Os motoristas TVDE, que dependem de plataformas móveis para trabalhar, receiam o surgimento de “um novo proletariado digital”, com o degradar da profissão caso o modelo de negócio não venha a ser regulamentado.
“O modelo de negócio ou muda ou desaparece, com um senão, se o modelo de negócio desaparece leva de arrasto outros modelos de negócio como o táxi, por exemplo, porque neste momento o TVDE é um ‘cancro na sociedade’. Isto não é bom para ninguém: o TVDE só consegue gerar rendimento para pagar as despesas. A plataforma apenas retira valor ao trabalho e nem sequer paga impostos aqui em Portugal”, diz à Lusa Paulo Silva, motorista e sindicalista.
De acordo com dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, fornecidos aos sindicatos, estão registados em Portugal 29 mil motoristas TVDE (Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados) e 7.400 empresas ligadas ao setor.
Um projeto de criação do Sindicato de Motoristas TVDE de Portugal integra “algumas centenas de pessoas e muitos fazem parte do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários Urbanos de Portugal (STRUP), afeto à CGTP.
Paulo Silva, motorista TVDE desde 2018 na zona da Grande Lisboa e sindicalizado no STRUP, explica que atualmente os motoristas tem “dois patrões”: a plataforma digital, "como a UBER", e a própria empresa, sendo que “a esmagadora maioria” trabalha a recibo verde.
“O motorista está registado na plataforma, mas o motorista para trabalhar para a plataforma ‘A’, ‘B’ ou ‘C’ só o pode fazer através da figura do ‘parceiro’, portanto, através de uma empresa. Supostamente essa empresa deveria ter uma responsabilidade social perante esse funcionário. Mas como é que é possível? As empresas não gerem o negócio.
Não têm mão para gerir o negócio e não geram rendimento para conseguirem exercer as responsabilidades sociais perante os motoristas”, lamenta Paulo Silva.
As preocupações dos motoristas TVDE são partilhadas pela CGTP que considera caótica a situação específica destes trabalhadores.
“O que está a acontecer neste momento é uma autêntica ‘selva’, é ao que estes trabalhadores estão submetidos. São um número muito elevado de trabalhadores que trabalham para estas plataformas (digitais) e os trabalhadores ficam completamente desprotegidos e isto não pode ser”, disse à Lusa a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha.
Em Portugal foi criada a figura do “parceiro”, empresário unipessoal ou por quotas, para o setor TVDE, mas a plataforma digital não paga impostos, tornando-se difícil, ou mesmo impossível, cumprir obrigações sociais.
Os trabalhadores que dependem das plataformas digitais alertam para a situação de trabalho precário e iminente desemprego que podem agravar ainda mais a situação social em Portugal.
As aplicações de telemóvel, “como a UBER”, são um intermediário entre um cliente que quer ser transportado e alguém que está disponível para o fazer, mas “o parceiro não tem voto na matéria”.
“Hoje é cinco euros, amanhã é quatro e depois são três euros e qualquer dia os motoristas estão a pagar para trabalhar, são obrigados a fazer mais de 15 ou 16 horas na rua e no final do mês não lhe é garantido sequer um ordenado mínimo”, critica Paulo Silva.
“Os direitos têm que ser assumidos da plataforma para a empresa parceira, pondo à plataforma custos em relação ao trabalho, mas a plataforma provavelmente não está muito interessada porque vai deixar de ser interessante ter aqui em Portugal 29 mil pessoas a dormirem dentro do carro”, acrescentou o sindicalista do STRUP e motorista TVDE.
No essencial, frisa, os preços das viagens “são baratos” para o cliente, mas a margem de lucro para o motorista é cada vez menor, agravando a condição dos trabalhadores.
“A tutela tem de definir um rendimento mínimo estável. Ou seja, um valor base de quilómetro e minuto. Ou seja, abaixo daquele valor o parceiro não pode receber. Vejo isto com muita preocupação porque este negócio como está não tem viabilidade nenhuma e nem sequer tem futuro”, diz Paulo Silva, lamentando a falta de empenhamento dos vários partidos políticos a nível parlamentar.
“Os partidos atiram para a revisão da lei, para novembro de 2021 que é quando a lei faz três anos que entrou em vigor. Dizem que têm de analisar. Analisar o quê? Nós já demos os dados todos, com provas evidentes e até agora nada acontece”, conclui o sindicalista.
O trabalho, designadamente o trabalho precário para plataformas digitais, é um dos temas que vai estar em debate na Cimeira Social, nos dias 07 e 08 de maio, no Porto, onde vai ser debatido o plano de ação da Comissão Europeia para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, entre agentes políticos, parceiros sociais e sociedade civil.
O plano estipula como metas, para 2030, que 78% dos adultos na Europa tenham emprego, que pelo menos 60% das pessoas façam uma ação de formação uma vez por ano e que sejam retirados da pobreza “pelo menos” 15 milhões de europeus, dos quais cinco milhões de crianças.
PSP // MDR
Lusa/fim
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