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domingo, 16 de maio de 2021

Gestor de redes sociais do Chega e "melhor amigo" de Ventura suspenso pelo Twitter



"Falta muito mato para desbravar. Não restará nem um esquerdopata no fim. Amen."


Este tuite, de 8 de janeiro, em comentário ao de uma jovem que dizia "Sou uma pessoa muito feliz por ser de esquerda. Que se cumpra o 25 de Abril", sugerindo uma erradicação ou extermínio de pessoas de esquerda, é um exemplo do tipo de publicações de Luc Mombito - que se apresentou esta semana em tribunal como gestor das redes sociais do Chega -, no Twitter, onde vários utilizadores assumem tê-lo bloqueado e denunciado tuites seus por ameaças, insultos e aquilo a que na gíria da internet se dá o nome de trollar (e que consiste em assédio e importunação sistemáticos e discurso de ódio).




Poderá ter sido devido a essas denúncias de comportamento abusivo que Mombito viu a sua conta pessoal suspensa por aquela rede social; outra hipótese é o veicular de negacionismo pandémico, que o Twitter tem considerado motivo de suspensão - é que Mombito se assume claramente negacionista. Como por exemplo num post de Facebook de 29 de dezembro de 2020 no qual se lê: "Assuste-se quem quiser, pense-se o que bem apetecer, imagine-se o que for do agrado de quem imaginar, choque-se quem achar que deva, mas eu, Luc Ngambo Ngunda Mombito, não vou em embustes, tenham eles a dimensão que tiverem, porque o infinito e a razão são muito mais latos que qualquer abrangência planetária. Resumindo, não vou na treta covidesca!" 

A 15 de março, escrevia: "Eu espero e rezo nunca vir a ser vacinado com essas tretas das vacinas do Covid 19 (...)". E ainda esta quarta-feira usava aspas para as mortes por Covid: "(...) nada me enche a vista quando o Covid "mata" (...)."

Ao contrário do que sucede com suspensões corriqueiras, nas quais a conta fica visível (pode ler-se o histórico de publicações) e o utilizador é apenas impedido de publicar durante algum tempo, a de Mombito está inacessível, com o aviso "esta conta foi suspensa", como sucedeu por exemplo a Donald Trump quando o Twitter decidiu bani-lo. 

O DN entrou em contacto com a equipa de comunicação da empresa para tentar saber o que motivou este tipo de suspensão, mas até à publicação desta notícia não houve resposta. Também Luc Mombito foi contactado, via Facebook, onde tem duas contas (uma das quais como "figura pública") e e através da assessoria de comunicação do Chega, no mesmo sentido, igualmente sem sucesso.





O "faz tudo" do Chega que fez o tuite que o partido mandou apagar

Mombito, que num vídeo de 7 de abril da Juventude do Chega se afirma "funcionário" e um "faz tudo do partido", esteve esta segunda-feira no Tribunal Cível de Lisboa para, como testemunha num processo que apelida de "estrume", atestar ter sido o autor de um tuite de 22 de janeiro na conta Twitter identificada como "conta oficial do partido" e pelo qual o Chega foi processado.

Publicado na antevéspera das eleições presidenciais (a 22 de janeiro), o tuite em causa, que esteve em linha durante mais de três meses - até pelo menos 23 de abril, quando o DN deu a notícia da existência da ação contra o partido - e foi entretanto apagado, por ordem da direção, insistia na ideia veiculada por André Ventura no debate televisivo com Marcelo Rebelo de Sousa a 6 de janeiro na campanha das presidenciais. Neste, o líder do Chega exibiu uma foto do Presidente da República com uma grupo de sete pessoas negras (incluindo uma criança de três anos), dizendo: "Esta fotografia mostra tudo o que a minha Direita não é. Nesta fotografia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente. (...) Porque esta fotografia que está aqui, (...) não foi tirada depois na esquadra de polícia, foi tirada só, entre aspas e vão-me desculpar a linguagem, à bandidagem."

Tal como sucedeu com Ventura no debate, o tuite de que Mombito assume ser autor não identificava as pessoas constantes na foto (todas da mesma família, os Coxi), ou sequer a ocasião em que foi captada (4 de fevereiro de 2019, no Bairro da Jamaica, numa visita surpresa de Marcelo na sequência de confrontos entre habitantes daquele bairro e a PSP). Limitava-se a exibir a imagem daquelas pessoas negras com Marcelo como contraponto a uma fotografia de Ventura em frente à Assembleia da República, acompanhado de três homens brancos, um dos quais com uma tshirt do Movimento Zero (que se apresenta como um movimento de polícias anónimos e surgiu na sequência da condenação de agentes da PSP por agressão, sequestro e insultos a jovens negros do bairro da Cova da Moura). 

Como legenda das imagens, lia-se: "Eu prefiro os portugueses de bem".

Mombito desmente Chega em tribunal

Na ação cível colocada contra Ventura e o Chega, e que os levou na segunda-feira a tribunal, estes são acusados pelos sete que estão naquela foto com Marcelo de os terem instrumentalizado, "em função da cor da sua pele e da sua posição socioeconómica, para efeitos da narrativa de uma campanha política, procurando animar sentimentos discriminatórios de uma parte do eleitorado."

As ofensas em causa - apelidá-los de "bandidos", "bandidagem", oposto de "portugueses de bem", foram, creem os autores da ação, "motivadas por uma intenção de humilhar e diminuir pessoas negras e residentes em bairros sociais degradados - isto é, por ódio racial e de posição socioeconómica - para ganhar popularidade eleitoral. (...) Deliberadamente e sem qualquer conhecimento de facto sobre qualquer aspeto da vida destas pessoas [André Ventura] serviu-se da imagem e do local de residência dos Autores para ilustrar, a milhões de pessoas, a personificação de pessoas que são o oposto dos "portugueses de bem", que são criminosos, (bandidos)."

Contraditando as afirmações de Ventura com os dados biográficos daquelas sete pessoas, a ação declara: "Enquanto instrumento de campanha eleitoral, esta imagem não conhece antecedente na história da democracia portuguesa - nunca um político se serviu da imagem de cidadãos anónimos e particularmente desfavorecidos para ilustrar o grupo de pessoas que não merecem ser representadas por si, caso seja eleito."

Luc Mombito, que como os Coxi é negro, tendo nascido no Congo há 39 anos e vivendo em Portugal desde os 12 (quando segundo o próprio e porque "havia problemas" no país natal se reuniu ao pai, Alexis Joseph Mombito Manzambe, que trabalhava na Embaixada do então Zaire em Lisboa), usou muito recentemente esse mesmo termo, "bandidos", para designar todos os moradores das favelas, bairros pobres e marginalizados do Brasil. "O socialista Guterres a acudir aos bandidos", escreveu no Facebook a 7 de maio, na partilha de uma notícia da TSF titulada "ONU expressa preocupação e pede investigação de ação policial que provocou 25 mortes no Brasil / O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Rupert Colville, confirma uma longa tendência ao uso desnecessário e desproporcional de forças nas favelas, bairros pobres e marginalizados."

Ante a juíza Francisca Preto, no Tribunal Cível de Lisboa, Mombito declarou ser "gestor das redes sociais" do partido. Contradisse assim o respetivo secretário-geral, Tiago Sousa Dias, que na mesma audiência tinha asseverado o contrário, procurando afastar do partido a responsabilidade pelo tuite.

Sousa Dias, que depôs antes de Mombito, chegou até a afirmar que aquela conta de Twitter não é do Chega: "Aquela conta [de Twitter] é gerida por uma pessoa que trabalha para o partido mas não tem essas funções [de gerir a conta]. 

É secretário pessoal de André Ventura e é motorista quando é preciso. A conta é-nos próxima mas não a reconhecemos juridicamente como ligada ao partido."

Sucede que a conta de Twitter em causa, como já foi referido, ostenta a frase "conta oficial do partido" e a secção de redes sociais da página oficial do Chega tem link direto para ela, como a advogada da família Coxi demonstrou em tribunal.





O "afilhado" de Mobutu que chama "asneira" à democracia portuguesa

DN procurou obter junto de André Ventura e do Chega um esclarecimento sobre o estatuto daquela conta de Twitter - trata-se ou não do Twitter oficial do partido, e se não o é, por que é que a página do partido remete para ali? - assim como o de Luc Mombito. Sobre este, o jornal pergunta se se trata ou não do "gestor das redes sociais" do partido, e, caso afirmativo, se o Chega considera adequado alguém cujo comportamento levou à sua suspensão no Twitter estar a gerir as suas redes sociais.

Estas perguntas foram primeiramente remetidas para André Ventura via SMS, na terça ao final da manhã, mas como este não respondesse foi no dia seguinte contactada a assessora de imprensa do Chega e as questões enviadas para esta por mail. Apesar da insistência do DN, este sábado ainda não havia resposta.

Luc Mombito, que no referido vídeo da juventude do partido se apresenta como um conselheiro de Ventura - "Naturalmente haverá opiniões minhas, humildes opiniões ou pareceres que o meu amigo e presidente do partido possa escutar e ponderar" - e sentir-se "a cumprir uma missão", nasceu em Kinshasa, na hoje República Democrática do Congo, a 10 de maio de 1982. Identifica-se como sendo da "realeza bantu" (a sua bio na desaparecida conta de Twitter definia-o como "Católico/ Conservador-liberal eco/ Bantú royalty/ Luso-Congolês / SPORTING / CHEGA! Political Analyst") e já deu a entender ter uma relação familiar com o ditador Mobutu Sese Seko (em algumas notícias é referido como "afilhado"), exemplo de nepotismo, crueldade e corrupção, que se estima terá acumulado de 1965 a 1997, enquanto governou, uma fortuna pessoal de cerca de cinco mil milhões de euros e em relação a quem já existiam evidências de corrupção desde pelo menos 1982, data do nascimento de Mombito. Na conversa com a Juventude do Chega, este reconhece que após a queda de Mobutu a família passou por dificuldades e "teve de refazer novamente a vida". A 4 de fevereiro, chamava "querido tio" a Christophe Mboso, político congolês que já foi candidato à presidência do país e que nessa data tinha sido eleito presidente da Assembleia Nacional.

De acordo com a sua conta na rede profissional Linkedin (na qual se apresenta como sediado em Great Yarmouth, Norfolk, Reino Unido), Mombito frequentou na capital do Congo o ensino básico entre 1987 e 1992, tendo passado a viver em Portugal desde 1994, quando ingressou no Liceu Francês, em Lisboa. Passou depois - após a queda de Mobutu - para a escola pública (Escola Secundária dos Anjos) entre 1997 e 1999, rumando a seguir para o Externato de Penafirme, para completar o 12º ano. Terá sido aí, nesse seminário católico, que conheceu o presidente do Chega, de quem se diz o "melhor amigo" e considerar-se "como irmão", mas o 12º ano seria terminado noutra escola pública - o Liceu Pedro Nunes - no ano letivo 2001/2002, quando tinha 20 anos. 

Ter-se-á seguido matrícula em Relações Internacionais e Ciência Política na Universidade Católica. Se completou ou não a licenciatura não é claro, já que no Linkedin não consta a data de término.

Seja como for, a sua primeira experiência profissional listada na página dessa rede profissional é de assistente administrativo na Editora Alêtheia (fundada por Zita Seabra), em 2008 - aos 26 anos, portanto, seis depois de terminar o 12º ano. Segue para a Escola de Formação Jerónimo Martins (de 2009 a 2010) como estagiário, ficando na empresa entre 2010 e 2015 no Serviço de clientes. A partir daí não há mais referências; na conversa com a Juventude do Chega, Luc Mombito afirma que "emigrou para Inglaterra" onde "quis tirar quatro anos sabáticos", presumindo-se assim que não esteve a trabalhar - até 2019, quando o Chega é fundado.

Uma busca no Google pelo nome de Luc Mombito encontra-o numa fotografia na universidade de Verão do PSD em 2008

Em 2014, de acordo com um tuite seu reproduzido na página Chega de Ventura (Facebook), seria entusiasta da ascensão de António Costa à liderança do PS. Agora, insurge-se contra o "regime que nos assola desde 1974" - ou seja, a democracia - e chama-lhe "asneira": "Só um burro é que se convence que é com a mesmíssima asneira que emenda o erro. Andamos nisto há 46 anos."

https://www.dn.pt/

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