naquela manhã, Amir, de 3 anos, acordou resfriado. Kimera, sua mãe, que esse dia havia dormido mal, tocou a testa do filho e decidiu que o pequeno não iria ao jardim de infância. Sua irmã Melodie, de 5, estava muito contente e pronta para sair. Sempre teve um caráter privilegiado: era dessas meninas que não choram nem gritam, rápida e inteligente e, sobretudo, muito alegre. Kimera explicou que o filho mais velho do primeiro casamento de Raymond Nakachian, seu marido, a levaria ao colégio. Eram 8:15 da manhã da segunda-feira, 9 de novembro de 1987, e essa semana começaria da pior maneira possível. |
Melodie Nakachian nasceu em Las Vegas em 4 de janeiro de 1982. Filha de um milionário libanês e de uma cantora sul-coreana, hoje vive em absoluta reserva.
Raymond Junior se sentou ao volante do impressionante BMW vermelho. A seu lado estava sua mulher, Deborah Kallenbach, e, no assento de trás, iam as duas garotas: sua própria filha e sua meia irmã Melodie.
A emboscada
Em uma curva do caminho, a pouco metros da mansão onde viviam, uma furgão branca cortou o caminho. Raymond Jr. tentou dar marcha à ré, mas outro carro, vermelho e com placa de Gibraltar, conseguiu bloquear sua passagem. Não tinha como manobrar, enquanto quatro homens encapuzados desceram dos veículos e rodearam o BMW.
Dois portavam escopetas, um terceiro uma pistola e o quarto um aerossol paralisante. Sem dizer nem uma palavra, um deles, apontou a escopeta à cabeça de Raymond Jr. e engatilhou. O jovem ficou congelado. Os delinquentes sabiam exatamente quem era seu objetivo: abriram a porta de trás, agarraram Melodie pelo braço e arrastaram a menina à furgão branca, enquanto outro dos delinquentes cortava os pneus do BMW. Ato seguido subiram nos carros e desapareceram.
A comoção nacional
Em 9 de novembro de 1987, quando tinha só 5 anos, melodie foi sequestrada.
A comoção nacional não demorou a explodir. Mais de cem jornalistas se acotovelavam em frente à luxuosa Villa Melodie, a mansão da família, construída em um terreno de quase dez hectares que contém quatro edificações: duas casas de hóspedes, uma para os empregados e a majestosa construção principal. Também são parte desse cenário de filme, um heliporto e dois majestosos Rolls Royce. Um filme que derramará inconsoláveis lágrimas.
Corriam os anos 80 na Espanha, a década do luxo: gigantescos iates ancorados na costa, festas ostentosas e famosos que se mostravam sem pudor nos meios jornalísticos. O audaz sequestro da filha de um casal de milionários de alto perfil foi um golpe direto no coração do jet set de Marbella e prometia um alto impacto mediático.
O relato feito em partes pelos jornalistas, nos onze dias seguintes, mantinha em suspense não só os espanhóis senão a toda a Europa. Ninguém queria perder nem um capítulo do melodrama da vida real que atormentava a porta dos intocáveis: uma família rica, exitosa e exótica.
Um casamento a escondidas
Os pais de Melodie não eram desconhecidos na Espanha. Kimera era parte da família imperial da Coreia do Sul e uma cantora de ópera bem sucedida que tinha criado seu próprio estilo musical: popera (uma fusão de música pop com ópera). Enchia estádios na França, tinha dado a volta ao mundo com suas canções e era famosa por usar maquiagem e roupas exóticas no palco. Seu nome real era Kim Hong-Hee e pertencia à dinastia Simla.
Foi enquanto estava estudando literatura francesa, na exclusiva universidade de Sorbone, em Paris, que conheceu o empresário Raymond Nakachian. Ele tinha chegado à capital francesa a trabalho e a paixão entre eles se acendeu de forma imediata, mas tinha um obstáculo: a família de Kimera impôs como condição que ela não devia se apaixonar e nem se casar com nenhum estrangeiro, para que pudesse viver no exterior.
A máxima transmitida por seus pais era "a família coreana não se mistura". No entanto Kimera estava muito apaixonada para ser obediente e depois de alguns meses de namoro eles decidiram se casar, em segredo, no Egito.
O dilema familiar
Kimera ficou grávida de Melodie sem que seus pais soubessem que ela já estava casada com Nakachian. Sem saber o que fazer para contar a verdade aos pais, pediu ajuda a sua irmã, que vivia em Seattle, nos Estados Unidos. Como estava terminando 1981 e faltava algumas semanas para o Natal, a irmã pensou em propor uma reunião de toda a família, que vivia esparramada pelo mundo, em sua própria casa, quando aproveitariam para revelar, a seus estritos pais, a nova vida de Kimera.
O plano não deu certo. Quando chegou o momento de se encontrarem, Kimera entrou em pânico, com medo de enfrentar seu pai e optou por fugir, grávida e com seu marido, a Las Vegas. Ali nasceu Melodie em 4 de janeiro de 1982. Kimera já tinha completado os 28.
Eles viveram alguns anos nos Estados Unidos até que decidiram se mudar para a Costa do Sol, na Espanha. Nakachian comprou uma mansão com vistas espetaculares, na região de Nova Atalaya de Estepona, a poucos quilômetros da badaladíssima Marbella. Essa extravagante mansão foi batizada Villa Melodie, assim como a primeira filha. Pouco tempo depois, o casal já tinha se integrado ao seleto planeta de famosos e ricaços que se moviam pela região.
A apenas seis meses que tinham se instalado no paraíso ensolarado, ocorreu o caso que mudou suas vidas para sempre.
- "Sequestraram a Melodie!"
Depois que a bando de sequestradores desapareceu de sua vista levando Melodie, Raymond Jr. retornou desesperado a Villa Melodie e entrou em casa gritando aterrorizado:
- "Sequestraram a Melodie! Sequestraram a Melodie!". Ninguém entendeu nada enquanto ele engolia as palavras tentando contar o que acabara de acontecer. Quando seu pai por fim entendeu foi implacável em sua resposta:
- “Você deveria morrer antes de deixar que alguém levassem Melodie!" Na verdade, durante o resto de sua vida, o homem nunca mais voltou a falar com seu filho. Ele simplesmente não podia perdoá-lo.
A polícia logo percebeu que a organização criminosa era integrada por verdadeiros profissionais do delito. O primeiro a ir a casa, nesse mesmo dia, foi o comissário Ricardo Ruiz Coll, que vivia a poucos metros dos Nakachian. Ele estava convencido que, se pedissem um resgate, a família não devia pagar. Segundo sua opinião isso suporia um risco mortal para a menina e sugeriu entabular conversas com os captores.
A primeira carta que os sequestradores enviaram a Nakachian estava escrita a máquina e em maiúsculas. Nela ordenavam ao chefe de família:
- "A vida de sua filha depende de você, tem que se submeter a nossas ordens se não nenhuma negociação será possível. A polícia não tem que estar a par de nada." Mas esta carta, ninguém sabe (e nem saberá) o motivo nunca pelo qual não chegou a mãos do pai de Melodie. Apareceu tempo depois, debaixo de uma máquina de escrever, no escritório de Nakachian. Ele suspeitou de alguns de seus empregados, mas não conseguiu confirmar.
As horas voam.
Passaram 31 horas agonizantes até que Nakachian teve seu primeiro contato com a quadrilha. Foi através de um telefonema de um homem que falava em espanhol com forte sotaque francês e que dizia se chamar Oscar:
- "Somos as pessoas que temos sua filha. Ontem deixamos uma carta com seu motorista, recebeu?"
Oscar disse que Nakachian deveria reunir o resgate em numerário em apenas quatro dias. Essa primeira parte do rapto resultou desesperados para toda a família. Kimera, que não conseguia dormir e chorava sem parar, mergulhou em uma profunda angústia e começou a consultar videntes. Nakachian tentou manter à margem das negociações, mas estava destroçado e sentia-se absolutamente impotente. Ele chegou a se oferecer através do jornais para trocar sua vida pela de sua filha.
A polícia tinha diferentes teorias para o sequestro. O motivo podia ser uma vingança pelos negócios de Nakachian. O comissário Ruiz Coll temia que o caráter explosivo de Nakachian fizesse com que as coisas acabassem terrivelmente mal. Javier Fernández, da Brigada Central da polícia judicial de Madri, chegou à mansão dois dias depois do rapto, depois que foi encarregado para comandar as investigações do caso.
Quando atravessou a porta principal da mansão ele tinha apenas uma pista que vinha nada menos que do ministro do interior francês: um preso, fugitivo de um presídio francês, ia realizar uma operação muito importante no sul da Espanha. Esse presidiário se chamava Jean Louis Camerini.
Fernández tinha o desafio de averiguar de que se tratava a operação criminosa do ex preso. Podia ser qualquer coisa: um espetacular roubo, contrabando de drogas ou, também, poderia ser este sequestro. Ademais, ainda existiam as possibilidades de que o rapto fosse algo vinculado às atividades de Nakachian, um ajuste de contas ou uma vingança. Tudo era possível.
- "Papai se não pagar vou morrer!"
Durante o terceiro dia do sequestro, a família recebeu na madrugada um segundo telefonema dos delinquentes, quando indicaram que Nakachian fosse a uma conhecida discoteca de Marbella. Ali, às 2:30 da manhã, ele encontrou escrito em um porta-copos de papel a cifra astronómica que os sequestradores exigem: treze milhões de dólares em numerário (hoje essa soma equivaleria a mais de 30 milhões de dólares) em diferentes moedas e cédulas usadas.
O dinheiro devia ser repartido em marcos alemães, francos suíços, francos franceses e pesetas. E só tinha quatro dias para juntar tudo. Em uma entrevista, duas décadas depois, Nakachian relatou que o montante exigido equivalia a um quarto cheio de dinheiro.
Nakachian ficou furioso e decidiu mudar a dinâmica das conversas, sendo mais duro com os raptores, como já previra antes o comissário Ruiz Coll. Ele tentou contatar os sequestradores para saber realmente de sua filha e conseguiu.
Através de um telefonema à escola da garota, os delinquentes criaram um guia para que encontrassem uma comovente gravação de Melodie, que, com uma voz assustada, por momentos chorando, pede ao pais que atenda os bandidos:
- "Olá papa. Eu quero ver a mamãe e meu irmãozinho, papai por que você não paga? Eu estou muito triste quero ver a mamãe e meu maninho, por que não paga? Se você não pagar, eu vou morrer."
O coração do homem de rompeu em mil pedaços. Anos depois ele disse em entrevista que naquele momento, se tivesse uma chance picaria os sujeitos com suas próprias mãos. O sobre onde acharam a gravação tinha também uma mensagem escrita onde diziam que Melodie estava bem, mas reconheciam que chorava um pouco porque queria voltar para casa.
Nakachian não deixou que Kimera escutasse esta primeira fita gravada, pois temia que não suportasse. Sem ter ao que recorrer a mulher se agarrara aos videntes e à reza desesperada. Kimera recorreu também à televisão e enviou uma mensagem, em francês, aos sequestradores pedindo que cuidassem de sua filha, que lavassem o cabelo dela todos os dias, que, pelo amor de deus, a devolvessem. A sociedade comove-se com sua mensagem e não se falava de outra coisa naqueles em meia Europa.
A prova de vida de Melodie e a ordem de não pagar o resgate.
Nakachian decidiu exigir uma prova de vida irrefutável e estendeu em um dia o limite de tempo para pagar o resgate. Ele queria uma mecha de cabelo de Melodie e uma foto dela com o diário do dia. Os delinquentes aceitaram enviando uma foto que circulou por todos os jornais da época estremecendo a todos: Melodie usava a mesma roupa do dia do sequestro, com tranças enquanto sustentava o "Diário 16" com data de 13 de novembro de 1982. Sua cara de assustado e de cortar o coração.
As autoridades espanholas tinham dado ordem aos bancos que não entregassem a seus clientes grandes somas de dinheiro, pois não queriam que o pagamento do resgate de Melodie fosse feito. Fernández, que se converteu no interlocutor com os captores, conseguiu diminuir a astronômica soma a cinco milhões de dólares, enquanto tentava convencer o desesperado Nakachian para que não fizesse loucuras por sua conta nem pagasse a escondidas. Qualquer dessas ações poderia pôr em perigo a vida da pequena que já, a estas alturas, era uma testemunha sumamente comprometedora para os delinquentes.
A Europa estava comovida com o drama da família e começaram a chegar doações para que reunisse o dinheiro em numerário necessário para o resgate. As doações viam de todos os lugares: empresários espanhóis, colégios por meio de coletas solidárias e até um anônimo milionário belga enviou um milhão de dólares. Todo esse dinheiro foi, depois, devolvido aos que mandaram. Os gestos emocionaram tanto a Nakachian que ele nacionalizou espanhol.
Nakachian não podia manejar sua terrível ansiedade e chegou a dizer que se mataria ante as câmeras de televisão contanto que a libertassem. Mas, também, os ameaçou:
- "Se acontecer algo a minha menina, vou pagar 5 milhões a quem quer que seja para que esquartejem todos vocês."
Os fatos ocorreram a uma velocidade alucinante e, por isso, o Ministério do Interior decidiu mandar reforços a Estepona, com o número um da polícia espanhola para coordenar a frenética busca da menor: Pedro Rodríguez Nicolás, comissário geral da Polícia Judicial.
Todos os empregados da Villa Melodie eram considerados possíveis suspeitos e a imprensa seguia especulando com outros motivos para explicar o caso: extorsão, grupo de mafiosos mafiosas ou terroristas xiitas. A polícia rastreou cidades atrás de pistas, ao mesmo tempo que os sequestradores começaram a ameaçar que deixariam de alimentar Melodie e cortar toda comunicação se não aparecesse o dinheiro.
O dia que a sorte mudou.
O martírio chegava a seu oitavo dia quando, como descreveu Kimera mais tarde, interveio "a mão de Deus", quando uma mulher encontrou, perto de um conjunto habitacional na Costa do Sol de Torremolinos, uma carteira com 6.500 francos e um papelzinho dobrado que resultou ser um rascunho de uma carta em francês. Como não se falava de outra coisa, ela desconfiou do que se tratava e levou à polícia. A carta coincidia com uma das enviadas pelos sequestradores aos Nakachian.
Os investigadores não podiam crer em sua sorte e imediatamente começaram a revistar todas as moradias da região. Também visitaram todas as imobiliárias próximas para perguntar pelos apartamentos e casas que foram alugados por franceses.
O dono da carteira perdida era Jean Louis Camerini, o mesmo alertado anteriormente pelo ministro francês. A carteira caiu do bolso de sua bermuda quando, em sua rotina cotidiana, saiu para correr, cometendo um erro monumental.
A Interpol, que participava ativamente na investigação, informou que este homem era um conhecido mafioso francês. Através dele, chegaram ao único espanhol, nacionalizado francês, que integrava o bando: Angel García Menéndez. Este era quem dizia se chamar Oscar e o porta-voz que efetuava os chamados extorsivos à família. Foi quando começaram a seguir estes dois personagens.
Em 19 de novembro, o décimo dia sem Melodie, o agente policial Florentino Villabona começou seu turno às cinco da manhã: ele devia ficar de campana de longe no carro Opel preto de Angel García Menéndez. Florentino não descolou dele nem por um segundo durante todo o dia e terminou a noitinha em frente a conjunto habitacional.
Camerini, que não era novato em matéria de delitos, suspeitou que estavam seguindo de perto ele também e, liso com um bagre, acabou confirmando que tinha dois policiais encobertos à sua cola. Ele não duvidou em sacar sua arma e trocar tiros os agentes encobertos antes de fugir.
Ao mesmo tempo, mais detetives envolvidos no caso, visitaram a luxuosa casa alugada por García Menéndez, a 40 quilômetros de Madri, onde viviam sua mulher francesa e seu filho recém-nascido. Ali, em seu próprio jardim, descobriram vestígios do que foi um campo de tiro. O quebra-cabeças tinha começado, por fim, a tomar forma. De qualquer forma era importante que Camerini, depois do tiroteio, não pudesse avisar seus cúmplices que a polícia já estava atrás devido ao risco de vida da menina.
Havia uma vantagem descomunal da época: não existiam os celulares. Se Camerini quisesse alertar seus colegas, tinha que correr grandes riscos, e inclusive podia levar às autoridades para o local onde estava a menor sequestrada.
Foi nesse momento que pediram reforços à célebre GEO, o Grupo Especial de Operações, uma unidade de elite da polícia espanhola similar ao BOPE, mais assíduos do "tiro, porrada e bomba". No dia seguinte o resgate deveria ser pago, de modo que os homens do GEO decidiram agir às 4:30 da manhã no conjunto habitacional em Torreguadiaro, onde já tinham identificado vários sujeitos do bando criminoso.
Eles invadiram o único apartamento do primeiro andar explodindo a porta com uma detonação controlada e encontraram duas britânicas acocoradas e abraçadas no canto da sala.
- "Onde estão os malditos franceses?!, perguntou um dos oficiais. - "No terceiro C!", respondeu uma das mulher assustadas. A Força especial subiu, discretamente, os dois andares e repetiram a manobra de detonação na porta do terceiro C. Na escuridão avançaram e em um dos quartos acharam Melodie encolhida na cama.
A garota estava sedada e custodiada por dois membros da quadrilha. Um deles, Constant Georgoux, pegou a menina pelo pescoço como escudo e, com a outra mão, tentou colocar a escopeta em sua cabeça. Não conseguiu. Foi derribado por um tiro certeiro na testa.
A operação durou menos de cinco minutos e um dos policiais carregou Melodie nos braços pedindo que ficasse tranquila Porque estava tudo bem agora. Melodie respondeu muito segura e com calma:
- "Estou tranqüila, vocês são da polícia. Papa mandou vocês."
Tinham passado onze dias desde seu seqüestro. Ato seguido, os agentes ligaram à casa de seus pais e o agente Miguel Calahorro atendeu na mansão de Estepona. Depois de escutar a boa notícia, foi correndo, avisar Raymond Nakachian. O empresário explodiu de felicidade e abraçou Miguel tão efusivamente que conseguiu quebrar duas costelas dele. Sério!.
Mãe, pai e filha se reencontraram na delegacia e às 5:30 da manhã os três já estavam na Villa Melodie. A pequena foi recebida com aplausos, gritos de alegria e fotógrafos desesperados para registrar esse instante de extrema felicidade. Aturdida, Melodie, choramingou e acabou dormindo o sono dos anjos no colo da mãe depois de 11 dias infernais.
Os Pormenores de um rapto.
O resto do grupo criminoso foi detido nas imediações onde ocorreu a operação final. Só Camerini conseguiu escapar, mas o bagre ensaboado foi detido meses depois, na cidade de Barcelona.
Desde o princípio ficou claro que a quadrilha, de 18 integrantes, se movimentavam com muitíssimo dinheiro. Alguns deles chegaram a região em um luxuoso iate. Tinham, ademais, vários apartamentos e carros alugados. Só para que se tenha uma ideia, o encarregado de cuidar da pequena durante o rapto, cobrava uma fortuna de catorze mil dólares por dia de trabalho.
Os investigadores inteiraram-se, com o correr dos dias, que muitas vezes chegaram perto de seu objetivo. Certo dia, sem saber, estiveram a poucos metros de Melodie, quando revistavam um apartamento vizinho, que estava vazio, auscultando as paredes. Só encontraram uma máquina de escrever Olivetti e depois saberiam que era a usada pelos sequestrados para redigir as cartas a suas vítimas.
A investigações revelaram também, que os criminosos tinham contado com aliados dentro de elitista Colégio Aloha, de Marbella, frequentado por Melodie. Nadine Etienne, a mãe de uma amiga de classe da vítima, era a principal informante do bando. De fato, Nadine e Camerini participaram como palhaços em uma das festas dos Nakachian, celebrada antes do sequestro. O delito foi mínima e estrategicamente planejado.
Em um ato de hipocrisia suprema, Nadine foi visitar Kimera para lhe dar apoio moral durante o cativeiro de sua filha. Todos os integrantes do bando foram condenados a penas entre doze e vinte anos.
Lembrando sobre o caso, o agente Fernández, sustentou que se tivessem pago o resgate, como queria Nakachian a princípio, teriam matado Melodie, porque ela era uma menina muito inteligente e uma testemunha ocular perigosa. O próprio Nakachian contou, muito tempo depois:
- "Eu sabia que se ela aguentasse dois ou três dias viva, os sequestradores se apaixonariam por ela. Era uma garota que não chorava nem gritava, era falante e divertida."
Quem era Raymond?
Raymond Nakachian nasceu em Beirute, Líbano, em 1932. Com 20 anos, seus pais enviaram-no a estudar medicina no Reino Unido. Mas Raymond estava mais interessado em fazer negócios do que estudar.
Primeiro foi porteiro de uma importante discoteca de Glasgow. Depois, como era faixa-preta em judo, aproveitou para dar aulas de artes marciais. Foi nisso que estava quando conheceu um latifundiário de origem polonesa, de fama duvidosa, chamado Peter Rachman. Esse homem se converteu em seu protetor e juntos abriram, no final dos anos 50, o clube noturno mais exclusivo de Londres.
O lugar se tornou o favorito da aristocracia inglesa. Ali, no balcão, conheceu a sua primeira esposa com a qual teve quatro filhos. O mais velho, ainda que não fosse seu filho, assumiu e registrou como Raymond Junior. Seria este filho que, muitos anos depois, deixaria de falar para sempre depois do sequestro de Melodie por considerar que cometeu uma covardia.
Em um trecho de sua vida Raymond Nakachian morou no Japão durante dois anos. Ele, que era um homem que cheirava as oportunidades, teve a ideia de contrabandear ouro desde Londres a Tóquio, dentro dos faixas dos judocas. Com tanta má sorte, um deles teve um ataque de apendicite, durante um voo, e a tramoia foi descoberta.
Astuto para os negócios, hábil nas negociações e poliglota -falava francês, árabe, inglês, espanhol e russo fluentemente-, Nakachian, jurou sempre que isso foi a única coisa ilegal que fez em sua vida.
Prisão dívidas e câncer.
Em 2011, 24 anos após o momento mais tenso de suas vidas, o casal Nakachian recebeu à famosa revista Vanity Fair em Villa Melodie. A mansão já tinha uma ordem de execução por pesadas dívidas. Deviam muito dinheiro aos bancos e não podiam pagar. Raymond, com 79 anos, confessou nessa entrevista:
- "Não há banco no mundo que possa me tirar daqui, onde criou Melodie, onde sofremos seu sequestro e conseguimos seu resgate. Não quero sair de Villa Melodie."
A verdade é que a dívida, que superava os dois milhões e meio de euros, tinha origem em 2007, quando Nakachian foi detido durante uma viagem ao Marrocos. A ordem internacional para sua detenção vinha da Arábia Saudita e a causa eram alguns negócios que Nakachian tinha feito naquele país, décadas atrás.
Kimera, apaixonada como sempre por seu príncipe, hipotecou Villa Melodie. Precisava liquidez para fazer frente aos honorários dos advogados que deviam defender a seu marido para tirá-lo da prisão. Pagou um milhão e meio de euros aos advogados e Nakachian foi libertado. Nakachian declarou, então, ao diário espanhol O Mundo:
- "Sem nenhuma prova a mais que o falso depoimento de um motorista que me reclamava dez milhões de dólares, me levaram a um cárcere medieval". A maior parte desse dinheiro era devido ao banco dinamarquês Jyske Bank.
Nakachian, que tinha chegado a Espanha em 1980, com 60 milhões de dólares que tinha depositado no Banco da Andaluzia, morreu sem dinheiro por um câncer de bexiga, na madrugada de 3 de junho de 2014. Seus credores tiveram a piedade de deixá-lo partir em paz. Tinha 82 anos. E, sua querida Melodie, já tinha 32 anos.
Um ano após enterrar seu marido, Kimera, de 62 anos, teve que abandonar a Villa Melodie. Em 2 de julho de 2015, às 9:30 da manhã, entregou as chaves da mansão que foi seu lar durante mais de 30 anos. Um de seus advogados, Antonio da Herran Matorras, disse que estava destroçada, mas assegurou:
- "Ela vai voltar e comprar a casa de volta quando receber um dinheiro que lhe devem pelos direitos de suas canções." Mas a verdade é que, dos dez hectares originais, já restava muito menos pois os problemas econômicos obrigaram-na a ir vendendo terrenos aos arredores pra os novos ricos.
O paradeiro atual de Kimera, Amir e Melodie é incerto. O que se sabe, pelos advogados da família, é que Melodie não larga de sua mãe. Bem longe ficaram aqueles tempos em que o casal Nakachian pedia comida no avião desde o célebre restaurante francês Maxim. Ou, quando os garotos brincavam com barcos, no lago artificial do parque da mansão de Estepona. A excêntrica mansão de mármore carrara já tem outro dono, supostamente é de um xeque árabe.
A vida de Melodie.
Após o sequestro a família tentou recobrar um ritmo de vida normal e poucas semanas depois Melodie voltou às aulas, mas a partir daí o motorista era o próprio guarda-costas que a vigiava o tempo todo quando estava fora de casa. Para isso contrataram o famoso lutador marcial espanhol José Valero Ruiz. (foto abaixo)
Nunca foi a um psicólogo, segundo admitiram seus próprios pais. Eles, como tratamento sui generis, a levaram ao apartamento onde ficou retida. Kimera explicou que eles pretendiam que visse que era uma casa normal.
Depois do sequestro, também gravou uma canção com sua mãe chamada "Mother", cuja letra escrita por Raymond e composta por Franck Pourcel, um destacado diretor de orquestra francês.
Também assistiu com seus pais a uma jornada do julgamento contra seus sequestradores, em 1991. A própria Melodie, já com 9 anos, sustentou em uma entrevista que compareceu para ver se dizem coisas que não eram verdade. Após um par de notas jornalísticas em que participou quando pequena, não quis dar nunca mais entrevistas. Kimera explicou em uma reportagem:
- "Minha filha não quer falar mais. Prefere o anonimato e que não a reconheçam nos aeroportos."
Melodie estudou na Universidade San Luis, de Madri, e se formou em psicologia e depois se graduou em meteorologia no campus de Denver, Colorado, Estados Unidos. Os poucos que a conhecem dizem que é uma mulher fascinantemente linda e que fez um curso de maquilhagem profissional em Los Angeles, para não repetir os exageros da mãe.
Ela chegou a morar brevemente na Coreia do Sul, onde deu aulas de inglês sob identidade anônima, mas assim que foi reconhecida, nada mais transcendeu dela. Hoje, com 38 anos, Melodie segue convicta que seu rosto lhe pertence. Quer zero exposição mediática. Sabe que ser uma perfeita desconhecida é o melhor passaporte para sua felicidade.
www.mdig.com.br
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