Este ano assinalam-se os 20 anos da aprovação e da publicação da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a proteção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica, mais conhecida pela Lei de Descriminalização do Consumo de Drogas.
A aprovação da lei, a criação das Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência e a criação de uma resposta pública orientada para a prevenção, redução de riscos e minimização de danos, tratamento e reinserção, estiveram na origem da estratégia nacional de combate à toxicodependência, reconhecida a nível internacional e que continua a despertar o interesse e a curiosidade de especialistas e de Estados dos quatro cantos do mundo.
Na altura o fenómeno da toxicodependência alastrava-se e era motivo de preocupação de grande parte da população, o que exigiu a adoção de medidas para o debelar.
A mudança de paradigma na abordagem do problema, deixando de estar no âmbito da justiça e da criminalização das pessoas que consomem drogas, para passar para uma intervenção no plano da saúde foi fundamental. Diria mesmo que permitiu alterar mentalidades e alargar a compreensão coletiva que é preciso investir na prevenção e ajudar as pessoas que consomem drogas, no plano do tratamento.
Registaram-se avanços que devemos valorizar e que demonstram a assertividade do caminho iniciado, nomeadamente a redução dos consumos problemáticos e a redução de novos casos de HIV/SIDA nas pessoas que consomem drogas.
No entanto, o agravamento das condições de vida, sobretudo no período em que os PEC e o Pacto de Agressão das Troicas estavam em curso (que apesar de ter sido possível iniciar um caminho de reposição de direitos e rendimentos, persistem grandes dificuldades económicas para muitas famílias e o poder de compra ainda não foi recuperado), a extinção do IDT e o espartilho de serviços e vertentes de intervenção entre o SICAD e as cinco Administrações Regionais de Saúde e a perda de capacidade das equipas técnicas especializadas devido à falta de profissionais de saúde, têm conduzido à perda de eficácia no combate às dependências.
Há já indícios do recrudescimento do fenómeno da toxicodependência, em particular dos consumos mais problemáticos, com maior visibilidade em Lisboa e no Porto, que são muito preocupantes. Não podemos ficar passivos perante esta realidade, nem a perspetiva pode ser o regresso à criminalização ou esconder a realidade, tirando somente do olhar da população. É preciso uma intervenção bem mais profunda e orientada no sentido do encaminhamento destas pessoas para o tratamento.
Em matéria de combate à toxicodependência, o país não pode continuar a viver do reconhecimento internacional de uma estratégia que muito valorizamos, mas que necessita de investimento na dotação dos meios necessários para responder às exigências que hoje se colocam. No imediato é preciso reforçar o número de profissionais de saúde nos Centros de Respostas Integradas, nas Unidades de Desabituação, nas Comunidades Terapêuticas e nas Unidades de Alcoologia, para dotar as equipas e os serviços de capacidade de intervenção.
A transferência de áreas e serviços no âmbito dos comportamentos aditivos e dependências para as Administrações Regionais de Saúde foi um erro, que urge corrigir. Não está em causa a articulação entre a intervenção na área dos comportamentos aditivos e dependências com os cuidados de saúde primários. É de salutar e deve existir, algo que hoje continua a não existir. Mas a solução de organização dos serviços não passa pela distribuição pelas cinco Administrações Regionais de Saúde, mas sim pela criação de uma estrutura única, dotada de autonomia e meios, que integre as vertentes da dissuasão, da prevenção, da redução de riscos e minimização de danos, do tratamento e da reinserção, de forma a dar coerência à resposta pública. Já não só os profissionais que defendem a criação de uma estrutura nacional, recentemente um conjunto de individualidades, das quais algumas tiveram responsabilidade no passado no Ministério da Saúde, vêm agora defender a existência desta estrutura.
Não há mais tempo a perder. Haja vontade política para retomar o caminho iniciado há 20 anos.
expresso.pt
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