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Talvez o termo “anti-vax” seja demasiado forte para ser usado num país onde, “desde 1965, as pessoas têm uma adesão muito elevada ao Programa Nacional de Vacinação”, nas palavras de Teresa Fernandes, responsável pelo Programa Nacional de Vacinação e membro da equipa de vacinação Covid da Direção Geral da Saúde, em entrevista à Rádio Renascença. Sobretudo após semanas em que os centros de vacinação contra a Covid-19, em Portugal, registaram uma elevada afluência, com filas quilométricas de jovens adultos inscritos para receberem a primeira dose de vacina.
Ainda assim, motivados pelo medo ou pela desconfiança, há quem hesite em relação à vacinação. Oito argumentos para, numa realidade em que a vacina não é obrigatória, explicar aos mais relutantes a importância de escolherem ser vacinados contra a Covid-19.
1. As vacinas salvam vidas e são eficazes
As vacinas foram desenvolvidas para prevenir doença grave, hospitalização e morte. Tendo em conta estes objetivos, os ensaios clínicos realizados para as várias vacinas atribuiram-lhes eficácias entre os 90% e os 95 por cento.
A eficácia das vacinas no mundo real tem vindo a ser comprovada e é evidente em Portugal. Além de a subida de novos casos não ser acompanhada por um aumento propocional do número de mortes, de acordo com a diretora-geral da Saúde, Graça Feiras, em entrevista à TSF no domingo, dos 2,9 milhões de pessoas com a vacinação completa há mais de 14 dias, apenas 3580 (0,1%) foram infetadas.
Os dados da DGS , disponibilizados à VISÃO a 1 de julho, mostram ainda que, dos 2,3 milhões de pessoas com a vacinação completa até essa data, só 49 haviam sido internadas (80% tinha mais de 80 anos) e 11 doentes totalmente imunizados tinham morrido (todos eles acima dos 70 anos).
2. São muito importantes para proteger os doentes crónicos e os membros mais velhos da família (mesmo que já tenham sido vacinados)
“À partida, qualquer pessoa que tenha uma fragilidade de saúde está mais sujeita a complicações decorrentes de uma infeção por Covid-19″, afirma o investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (iMM) Miguel Prudêncio, explicando que estas pessoas têm fragilidades que as tornam mais vulneráveis “à doença em geral e a esta em concreto”.
Para quem acha que estas fragilidades associadas à sua doença, sejam ela diabetes, problemas cardíacos ou hipertensão, aumentam os risco de desenvolverem reações adversas à vacina, é importante perceberem, diz Miguel Prudêncio, que “essas mesmas fragilidades são precisamente a razão para terem um risco acrescido de contrair a doença e, por isso, não são razões para não se vacinar, mas sim para se vacinar”.
Os especialistas enfatizam ainda a importância de vacinar pessoas saudáveis que costumam estar em contacto com doentes crónicos e idosos. Quando há alguém com 40 ou 50 anos que escolhe não ser vacinado por ser saudável e ter os elementos de risco da família, como os pais, já vacinados, não se deve esquecer que, apesar de as vacinas terem uma eficácia na ordem dos 90%, existe ainda uma hipótese reduzida de 10% que estes membros vulneráveis possam ser infetados pelos filhos não vacinados.
“Está mais do que demonstrado que a probabilidade de lhes transmitirem a doença será menor se tomarem a vacina”, comenta Miguel Prudêncio. Um artigo publicado, a 30 de junho, no The New England Journal of Medicine mostra que quem foi infetado com Covid, após ter sido vacinado, apresentava uma carga viral 40% mais baixa do que aqueles que não tinham sido inoculados.
3. A escolha é entre a vacina ou o vírus
No início deste mês, em entrevista à VISÃO, Henrique Gouveia e Melo, coordenador da task force do plano de vacinação contra a Covid-19, declarou que, quem não quer se vacinado “mais tarde ou mais cedo, acaba por ser! Se não for imunizado com uma das vacinas disponíveis, irá, muito provavelmente, ser imunizado com a “vacina natural”, ou seja, será infetado pelo vírus. A vacinação é um processo controlado e com pouco risco associado, enquanto a “vacinação natural” é um processo não controlado, com um risco associado muito superior”.
4. Não há qualquer perigo associado à proteína spike que o nosso corpo produz após ter sido vacinado
Segundo vários especialistas, do imunologista da Fundação Champalimaud Thiago Carvalho ao presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia Paulo Paixão, passando pelo investigador principal do Instituto de Medicina Molecular Miguel Prudêncio e o imunologista do mesmo Instituto Luís Graça, não existe qualquer tipo de evidência que indique que a proteína spike produzida nas nossas células após termos sido vacinados com uma vacina de mRNA (Pfizer ou Moderna) é tóxica ou mata células no nosso organismo.
Os especialistas referem que acontece precisamente o contrário: os anticorpos e as células T da imunidade celular que construímos irão matar as células que apresentarem a proteína à superfície e guardar a informação que aprenderam para o caso de, um dia, serem infetados pelo SARS-CoV-2.
“É o processo normal, quer dizer que o corpo reconhece o antigénio e destrói as células onde ele está presente”, explica Paulo Paixão, sublinhando que é também esta a razão de alguns efeitos secundários, como a febre ou cansaço, que certas pessoas sentem nos dias imediatamente após terem sido vacinadas.
Além disso, as vacinas de mRNA não injetam proteína spike no nosso corpo, mas sim instruções sobre como produzi-la. Esta é produzida, na sua grande maioria, junto do local da injeção e cerca de 14 dias após a primeira dose desaparece.
5. Os efeitos secundários da vacina da AstraZeneca são mais raros que os da pílula ou do viagra
A probabilidade de ocorrência de efeitos secundários, causados por medicamentos, obedece a uma norma estabelecida pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e hierarquiza-se em muito raro (<1/10.000) , raro (≥1/10.000, <1/1.000), pouco frequente (≥1/1.000, <1/100), frequente (≥1/100, <1/10) e muito frequente (muito frequentes (≥1/10).
Longe da bitola estabelecida para a categoria muito raro (menos de um caso em 10 mil) encontra-se a ocorrência de tromboses com redução acentuada do número de plaquetas em pessoas que tomaram a vacina da Astrazeneca, (menos de um caso em 100 mil). “Uma prevalência de um em 100 mil nem existe”, comenta Francisco Batel Marques, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, relembrando ainda que “não há medicamento que seja eficaz e não tenha efeitos adversos”.
É certo que, apesar de um caso em 100 mil ser “objetivamente uma probabilidade muito baixa”, neste caso, “o problema é estarmos a falar de um efeito adverso, potencialmente, bastante grave”, diz Miguel Prudêncio.
Mas uma rápida pesquisa no Infomed, a base de dados de medicamentos de uso humano do Infarmed, revela que, por exemplo, o viagra apresenta entre vários efeitos secundários raros (≥1/10.000, <1/1.000), morte súbita, enfarte do miocárdio e arritmia ventricular e a pílula pode provocar, raramente (≥1/10.000, <1/1.000), tromboembolismo venoso ou tromboembolismo arterial.
O ex Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos José Aranda da Silva defende mesmo que o risco tromboembólico deste tipo de contracetivo “é muito maior do que este da vacina”. No caso da AstraZeneca, explica o farmacêutico, estamos perante “pessoas que não sabiam que tinham uma doença rara, que se desencadeou na altura em que tomaram a vacina”.
Efeito secundário muito raro (<1/100.000) da vacina da Astrazeneca: coágulos no sangue
Efeitos secundários muito raros (<1/10.000) do ibuprofeno: palpitações, insuficiência cardíaca, enfarte do miocárdio e edema pulmonar agudo.
Efeitos secundários muito raros (<1/10.000) do paracetamol: asma analgésica, trombocitopenia (redução de plaquetas no sangue), dispneia, acessos de sudação, náuseas, queda da tensão arterial, choque
Efeitos secundários raros (≥1/10.000, <1/1.000) do Viagra: morte súbita, enfarte do miocárdio e arritmia ventricular.
Efeitos secundários raros (≥1/10.000, <1/1.000) da pílula contracetiva: tromboembolismo venoso e tromboembolismo arterial.
6. O Infarmed monitoriza a segurança das vacinas de forma intensiva e permanente
Precisamente para que se possam identificar efeitos secundários como o da vacina da AstraZeneca é que existe um processo de farmacovigliância que permite acompanhar o processo de vacinação e detetar coisas que, pela sua raridade, não foram detetadas na altura dos ensaios clínicos.
Esta farmacovigilância permanente serve para monitorizar o que está a acontecer, detetar precocemente efeitos raros e tomar medidas rápidas para ajustar o esquema de vacinação de consequência. Exemplo disso é o facto de a vacina da AstraZeneca ter deixado de ser dada a pessoas abaixo dos 60 anos.
Quem quiser analisar os números diretamente pode consultar o relatório de farmacovigilância do Infarmed, disponível ao público. Até 26 de junho, o Infarmed registou 8470 reações adversas em mais de oito milhões de administrações de vacina. Cerca de três mil foram consideradas graves. E 55 pessoas morreram (com uma média de 78,5 anos), sem que se tenha estabelecido uma relação causal com a imunização. O imunologista da Fundação Champallimaud Henrique Veiga-Fernandes relembrou recentemente à VISÃO que “estamos a falar de poucos milhares de efeitos secundários em milhões de vacinas administradas”.
7. Fortalece a sua comunidade
Proteger-nos a nós para protegermos os outros é algo que poderíamos associar ao domínio da moral. Mas a evidência científica tem demosntrado que, efetivamente, é isto que se passa quando nos vacinamos.
Um estudo, publicado a 10 de junho na revista científica Nature Medicine, veio mostrar que,em média, numa dada comunidade, por cada 20% de vacinados, a probabilidade de os não vacinados contraírem infeção diminuía para metade. “Isto quer dizer que quem está vacinado também está a proteger as pessoas não vacinadas na comunidade”, explica Miguel Prudêncio.
Mesmo que uma pessoa seja jovem e saudável, com poucas probabilidades de desenvolver doença grave, a probabilidade de contrair infeção mantém-se igual, sublinha o especialista. E, neste momento, ficar doente com Covid-19 tem impactos significativos naquilo que se pode ou não fazer. Para todos os efeitos, vivemos em estado de pandemia e um teste positivo significa, por exemplo, obrigação de isolamento profilático e absentismo escolar, no caso das crianças, “que ficam com a vida impactada tanto em tempo de aulas como nas férias, sem poderem sair de casa”.
Assim, os vacinados desempenham um papel particularmente importante na proteção dos 5% que não são abrangidos pela eficácia das vacinas, das pessoas que não podem ser vacinadas (pessoas com alergias graves) ou das pessoas que ainda não foram vacinadas (crianças ou pessoas que estavam doentes na altura em que deviam ter sido vacinadas).
Estes últimos, apesar de poderem não desenvolver doença grave, se forem infetadas têm de se sujeitar a medidas de isolamento que, em certos contextos familiares, sublinha Miguel Prudêncio, podem condicionar muito a sua vida (donos de restaurantes que podem ir à falência, pais que não têm possibilidades para ter os filhos em casa quando há surtos nas escolas, etc).
8. Os não-vacinados são potenciais “fábricas de variantes”
“As pessoas não vacinadas são potenciais fábricas de variantes”, uma vez que as mutações que se replicam podem-se tornar variantes e os hospedeiros não vacinados permitem isso mais facilmente. O aviso é de William Schaffner, professor na Divisão de Doenças Infeciosas do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt.
Tendo em conta que a única fonte de novas variantes do coronavírus é o corpo de uma pessoa infetada, quanto mais pessoas não vacinadas houver, mais oportunidades existem para o vírus se multiplicar.
9. A vacinação em massa ajudar-nos-á a voltar à vida mais depressa
Ainda que voltar ao tempo em que as máscaras não faziam parte do dia-a-dia possa parecer uma meta longínqua, encontrar um equilíbrio entre proteção e normalidade pode ser mais fácil com um maior número de pessoas vacinadas. Como, em maio, Manuel Carmo Gomes explicou à VISÃO, “o vírus é como uma mola. Quando tiramos a mão da mola, que é como quem diz desconfinamos, temos de pôr um contrapeso”.
Para o epidemiologista, os únicos contra-pesos que temos são precisamente a vacinação e a testagem, que nos vão permitir “aguentar mais um pouco” e superar “a prova de fogo” que será setembro e outubro.
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