Há sangue novo no Livre, mas também figuras com experiência que se estão a afirmar a nível interno. Embora privilegiem a paridade são mais mulheres a candidatar-se à direção, enquanto os homens preferem concorrer à Assembleia. Mas todos partilham a mesma visão – ecológica, de esquerda e europeísta – e prometem novos projetos para o partido que se quer "emancipar" e "renascer" após a atual crise
JORGE PINTO: DO PS PARA O LIVRE
É um dos principais rostos do Livre e o único elemento que integrou os três Grupos de Contacto (direção) que o partido teve desde a fundação. Natural de Amarante, Jorge Pinto interessou-se desde cedo pela política – foi militante do PS entre os 18 e os 25 anos, mas percebeu depois que os socialistas não representavam os seus "ideais de esquerda progressista, ecológica e europeísta". Foi então em 2013 que contactou Rui Tavares e se manifestou disponível para integrar o Livre, próximo das eleições primárias após ter privado com o fundador em jantares.
"Defendemos políticas e soluções sempre com base na perspetiva ecológica e social. Gostamos de utopias concretas que acreditamos que podem deixar de ser utopias face à nossa visão para uma sociedade mais integrada e sustentada", afirma o engenheiro ambiental, de 32 anos.
Foi um dos autores do “Manifesto para um futuro europeu”, e coordenou o “Desafio à Diáspora”, outro manifesto escrito por vários apoiantes do Livre que residem no estrangeiro. A viver há mais de uma década em Bruxelas, Jorge Pinto trabalha como especialista ambiental numa agência europeia e procura a partir da capital belga estabelecer contactos com outros membros do partido e dinamizar os núcleos locais em Portugal. "Penso que o mais urgente é aumentar a nossa implantação territorial, através da criação e reativação de núcleos regionais, assim como a garantir formação política", defende.
A ideia embrionária de criar uma academia política – que contacte numa primeira fase especialistas para discutir assuntos prioritários para o partido e depois assumir uma posição pública – partiu dele e está a ser trabalhada com Teresa Leitão, outro membro do Livre que atua como intérprete no Parlamento Europeu. O objetivo é tentar introduzir os temas do Livre na agenda política.
Foi durante o período da troika que conheceu o Livre. Desiludida com o rumo do país durante o Governo de coligação PSD/CDS, Patrícia Gonçalves percebeu que devia dar o seu contributo e decidiu então juntar-se ao partido da papoila.
"Nunca tinha estado ligada a nenhum partido, mas identifiquei-me com as características do Livre, um partido que defende a ecologia e a igualdade", explica a investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas e professora convidada do Instituto Superior Técnico.
Desde 2014 integra o Grupo de Contacto depois de ter começado a coordenar o círculo temático Ciência e Sociedade. "Achei que era altura de dar o meu contributo e como não tinha experiência política decidi começar a minha incursão no Livre pela minha área. Até porque tinha experiência em investigação e preocupava-me, por exemplo, com questões como a precariedade dos bolseiros", sublinha.
Entre 2014 e 2016, foi responsável pela coordenação local do distrito de Setúbal e foi membro do Conselho da Candidatura Cidadã Livre/Tempo de Avançar, tendo participado na coordenação da área programática Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Diz que não tem dúvida de que o Livre se distingue do PAN que se baseia numa "ecologia sem base científica", assim como dos Verdes que são muito "subjugados à esquerda conservadora" (PCP), mas defende que é preciso convergência à esquerda. "Não fechamos portas a aliança nenhuma".
FILIPE HONÓRIO: O JOVEM DA MODERAÇÃO RADICAL
É o elemento mais novo do Grupo de Contacto, sendo visto como uma das maiores promessas do partido. Protagonizou durante o primeiro dia do Congresso um dos discursos mais aplaudidos no auditório da Junta de Freguesia de Alvalade. "O Livre é um partido da esquerda portuguesa que vive na moderação, mas hoje é visto como um partido radical. Se ser radical é defender mais infraestruturas de habitação, o novo Pacto Verde, o fim da Europa fortaleza, então o Livre é radical", declarou no sábado perante uma plateia efusiva.
Filipe Honório defendeu também a colegialidade, considerando que é uma forma mais escrutinada de fazer política. "Não estamos dependentes de fatores externos, nem de lideranças partidárias. São os cidadãos a fazer política", insistiu. Por último admitiu que "os tempos não são fáceis para o Livre", mas saiu em defesa do trabalho da futura direção rumo a uma sociedade "sem medo, sem recusas".
Interessado desde cedo pela política, Filipe Honório participou em várias iniciativas que incluíram as jornadas europeias no Parlamento Europeu em Estrasburgo, tendo passado também pela Juventude Socialista. Em 2014 esteve presente no Congresso fundador do Livre e decidiu aderir ao partido que "associa o europeísmo, ao socialismo e à ecologia".
Licenciado em Gestão e mestre em Relações Internacionais, Filipe Honório trabalha atualmente como técnico de desenvolvimento local em Oliveira de Azeméis. Aliás, é precisamente esse um dos eixos-principais da sua intervenção no partido. "É essencial continuar a fazer o trabalho de mobilização a nível regional para captarmos mais apoiantes, mas contribuirmos também para a resolução dos problemas locais", conclui.
Admitindo que o Livre tem quase "sentenças de morte anuais" Filipe Honório desvaloriza as consequências da atual crise interna. "Nós não nos desmoralizamos enquanto o foco continuar a ser o bem-estar das pessoas e continuarmos a ter uma base eleitoral preocupada com a justiça social e ambiental. Será sempre essa a nossa tarefa do futuro."
PATRÍCIA ROBALO: A ARQUITETA REGIONALISTA
A sua intervenção também não passou despercebida no arranque do IX Congresso do Livre. A arquiteta que integra a Assembleia do partido elencou as razões que levaram o órgão máximo entre Congressos a propor a retirada de confiança à deputada única. E foi taxativa: "Joacine Katar Moreira manifestou reiteradamente não ter disponibilidade de se articular com os órgãos do partido. Da nossa parte tentamos várias vezes. Mas nossas expectativas não se resumem à entrega de poder a quem quer que seja", alertou.
Apesar da recente adesão ao Livre (apenas há um ano), Patrícia Robalo mostra-se alinhada com o órgão do qual faz parte e mesmo com a direção. Foi em 2018 que resolveu juntar-se ao Livre, depois de ter votado sempre nos últimos anos no partido fundado por Rui Tavares. E foi pouco depois convidada para o Círculo temático Esquerda e Estado social.
"Acompanhei desde o início a fundação, penso que o Livre é um partido que se encaixa na minha ótica de política de esquerda, progressista e ecologista e que faz a ponte com a Europa, o que é fundamental porque quase tudo o que acontece em Portugal é muito fruto da construção europeia ", sustenta.
Defensora da regionalização, Patrícia Robalo quer voltar a trazer este tema para a agenda política com vista ao combate às desigualdades sociais no país. E insiste que o Livre deve "continuar a lutar pela igualdade social e justiça ambiental". Sobre o futuro do partido, a arquiteta manifesta-se também positiva mesmo face ao cenário provável da perda da representação parlamentar. "Isto é um momento de emancipação do Livre e um processo de amadurecimento institucional. Mas temos obviamente clara a necessidade de repensarmos muitas coisas, ainda que a nossa estrutura seja cada vez mais sólida e profissional", garante a arquiteta.
ISABEL MENDES LOPES: O PARTIDO “RENASCERÁ”
Em dois dos últimos Congressos foi escolhida para fazer o discurso de encerramento –, um sinal claro de que é uma das principais apostas do Livre. "O Congresso votou pela continuidade da direção", congratulou-se Isabel Mendes Lopes no final da reunião magna no domingo. Embora reconheça que o processo de primárias abertas deve ser melhorado, a engenheira civil defende que o partido não deve recuar quanto ao processo de escolha dos seus candidatos.
Ligada ao partido desde a sua fundação, Isabel Mendes Lopes diz que desde o tempo da faculdade procurou responder a questões como o "aprofundamento da democracia" e a "construção de uma sociedade mais justa e digna". Chegou a estar envolvida no Congresso Democrático das Alternativas e em vários movimentos associativos até aderir ao Livre.
"Depois foi fácil escolher. Descobrir um partido que é universalista, libertário e claramente de esquerda sempre com a ecologia como preocupação de base", conta Isabel Mendes Lopes.
Licenciada em engenharia Civil, trabalha atualmente na área de transportes e planeamento e interessa-se pelas questões de ordenamento do território, a ecologia ou o papel da UE. Admitindo que os próximos dois anos vão ser difíceis, Isabel Mendes Lopes diz contudo acreditar que o Livre "renascerá" após a atual crise interna demonstrando a "resiliência" que caracteriza o partido.
"Na verdade o Livre está muito vivo. Há muitas pessoas que se continuam a juntar a nós e que defendem os nossos ideais. Quando ultrapassarmos esta crise não tenho dúvidas de que saíremos reforçados nas próximas eleições", afirma a engenheira, sublinhando que o partido perdeu votos nas últimas legislativas face às europeias.
Liliana Coelho | Expresso | Imagens (no original) | Ana Baião
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