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segunda-feira, 17 de maio de 2021

«A Colômbia está a viver uma autêntica revolta»



 www.abrilabril.pt


No sábado passado, centenas de milhares de colombianos vieram novamente para as ruas exigir mudanças e deixar clara a oposição ao governo de Iván Duque.

Numa entrevista via Internet à jornalista Odalys Troya Flores, da agência Prensa Latina, Sergio Marín, do partido Comunes, explicou que o principal motivo da greve iniciada a 28 de Abril – convocada pelo movimento sindical, social, étnico, estudantil e juvenil – foi o anúncio do projecto de reforma tributária por parte de Iván Duque e do seu ex-ministro das Finanças, Alberto Carrasquilla.

O deputado disse que a polémica proposta basicamente aumentava o IVA sobre todos os bens essenciais e serviços mais necessários à vida de todos os colombianos.

Aumentava igualmente a base tributária a partir da qual o imposto sobre os rendimentos começava a ser pago no país, que, precisou, actualmente ronda os mil dólares por mês. «Era algo que punia as classes médias, os profissionais, os trabalhadores independentes, a grande maioria da força de trabalho no país sul-americano», disse.

Em seu entender, tratava-se de uma reforma tributária destinada a castigar os mais pobres e as classes médias, mantendo e inclusive aumentando as isenções tributárias ao grande capital nacional e transnacional.

«A proposta não contemplava medidas decisivas para combater a evasão fiscal, que na Colômbia é um problema gravíssimo, porque o grande capital não só conta com grandes isenções, mas também não paga os impostos que deve», destacou.

Também não era um projecto que contemplasse qualquer tipo de combate à corrupção, que no país é uma verdadeira pandemia que consome uma parte substancial do Orçamento nacional, disse à Prensa Latina.

«Estima-se que entre 10% e 15% desse Orçamento seja consumido pelos corruptos», denunciou Marín.

«Toda esta situação gerou um apelo à mobilização a que aspirávamos, que fosse importante e tivesse uma ampla repercussão, mas a verdade é que o movimento social e popular ultrapassou todas as expectativas», afirmou.

Greve geral

«A greve mostrou o sentimento reprimido nos últimos dois ou três anos pelas inúmeras reformas tributárias que já tinham atingido os bolsos dos colombianos», afirmou, acrescentando que, «devido à absoluta ineficiência e às propostas do governo para enfrentar a crise associada à pandemia Covid-19, se agravou a situação económica do país».

Em seu entender, todos estos elementos se conjugaram para gerar «um verdadeiro levantamento, como não se via há décadas na Colômbia, nem em abrangência nem em duração», afirmou, sublinhando que o protesto se mantém há mais de duas semanas, quando o habitual era as greves ficarem restritas a certos sectores e territórios, e durarem apenas alguns dias.

«Em geral, os governos conseguiam manobrar [as greves] combinando a forte repressão com promessas que de facto não cumpriam, desactivando esses movimentos de luta social», disse.

Mas desta vez, defendeu Marín, estamos perante uma situação totalmente nova, diferente e qualitativamente superior. 

«O povo já entendeu que só a luta nas ruas, unida em torno de algumas reivindicações e mantendo a pressão, faz o governo ceder.»

Acrescentou que isto ocorre num contexto de repressão que põe os números «praticamente ao nível de um verdadeiro massacre, com cerca de 50 colombianos mortos». «Fala-se em mais de 500 desaparecidos, de mil pessoas presas, processadas e levadas para a prisão, por isso poderíamos dizer que são verdadeiros presos políticos», alertou.

Desta forma, as autoridades agravaram a «inconformidade» e elevaram o nível de resposta da luta dos colombianos, principalmente dos mais jovens, nas ruas do país, argumentou.

Alguns resultados importantes

«Até agora, foram alcançados alguns resultados extremamente importantes: a proposta de reforma tributária foi desmantelada, dois ministros demitiram-se, o governo anunciou que está em condições de garantir a gratuitidade do Ensino Superior aos estratos I, II e III», enumerou.

Ou seja, matrícula zero para as camadas mais pobres da população, tendo em conta que o governo dividiu os colombianos em seis níveis para esse efeito. «O nível I é o mais baixo, de pessoas que vivem praticamente na miséria, e o nível VI é o dos sectores mais ricos da população».

Isto é algo que o movimento estudantil andava a pedir ou a exigir há muitos anos, com o governo a insistir na resposta negativa, explicou. «Um dos resultados desta greve foi o anúncio de que era possível; era uma decisão política e bastava simplesmente ter vontade de o fazer.»

A repressão aumenta

O cenário é bastante complexo. 

A repressão, como todos sabem, está a piorar, alertou. «Estamos a enfrentar praticamente uma política de terra queimada por parte das forças de segurança do Estado, da Polícia em particular e do seu Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), que é um verdadeiro corpo de repressão, morte e perseguição», denunciou.

Na Colômbia – destacou – existe uma polícia política com recursos de guerra para «enfrentar» os problemas sociais. 

«O anúncio do envolvimento do Exército nesta repressão constitui um quadro sério», disse Marín, lembrando que as mobilizações, a pressão social e popular, «aumentam na medida em que não são dadas soluções para as demandas do povo».

«Lamentamos, como lamenta a América Latina, que a OEA chefiada por Luis Almagro continue a desenvolver uma agenda contrária aos interesses dos povos do continente, totalmente servil aos interesses dos Estados Unidos e das oligarquias da região», afirmou, destacando que a OEA e Almagro mantêm um silêncio cúmplice pelo qual devem responder, no contexto da situação dramática que a Colômbia atravessa.

Pão e circo

Está em jogo a possibilidade de cancelar a realização da Copa América na Colômbia, que deve começar daqui a um mês. «As barras das equipas mais fortes da Colômbia uniram-se em torno do lema de que o que o povo colombiano exige não é circo, mas pão», explicou.

«O que as pessoas exigem nas ruas, com dignidade, são melhores condições de vida e não mais espectáculos para tentar encobrir o sangue, o massacre, a morte, os desaparecimentos e as torturas na nossa pátria», frisou.

«Há relutância em atender ao apelo ao diálogo por parte do governo; o que o povo quer é uma negociação assente numa agenda que inclua reivindicações», disse, acrescentando que as pessoas exigem que o governo diga com clareza aquilo que vai cumprir, e é isso que irá determinar se haverá um acordo.

Se for assim, a situação poderia estabilizar-se «enquanto se aguarda as eleições presidenciais de 2022 e a eleição de um governo democrático que responda às necessidades do povo, governe para o povo e não para os monopólios, os latifundiários, os narcotraficantes e as máfias», defendeu Marín.

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