A extinção da borboleta Glaucopsyche xerces, de três centímetros de envergadura, vista pela última vez nas dunas dos arredores de São Francisco há quase 80 anos, poderá ter sido um prenúncio do que os cientistas temem: uma extinção global dos insectos. Espécime preservado. Fotografado na Academia de Ciências da Califórnia
Os insectos estão a desaparecer a uma velocidade alarmante e isso poderá ser catastrófico para o planeta.
Texto: Elizabeth Kolbert
Fotografias: David Liittschwager
As borboletas não paravam de chegar, primeiro aos milhares, depois às dezenas ou mesmo centenas de milhares. As suas asas eram castanhas por baixo e de um tom cor de laranja por cima, parecendo pedacinhos de raios de sol enquanto voavam. O cenário era maravilhoso, inspirador de admiração e até um pouco desconcertante.
Encontrei a nuvem de borboletas (tecnicamente falando, uma irrupção de Nymphalis californica) num dia de Verão, de céu azul luminoso, na Sierra Nevada. Passeava a pé por Castle Peak, uma montanha a noroeste do lago Tahoe, na companhia do biólogo Matt Forister, da Universidade de Nevada. As borboletas de Castle Peak são uma das populações de insectos mais estudadas do mundo: há quase 45 anos que, todos os verões, são submetidas a um recenseamento quinzenal. A maior parte dos dados foram recolhidos pelo mentor de Matt, Art Shapiro, entomólogo dedicado e professor da Universidade da Califórnia, que registou a informação em fichas.
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O vasto mundo dos insectos: No Arizona (EUA) e no Equador, o fotógrafo David Liittschwager captou retratos de dezenas de criaturas de uma classe (Insecta) que inclui milhões de espécies. Na idade adulta, todas possuem seis patas, corpo com três regiões e um exosqueleto rígido. Para lá disso, a diversidade é a regra. Encontram-se aqui representados dez grupos: os escaravelhos (Coleoptera); as baratas e as térmitas (Blattodea); as borboletas e as traças (Lepidoptera); as moscas (Diptera); os percevejos e cigarrinhas (Hemiptera); as abelhas, as vespas e as formigas (Hymenoptera); os bichos-pau (Phasmida); os megalópteros (Megaloptera); os neurópteros (Neuroptera); os gafanhotos e os grilos (Orthoptera).
Depois de introduzirem os dados do recenseamento em computador e de os analisarem, Matt Forister e a sua equipa concluíram que as borboletas de Castle Peak começaram a entrar em declínio em 2011. Estávamos a discutir os motivos desse declínio quando nos aproximámos do cume e nos vimos envolvidos na névoa cor de laranja.
“A ideia de os insectos estarem a sofrer é chocante e eu percebo isso”, disse Matt, acrescentando: “Os insectos fazem isto, pelo que parece extravagante” a ideia de um declínio.
Vivemos no Antropocénico, uma era definida pelo impacte dos seres humanos sobre o planeta. Apesar disso, em vários sentidos, são os insectos que dominam o mundo. Estima-se que dez triliões de insectos voem, rastejem, pairem, marchem, escavem e nadem por todo o lado. Em variedade, os números são igualmente impressionantes: cerca de 80% de todos os diferentes tipos de animais são insectos. São eles que mantêm o mundo tal como o conhecemos: sem insectos para as polinizarem, a maioria das plantas com flor morreria.
Segundo o famoso comentário do biólogo Edward O. Wilson, se os seres humanos desaparecessem de repente, a Terra “regeneraria, recuperando o abundante estado de equilíbrio que existia há dez mil anos”. Mas “se os insectos desaparecessem, o ambiente colapsaria”.
Um lençol retroiluminado recolhe grande abundância de insectos nocturnos numa estação de campo da Amazónia equatorial. Em locais menos isolados, armadilhas luminosas e até os pára-brisas dos automóveis revelam uma diminuição acentuada do número de insectos. As alterações climáticas, a perda de habitat e os pesticidas são responsáveis pela situação. Fotografado na Estação Iyarina, em Gomataon
Por conseguinte, é alarmante que, na maioria dos locais recentemente observados pelos cientistas, se tenha descoberto que o número de insectos está a diminuir. Isto acontece em zonas agrícolas e em locais selvagens, como Castle Peak. Muito provavelmente, também ocorre no seu quintal.
A sociedade entomológica de Krefeld, na Alemanha, armazena as suas colecções no edifício de uma antiga escola. As salas de aula contêm agora caixas cheias de frascos e esses frascos encontram-se, por sua vez, cheios de aglomerados de insectos mortos flutuando em etanol.
Se existisse um ponto de partida para a crescente preocupação com o declínio dos insectos, seria esta escola. “Não contamos os frascos, porque o número muda todas as semanas”, disse Martin Sorg, o curador principal da colecção. Ele estima que “existam várias dezenas de milhares”.
No fim da década de 1980, Martin e os colegas decidiram averiguar a situação dos insectos em diferentes tipos de áreas protegidas da Alemanha. Para tal, montaram armadilhas Malaise, um dispositivo que parece uma tenda triangular inclinada. As armadilhas capturavam tudo o que voasse para o interior, incluindo moscas, vespas, traças, abelhas, borboletas e neurópteros. Todas as capturas eram acondicionadas em frascos.
O que se perdeu. Entomólogos de Krefeld, na Alemanha, recolheram insectos voadores durante duas semanas de Agosto de 1994 (à esquerda) e no mesmo local, com armadilha idêntica, em Agosto de 2016 (à dreita). Dados semelhantes recolhidos em 63 áreas de paisagem protegida da Alemanha forneceram resultados chocantes: uma diminuição de 76% da biomassa dos insectos entre 1989 e 2016. Fotografado na Sociedade Entomológica de Krefeld
A fase de recolha durou mais de vinte anos até acumular dados sobre 63 áreas protegidas, sobretudo no estado da Renânia do Norte-Vestefália, onde se situa Krefeld. Em 2013, os entomólogos regressaram a dois locais onde tinham recolhido amostras pela primeira vez em 1989. A massa de insectos capturados nas armadilhas foi uma pequena fracção do conjunto recolhido 24 anos antes. Voltaram aos mesmos locais em 2014 e recolheram novas amostras em mais de uma dezena de outros. Independentemente da localização, os resultados eram semelhantes.
Para interpretar os resultados, a Sociedade mobilizou a ajuda de outros entomólogos e especialistas em estatística, que analisaram meticulosamente os dados. A análise confirmou que, entre 1989 e 2016, a biomassa de insectos voadores em áreas protegidas da Alemanha diminuíra 76%, uma percentagem gigantesca.
Esta conclusão, publicada na revista científica “PLOS One”, desencadeou manchetes em jornais de todo o mundo. O “The Guardian” falou num “Armagedão ecológico”, o “New York Times” num “Armagedão dos insectos”. O “Frankfurter Allgemeine Zeitung” declarou que “estamos no meio de um pesadelo”. Segundo o Altmetric, um sítio na Internet que acompanha o número de referências online a investigações publicadas, o estudo foi o sexto ensaio científico mais discutido de 2017. A outrora desconhecida Sociedade Entomológica de Krefeld foi inundada de pedidos de depoimentos da comunicação social, situação que se mantém até hoje. “Não existe, simplesmente, um fim”, suspirou Martin Sorg.
Desde o estudo de Krefeld que os entomólogos de todo o mundo examinam registos e colecções. Alguns cientistas argumentam que os estudos que apresentam referências a alterações dramáticas têm mais probabilidade de publicação do que os que não o fizerem. Mesmo assim, os resultados são sugestivos. Investigadores que estudam uma floresta protegida no estado de New Hampshire (EUA) descobriram que o número de escaravelhos diminuiu mais de 80% desde meados da década de 1970 e que a diversidade dos insectos como um todo sofrera uma redução de quase 40%.
Junto do rio Mosela, na Alemanha, Martin Sorg, curador-chefe da Sociedade Entomológica de Krefeld, segura um frasco com amostras recolhidas numa armadilha Malaise, um dispositivo semelhante a uma tenda para capturar insectos voadores. Os membros da Sociedade monitorizam estas armadilhas desde a década de 1980.
Num estudo sobre borboletas realizado nos Países Baixos, apurou-se que o número de insectos diminuíra ali quase 85% desde finais do século XIX, enquanto um estudo sobre efemerópteros realizado na zona superior do Centro-Oeste dos EUA concluiu que as populações de insectos tinham sido reduzidas para menos de metade desde 2012. Na Alemanha, uma segunda equipa de investigadores confirmou os resultados de Krefeld, concluindo que, entre 2008 e 2017, o número de espécies de insectos nas pradarias e florestas do país – com base numa recolha repetida de amostras em centenas de locais em três zonas protegidas distantes entre si – sofrera um declínio superior a 30%.
“É assustador, mas é compatível com o cenário apresentado num crescente número de estudos”, resumiu Wolfgang Weisser, professor da Universidade Técnica de Munique.
Os seres humanos podem adorar borboletas e detestar os mosquitos, mas, na verdade, desconhecem a maior parte dos insectos. Isto diz muito mais sobre as criaturas de duas pernas do que sobre as criaturas de seis patas.
Os insectos são, de longe, as criaturas mais diversificadas do planeta, de tal forma que os cientistas ainda hoje desenvolvem esforços para apurar quantas espécies diferentes existem. Já foram identificadas cerca de um milhão de espécies de insectos, mas deverão existir muitas mais por descobrir. Uma estimativa recente propôs um total de cinco milhões.
Uma única família de vespas parasitóides, Ichneumonidae, engloba cerca de cem mil espécies, um número superior ao total de espécies conhecidas de peixes, répteis, mamíferos, anfíbios e aves. Aliás, a simples existência desta família, disse Charles Darwin a um amigo, era suficiente para provar que a teoria bíblica da criação estava errada, pois nenhum “Deus bom e omnipotente” conceberia um parasita tão macabro e assassino. Há outras famílias de insectos igualmente diversificadas: crê-se que existirão sessenta mil espécies de Curculionidae, conhecidas como gorgulhos.
Os insectos encontram-se em quase todos os tipos de habitats terrestres. Foram observados plecópteros nos Himalaia, a altitudes de 5.600 metros, e peixinhos-de-prata em grutas mais de 900 metros abaixo da superfície terrestre. A mosca Ephydra thermophila vive à beira de escaldantes fontes geotérmicas em Yellowstone, enquanto Belgica antarctica sobrevive ao frio revestindo os ovos com uma espécie de gel anticongelante. O mosquito Polypedilum vanderplanki, oriundo de regiões semiáridas de África, tem larvas que encolhem em épocas muito secas, formando flocos desidratados e entrando num estado de animação suspensa do qual pode recuperar passados mais de 15 anos.
Há várias espécies de escaravelhos do género Pseudoxycheila nas terras altas do Equador (e mais de 350 mil espécies em todo o mundo). Este alimenta-se provavelmente de outros insectos existentes no solo da floresta. As manchas amarelas podem enganar os predadores, tornando o escaravelho parecido com vespas, cujas picadas são terríveis. Fotografado na Estação Biológica de Yanayacu
O que justifica esta variedade tão gigantesca? Muitas explicações têm sido propostas e a mais simples delas é: os insectos são antigos. Muito antigos. Contam-se entre os primeiros animais a colonizar regiões terrestres, há mais de quatrocentos milhões de anos, ou seja, quase duzentos milhões antes do aparecimento dos primeiros dinossauros. Esta história tão longa permitiu que a diversidade dos insectos se fosse acentuando ao longo do tempo.
No entanto, a capacidade para ocupar diferentes nichos ambientais também deverá ter sido importante. Os insectos são tão pequenos que uma única árvore pode alojar centenas de espécies, na medida em que alguns perfuram as cascas, outros as folhas e outros alimentam-se das raízes. Este tipo de “repartição de recursos”, como lhe chamam os ecologistas, permite que muitas espécies de insectos habitem mais ou menos o mesmo espaço.
Além disso, existe outro facto: pelo menos em termos históricos, os insectos têm tido taxas de extinção baixas. Há alguns anos, investigadores examinaram o registo fóssil da maior subordem de escaravelhos, a Polyphaga, um grupo que inclui famílias como Scarabaeidae, Elateridae e Lampyridae. Concluíram que nenhuma família do grupo se extinguira ao longo da sua história evolutiva, nem sequer durante a extinção em massa ocorrida no final do Cretácico, há 66 milhões de anos. Também por isso, esta conclusão sugere que os declínios agora detectados se afigurem mais sinistros.
Todos os Outonos, milhares de investigadores juntam-se na reunião anual da Sociedade Americana de Entomologia. No Outono de 2019, a reunião decorreu em Saint Louis e a sessão com maior influência intitulava-se “Declínio dos Insectos no Antropocénico”. Um após outro, os sucessivos oradores apresentaram as dolorosas provas. Martin Sorg discutiu o trabalho do grupo de Krefeld, Matt Forister documentou a diminuição de borboletas nas Sierras. Toke Thomas Høye, um investigador da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, relatou o declínio do número de moscas que visitam as flores no Nordeste da Gronelândia e a entomóloga May Berenbaum, da Universidade de Illinois, referiu-se a uma “crise global dos polinizadores”.
As populações de espécies pertencentes a cinco grandes ordens de insectos sofreram perdas. Das 2.200 espécies acompanhadas em termos de tendências populacionais pela União Internacional para a Conservação da Natureza, quase metade estão em declínio.
David Wagner, entomólogo da Universidade de Connecticut, organizara a sessão. Chegada a sua vez de falar, chamou a atenção para um “enigma”. Os oradores tinham-se mostrado praticamente todos de acordo quanto às dificuldades enfrentadas pelos insectos, mas não havia consenso quanto à causa. Alguns culpavam as alterações climáticas, outros as práticas agrícolas ou outras agressões do habitat dos insectos. “É fenomenal que tenhamos tantos cientistas a estudar este problema, mas ainda não existam certezas quanto aos factores de stress”, comentou.
Algumas semanas após a sessão, encontrei-me com David no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. O museu tem uma das colecções de insectos mais abrangente do mundo. De forma mais ou menos aleatória, ele abriu um armário de Bombus, os abelhões. Numa gaveta, havia Bombus dahlbomii, uma das maiores abelhas do planeta, que costumava ser comum em grande parte do Chile e da Argentina. Nos últimos anos, as suas populações caíram a pique.
O grande desconhecido. Os cientistas acham que existem quase mil vezes mais espécies de insectos do que de mamíferos (dos quais conhecemos 5.500) e identificaram apenas um quinto destas.
Outra gaveta estava cheia de Bombus affinis, que se distinguem pela presença de uma marca avermelhada no dorso. Endémicos do Centro-Oeste e Nordeste dos EUA, também costumavam ser comuns, mas o seu número é agora tão reduzido que estão classificados como espécie ameaçada.
“Já não os encontramos”, disse David Wagner. Ele explicou que existe outra espécie, o Bombus bohemicus, cujo modo de vida é invadir os ninhos de outros abelhões, incluindo o Bombus affinis, comendo as larvas deste e substituindo-as pelas suas. “Essa abelha também está a desaparecer”, afirmou.
Perguntei qual a sua opinião sobre a causa do declínio dos insectos. De certo modo, disse ele, a resposta era óbvia: “Com sete mil milhões de pessoas no planeta, era de esperar que houvesse organismos a entrar em declínio.” Para se alimentarem, vestirem, alojarem e transportarem, os seres humanos estão a alterar o planeta de formas profundas – arrasando florestas, lavrando pradarias, plantando monoculturas, despejando poluentes na atmosfera. Cada uma destas actividades é um factor de stress para os insectos e outros animais. As populações de quase todos os grupos animais estão a diminuir.
“Sabemos que estamos a viver uma crise de biodiversidade”, resumiu David Wagner.
Mesmo assim, o ritmo de desaparecimento dos insectos documentado por estudos recentes é intrigante. Resultados como os de Krefeld sugerem que os insectos estão a diminuir significativamente mais depressa do que outros grupos de animais. Porquê? Os pesticidas são uma das possibilidades. Embora se destinem às espécies consideradas “pragas”, os químicos não fazem distinção entre os insectos que danificam as culturas e aqueles que as polinizam. As próprias áreas protegidas da Alemanha podem ser afectadas por pesticidas, uma vez que muitas são adjacentes a regiões agrícolas. No entanto, em alguns locais onde têm sido relatados declínios acentuados – como as montanhas White em New Hampshire – o uso de pesticidas é mínimo. Daí o enigma.
“Neste preciso momento, há que averiguar até que ponto os insectos estão mais em perigo do que outras espécies”, disse David Wagner. “É urgente. Pela primeira vez, creio que os seres humanos estão de facto preocupados com os serviços ecossistémicos e com tudo o que os insectos fazem para manter o planeta.”
Na sua variedade quase infinita, os insectos executam uma miríade de tarefas, muitas das quais não lhes são creditadas. Cerca de três quartos de todas as angiospérmicas dependem de insectos polinizadores: as abelhas e abelhões são os mais populares, mas as borboletas, as vespas e os escaravelhos também pertencem a este grupo. A maior parte das culturas de fruto precisa de insectos polinizadores.
No “jardim zoológico” formado por sacos cheios de folhas do Posto de Investigação de La Selva, na Costa Rica, alojam-se centenas de lagartas… e as vespas parasitas que vivem dentro delas. Os investigadores tentam estudar estas espécies antes que desapareçam. “É ciência desesperada”, resume o ecologista Lee Dyer.
Os insectos também são essenciais para a dispersão das sementes. Muitas plantas equipam as suas sementes com pequenos apêndices, conhecidos como elaiossomas, que estão repletos de gorduras e outros nutrientes. As formigas transportam a semente, consomem apenas o elaiossoma, e deixam o resto a germinar.
Os insectos, por sua vez, servem de alimento aos peixes de água doce e a praticamente a todos os tipos de animais terrestres. Os répteis insectívoros incluem as osgas, os anolis e os escíncidos. Os musaranhos arborícolas e os papa-formigas são mamíferos insectívoros. As andorinhas, os parulídeos, os pica-paus e as carriças são algumas das aves que se alimentam essencialmente de insectos.
Até as aves que são omnívoras na idade adulta dependem frequentemente dos insectos enquanto juvenis. Alguns chapins, por exemplo, criam os seus pintos exclusivamente com lagartas e são necessárias mais de cinco mil lagartas para uma ninhada atingir a idade da muda da pena. Um estudo recente sobre as aves da América do Norte concluiu que o seu número também tem diminuído acentuadamente: quase um terço desde 1970. As espécies com dietas maioritariamente à base de insectos têm sido das mais atingidas.
Os insectos intervêm igualmente de forma decisiva na decomposição, mantendo a roda da vida a girar. Ao ingerirem excrementos, os escaravelhos-bosteiros ajudam a devolver nutrientes ao solo. As térmitas fazem o mesmo ao consumirem madeira. Sem insectos, a matéria orgânica morta começaria a acumular-se. Reunidas as condições certas, as larvas das moscas varejeiras podem consumir 60% de um cadáver humano numa semana.
É difícil atribuir um valor monetário a este trabalho, mas dois entomólogos tentaram fazê-lo em 2006. Examinaram quatro categorias de “serviços prestados por insectos” (“enterro de excrementos, controlo de pragas, polinização e alimento de animais selvagens”) e estimaram um valor de 52,4 mil milhões de euros por ano, só nos EUA.
O posto de investigação de La Selva dista apenas 56 quilómetros da capital da Costa Rica, San José, mas, para chegar lá, é necessária uma viagem de automóvel de duas horas.
Numa folha de La Selva, vespas parasíticas na fase de pupa amontoam-se sobre a lagarta moribunda que as nutriu e cuja população mantêm sob controlo. “O declínio das vespas parasíticas é catastrófico para qualquer ecossistema terrestre”, diz Lee Dyer. O local perdeu muitas espécies de ambos os tipos de organismos. Fotografado no Posto de Investigação de La Selva
Antigamente, um dos mais animados locais nocturnos de La Selva era um pequeno pavilhão equipado com um lençol branco e uma lâmpada de luz negra acesa para atrair insectos. O número de insectos capturado no lençol era tão grande que os visitantes do posto ficavam acordados até de madrugada para observá-los. Nas duas últimas décadas, porém, o espectáculo tem perdido brilho. Na verdade, já nem sequer há espectáculo. Duas viagens até ao pavilhão em noites quentes e húmidas no passado mês de Janeiro renderam três traças, um gorgulho, um percevejo e alguns mosquitos. “Quando aqui vim pela primeira vez, era um autêntico ponto de encontro”, confessa Lee Dyer, ecologista da Universidade de Nevada, referindo-se ao pavilhão. “Agora, vemos poucos insectos: talvez um ou dois.”
Lee trabalha em La Selva desde 1991. A sua investigação concentra-se na interacção entre insectos e as suas plantas hospedeiras. Vários insectos dependem de outros insectos para viver. A maioria das vespas parasitas, por exemplo, põe ovos nos corpos de lagartas, usando os hospedeiros como uma despensa viva: as larvas das vespas devoram gradualmente as lagartas a partir do interior. Outros insectos, conhecidos como hiperparasitóides, põem os ovos no interior dos corpos dos parasitóides ou sobre estes. Até existem insectos que parasitam hiperparasitóides.
Com a ajuda de alunos e voluntários, Lee Dyer tem recolhido lagartas em La Selva, criando-as para ver o que delas emerge: traças, nalguns casos, e parasitóides noutros. À semelhança dos membros da Sociedade Entomológica de Krefeld, ele não se predispôs a encontrar evidências sobre o declínio dos insectos. Foram estas que o encontraram. Uma das suas alunas de pós-graduação, Danielle Salcido, examinou recentemente duas décadas de dados e descobriu que a diversidade das lagartas em La Selva diminuiu quase 40% desde 1997. A diversidade dos parasitóides diminuiu ainda mais: cerca de 55%.
Os parasitóides ajudam a manter sob controlo muitas lagartas que se alimentam de culturas agrícolas, pelo que é expectável que os prejuízos agrícolas possam aumentar com o seu declínio. Danielle descobriu que alguns grupos de lagartas propensas a explosões demográficas estavam a aumentar, apesar de a maioria das lagartas se encontrar em declínio. A diminuição das interacções entre lagartas e parasitóides também significa que cadeias alimentares inteiras poderão desfazer-se, antes de os seres humanos terem oportunidade de as descobrir. “Licenciei-me em Inglês”, disse Lee Dyer. “E este tipo de interacções, estas histórias, são como poemas.” Quando se perdem tantas, “é como um incêndio numa biblioteca”.
Uma armadilha luminosa montada nas montanhas Chiricahua, no estado do Arizona (EUA), exibe uma presença predominante de grandes borboletas nocturnas da espécie Hyles lineata e percevejos. A equipa de Lee Dyer não registou declínios das lagartas neste local. Em anos anteriores, porém, esta armadilha capturou muito mais insectos e mais raros. Fotografado no Posto de Investigação do Sudoeste, Museu Americano de História Natural
A maioria dos dados de longo prazo relativos a insectos foram obtidos em zonas temperadas da Europa ou dos EUA. No entanto, cerca de 80% do total de espécies de insectos vivem nos trópicos, o que torna as conclusões de Lee Dyer e Danielle Salcido potencialmente mais importantes.
La Selva está rodeada de unidades agrícolas, o que gera problemas como a fragmentação de habitats e uso de pesticidas, mas Lee acredita que os principais motivos para o declínio são as alterações climáticas. Ele aponta para o aumento de eventos climáticos extremos, como as cheias. Muitas espécies de insectos “são susceptíveis a condições climáticas extremas, sobretudo nos trópicos”, disse. “Não estão adaptadas a grandes flutuações.” Dan Janzen e Winnie Hallwachs são especialistas em ecologia tropical da Universidade de Pensilvânia. Passam parte do ano em Filadélfia e parte a norte da cidade de Liberia, na região ocidental da Costa Rica, numa casa que partilham com qualquer animal selvagem que ali se instale, incluindo amblipígios e morcegos. Quando um visitante vindo de La Selva lá chegou, Winnie apontou para uma barata com sete centímetros de comprimento que estava sob o lava-loiça. “Eu digo às pessoas que os livros são apenas comida para térmitas”, acrescentou Dan, gesticulando em direcção a um pequeno monte de papel desfeito numa das estantes.
A paisagem circundante é muito diferente da de La Selva. Aqui predomina a floresta tropical seca e, no alto das montanhas, floresta nebulosa em vez da floresta húmida das zonas baixas. No entanto, também ali Dan e Winnie constaram um declínio dramático dos insectos. Winnie recordou que, em meados de 1980, quando adquiriram o primeiro computador pessoal, o ecrã atraía tantos insectos durante a noite que tiveram de montar uma tenda dentro de casa e trabalhar lá dentro.
“Agora estou num estado em que qualquer insecto que atravesse a minha secretária, à noite, vai parar a um tubo de plástico com álcool”, juntou Dan. Ele tinha voltado à Costa Rica há duas semanas e recolhera apenas nove insectos.
Esta libelinha vive junto de ribeiros rodeados por árvores no Leste da América do Norte. Este espécime de cinco centímetros é oriundo das montanhas Great Smoky. Alimentando-se de mosquitos, é devorado por aves e rãs. É uma de quase três mil espécies conhecidas de libelinhas, da mesma ordem que as libélulas. Ao contrário de muitas, não está em perigo. Fotografado na Estação de Campo de Biologia da Universidade de Tennessee
Esta equipa também atribui grande parte do declínio às alterações climáticas. Dan Janzen, de 81 anos, disse que, quando começou a visitar a Costa Rica em 1963, a estação seca durava quatro meses. “Actualmente, temos uma estação seca de seis meses, pelo que todos os insectos cujas vidas estavam organizadas para uma estação seca de quatro meses recebem agora dois meses extra. Ficam sem alimento, sem estímulos ambientais e tudo começa a desmoronar-se.”
O que se pode fazer para inverter estas tendências sinistras? Tudo depende das causas. Se forem, sobretudo, as alterações climáticas, só uma acção global de redução das emissões pode fazer a diferença. Se os pesticidas ou a perda de habitat forem os principais culpados, então as acções regionais ou locais podem ter grande impacte.
Num esforço para proteger os polinizadores, a União Europeia baniu a maioria dos pesticidas neonicotinóides, que vários estudos associaram a declínios de aves e insectos. No Outono passado, o governo alemão adoptou um “programa de acção para a protecção dos insectos”, que pedia o restauro de habitats, o fim do uso de insecticidas em determinadas áreas e da produção de glifosato. É possível que este herbicida esteja a eliminar plantas essenciais para a subsistência dos insectos e as investigações sugerem que também poderá afectar o respectivo sistema imunitário. “Não podemos viver sem insectos”, sublinhava o plano de acção.
Recentemente, um grupo de cinco dezenas de cientistas apresentou como proposta um “mapa das estradas” para a conservação dos insectos, com as seguintes recomendações: “Dar passos agressivos no sentido de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa”, preservar mais áreas naturais como refúgio para os insectos e impor um controlo mais estrito das espécies exóticas.
No sector das montanhas Great Smoky sob jurisdição do estado do Tennessee, Graham Montgomery, doutorando da UCLA, recolhe insectos na folhagem, na tentativa de reproduzir um levantamento feito há 70 anos. Como os dados sobre insectos a longo prazo são raros, é difícil apurar a dimensão do seu declínio. No passado, não era frequente os entomólogos contarem insectos. Havia sempre muitos.
“Há muitas acções possíveis, independentemente do resultado final, que serão boas práticas”, disse David Wagner. “Tudo o que se relacionar com o clima estará no topo da minha lista. Se se reduzir o uso de pesticidas para fins estéticos, como nos relvados, será uma vitória para o planeta.”
Uma das poucas organizações do mundo que se dedicam expressamente à conservação de invertebrados é a Sociedade Xerces, sediada em Portland. Esta sociedade foi baptizada em homenagem à Glaucopsyche xerces, uma borboleta endémica da península de São Francisco que se extinguiu na década de 1940 devido à urbanização.
Certo dia, acompanhei o director da Xerces, Scott Black, em visitas a alguns dos seus projectos cooperativos no vale central da Califórnia. Enquanto conduzia o automóvel, Scott lembrou-se de um dos seus primeiros amores, um Mustang comprado quando era adolescente, em 1979. Era preciso lavá-lo constantemente, pois ficava cheio de insectos mortos no pára-brisas. Agora, Scott raramente precisa de raspar insectos do seu carro. Este fenómeno tem sido tão amplamente notado que se tornou conhecido como o “efeito pára-brisas”.
Quilómetro após quilómetro, fomos passando por campos plantados. O meu interlocutor abanava a cabeça. As explorações agrícolas do vale costumavam estar rodeadas por secções com erva onde os insectos se refugiavam. Agora, tendem a ser aradas uniformemente. “Só vejo ausência de habitat.” Acabámos por chegar a Bixler Ranch. Nesta herdade de 520 hectares, cultivam-se amêndoas e mirtilos e os seus proprietários decidiram trabalhar com a Xerces para plantar sebes vivas e devolver à paisagem alguns habitats perdidos ao longo de mais de meio século de agricultura intensiva. Uma sebe foi plantada. Arbustos mais altos como roseiras silvestres e sabugueiros alternavam com outros mais pequenos. O dia estava quente e muitas plantas pareciam sequiosas. Mesmo assim, várias abelhas zumbiam nas imediações. “Se tomarmos estas acções, elas vêm”, disse Scott.
“As plantas e os insectos formam o tecido deste planeta”, prosseguiu. “Estamos a rasgá-lo em pedaços e precisamos de cosê-lo novamente.”
nationalgeographic.pt
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