AVISO

OS COMENTÁRIOS, E AS PUBLICAÇÕES DE OUTROS
NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO ADMINISTRADOR DO "COMO UM CLARIM DO CÉU"

Este blogue está aberto à participação de todos.


Não haverá censura aos textos mas carecerá
obviamente, da minha aprovação que depende
da actualidade do artigo, do tema abordado, da minha disponibilidade, e desde que não
contrarie a matriz do blogue.

Os comentários são inseridos automaticamente
com a excepção dos que o sistema considere como
SPAM, sem moderação e sem censura.

Serão excluídos os comentários que façam
a apologia do racismo, xenofobia, homofobia
ou do fascismo/nazismo.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Carlos Coutinho - Ode à mascara


 Carlos Coutinho in facebook




Ode à máscara

AGORA que todos os britânicos estão dispensados de usar a máscara anticovid-19 e de praticarem o distanciamento físico de segurança, estejam lá onde estiverem, espero com curiosidade as primeiras imagens de hospitais, comboios, salas de aulas e estádios de futebol. Como já entrámos na quarta vaga da peste, parece ser a preparação da quinta.
Posso estar a ver piolhos na outra banda – oxalá me engane! – mas Boris Johnson, a mais loira e malsã versão europeia de Trump e Bolsonaro, quererá, certamente, continuar a exportar combates de futebol e de rua, além de covid19, como os que escorraçou para o Porto e para o Algarve no mês passado.
Pensemos apenas na máscara já que, desde os alvores da tragédia grega entre outros serviços, ela fazia o milagre de transformar uma personagem noutra, igualmente viva e saltitante, sem trocar de actor. E, por economia de memória, avancemos dois milénios. Imaginemos o que seria a cara do pançudo Henrique VIII, por exemplo, se Ana Bolena lhe chegasse à cama, sempre de máscara bem afivelada, para esconder o nojo, ou com uma máscara de cada vez, para dar a ilusão ao seu dono de que ele possuía um harém.
Na verdade, a fracassada Ana mostrava-lhe a cara que ele pensava ser a verdadeira e, por isso, quando lhe falharam certos planos, a Torre de Londres encarregou-se da solução e ele até ficou a ser o Papa da terra dele, o que não é coisa de somenos, como pensa a sua vetusta descendente Isabel II.
Cabe, então, especular também sobre que máscara teria usado a virgem Joana d’Arc para poder matar tantos ingleses e bretões à espadeirada, ou a insaciável Lucrécia Borja para idênticos fins, ou a Papisa Joana, ou mesmo a governanta de Salazar. E isto para só termos em conta algumas das mulheres que passaram os melhores anos das suas vidas a esconder frustrações, ou aleivosias ou recordações monstruosas.
De homens nem vale a pena falar. O próprio senhor da dita governanta é uma eloquentíssima amostra, em estilo seminarista e coimbrão, de como nenhuma máscara, por mais abençoada que esteja, consegue ser tão hedionda como certos mascarados.
E também não escondem outras hipóteses as máscaras do Carnaval de Veneza.
E quem sabe se não se passa o mesmo na versão brasileira do mesmo Entrudo, com penachos estapafúrdios e ausência de trajes, a pontos de exportarem imitações patéticas para Portugal?
E os paramentos dourados e opacos do oficiante em cada missa cristã?
E os adereços mágicos do batuque na orla de uma floresta africana, onde tantas vezes reluzem à noite vários pares de olhos piscos, talvez espantados com a algaraviada nervosa das timbilas e dos tambores, mas tementes do fogo?
Já vi de tudo isto, sempre que o seu tempo foi o meu. Até já passei por Durban, em frente do tempestuoso e gentílico Índico, onde Fernando Pessoa não precisava de máscaras, porque só escrevia em inglês e ainda nem sequer tinha mergulhado no delírio dos horóscopos que o forçaram a morrer tão cedo no Bairro Alto, sem a menor contemplação pela sua pobre Ofélia.
E não ignoro que se desconhece a proveniência da palavra máscara. Alguns acreditam que seja originária do latim antigo (“masca”, ou “mascus”, que significa “espectro”), ou do árabe (“maskharah”, sinónimo de "palhaço" e de "disfarce", ou mesmo do verbo “sakhira” que é ser “ridículo", ou ainda do hebreu (“masecha” significa “ele zombou, ridicularizou”).
Outra versão, bem mais plausível no português, acha que máscara veio do étimo italiano “maschera”, que se expandiu por toda a Europa, infiltrando-se em vátrios idomas, como, por exemplo no inglês, “mask”, ou no polaco, “maska”.
Registos arqueológicos que chegaram até nós, demonstram a utilização de máscaras em pinturas rupestres, utilizadas talvez para que uma entidade superior intercedesse para que a prática da caça fosse de sucesso, mas também nos rituais mágicos, na comunicação com os deuses e os antepassados.
O uso das primeiras máscaras parece ter sido dos neandertais e terá ocorrido pelo menos a partir do ano 9 000 a.n.e.
Desgraçadamente mantém-se de mil formas nos dias que correm.
Fico, para já, a pensar nas máscaras que diariamente me aparecem nos telejornais. E também, porque não?, nas que milhões de franceses tiveram de usar a partir de anteontem, em 1940, quando o marechal Pétain, aceitando a submissão a Hitler, instituiu o governo de Vichy.
Por mais que te escondas atrás da máscara, estamos sempre a topar-te

Sem comentários:

Enviar um comentário