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sexta-feira, 14 de maio de 2021

"Eles não querem trabalhar"

 








 

Marcelo Rebelo de Sousa (MRS): - Há aqui ilações políticas mais vastas. Uma  ilação é como vemos a imigração. Nós somos uma pátria de emigrantes e ficamos legitimamente revoltados quando os nossos emigrantes não são bem tratados lá fora. Temos de começar a ver da mesma maneira quando são emigrantes de outros países que são imigrantes cá dentro. Segundo, é abrirmos os olhos para uma realidade: precisamos de os imigrantes. Economicamente.

 

Mais: vamos precisar de mais imigrantes.

 Mais qualificados uns, menos qualificados outros. Mais qualificados uns, para muitos trabalhos, mas outros menos qualificados para trabalhos que os portugueses não aceitam fazer... Não aceitam... Mesmo em períodos de desemprego...

António José Teixeira (AJT): - Não existe mão-de-obra suficiente...

MRS: - Não é só não haver mão-de-obra suficiente: prefere outro tipo de trabalhos. Não quer fazer aquele tipo de trabalho. É um facto. (...) Porque há problemas com imigrantes a trabalhar na construção civil. Nós tivemos, no verão passado, quando os surtos de Lisboa tinham a ver com pessoal de limpeza e da construção civil, que nunca tinham confinado, e que viviam em condições de habitabilidade na AML...

AJT: - O que vai fazer? 

MRS: - Vou acompanhando esta matéria. Numa parte, vou fazendo pedagogia. Num momento em que é muito apetecível a xenofobia... "Ah! o problema é termos imigrantes a mais, temos de correr com eles".  (...) E estando nesse número levantam sempre problemas de legalidade, de condições económicas e sociais. E eu tenho de fazer  pedagogia. Que não é por aí que se resolve a questão.


Mais uma vez, Marcelo Rebelo de Sousa olha para o mundo do Trabalho e vê-o perfeito.

Ontem na entrevista que deu  à RTP, voltou a dizer - sobre Odemira - que a chegada de imigrantes a Portugal cumpre uma função imprescindível porque vêm fazer "trabalhos que os portugueses não querem fazer" e que, por isso, devem ser bem tratados pelos nacionais. Mas desta forma redonda, omite qualquer crítica aos empresários que os contratam. 

Omite qualquer crítica às leis e à sua aplicação que permitem uma vasta gama de contratos precários, mal pagos, a preencher funções permanentes.  

Marcelo Rebelo de Sousa cola-se, assim, a um discurso empresarial que se queixa da falta de mão-de-obra nacional, uma ideia que até entronca naquela ideia muito dominante da União Europeia de que essa falta de trabalhadores existe por causa de um desajuste entre os empregos oferecidos e as habilitações de quem os poderia preencher. Uma ideia que nunca aborda a questão que lhe está subjacente: e se os salários fossem mais altos, será que os portugueses se interessariam pelos trabalhos que este empresariado oferece? 

Ou será que estamos condenados a ter empregos mal pagos? E se assim for, que raio de futuro teremos como país? Porque baixos salários atraem trabalhadores não qualificados, enquanto o emprego qualificado se esvai para a emigração. E se assim for, tudo se degrada: juventude perdida e sem oportunidades, que trabalham de graça (como já acontece no turismo), natalidade fraca, contas públicas periclitantes, instabilidade na Segurança Social, etc. E no final, continuaremos a ter programas da Antena 1 sobre "Os portugueses no mundo" em que apenas se entrevista - de forma feliz! - a emigração bem sucedida dos nossos quadros. E a pagar fortunas do OE com aliciamentos injustos a alguns residentes não-habituais...

Nunca falando deste tema, MRS só consegue disfarçar - mal! - a sua crítica aos portugueses que se recusam a aceitar trabalhos que, na verdade, mal justificam ser feitos pelo preço pago, e que apenas são sustentáveis dividindo uma casa com mais vinte pessoas. 

Os portugueses, aos olhos do seu presidente da República, parecem uns madraços que não querem sujas as mãos, nem se dobrar no campo. Algo que é um típico olhar de direita que se julga uma elite e que olha o seu povo e diz: "Ah! Antes nós dávamo-nos tão bem com o povo! Agora são uns parvenus que apenas querem comprar carros, aspiradores e frigoríficos". E, claro está, receber o RSI e subsídios...

Ao omitir qualquer crítica às condições laborais, MRS transforma a realidade laboral num problema de imigrantes, de subsidio-dependentes e, na verdade, contribui para alimentar a questão que dizia criticar - a xenofobia, o racismo, a extrema-direita. Ao preferir falar de algo que não é "nem direita nem de esquerda" e que tem a ver com direitos humanos, com as condições de habitabilidade, MRS omite outros direitos humanos, como a devida paga. E omite-o porque se afastasse essa omissão, isso obrigava-o a ter um discurso de esquerda. E a criticar tantos amigos...

Ao afunilar as questões laborais para um assunto de imigração e da xenofobia, Marcelo Rebelo de Sousa desvaloriza -  eclipsa, na verdade - o mundo do Trabalho. Cria uma falsa divisão racial. Valoriza a raça, em detrimento do que esse ser humano faz. 

E, ao fazê-lo, não resolve nem o problema laboral nem o problema dos imigrantes, nem da xenofobia. Torna-se apenas cúmplice da actual situação de degradação crescente nas condições laborais em Portugal que afectam, na realidade, tanto imigrantes como nacionais e que, assim, é perpetuada.

A ilação é, pois, outra, senhor Presidente. E o senhor está a passar ao lado dela. E cá para mim, de propósito. 


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