OFICIAIS E SOLDADOS LIBERTAM OS PRESOS DE AUSCHEWIT
MÉDICO DO EXÉRCITO VERMELHO
MARCAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO
Auschwitz funcionou como centro de extermínio dos judeus, sendo este grupo o que ali estava representado em maior número. Mas a população dos campos guardados pelas SS não era só constituída pelos judeus. Existiam diferentes categorias para os prisioneiros das forças nazis, e que eram marcadas e classificadas tendo em conta os seguintes aspetos:
- Todos eram identificados por tatuagem no braço esquerdo, e os bebés e crianças pequenas tatuados numa das suas mãozinhas.
- Os prisioneiros eram identificados pela cor dos triângulos usados nos casacos que eram obrigados a usar:
– Triângulo de tecido vermelho: prisioneiros políticos (comunistas, socialistas e sindicalistas);
– Triângulo verde – criminosos comuns, prisioneiros apenas por atos cometidos e puníveis com pena de prisão, sobretudo polacos;
– Triângulo preto – Grupos étnicos considerados pelos nazis como inferiores, “preguiçosos” ou anti-sociais, nos quais se incluiam os “ciganos” (Rom e Sinti);
– Triângulo roxo – Grupos religiosos específicos, como por exemplo as Testemunhas de Jeová, prisioneiros também dos nazis por essa convicção religiosa;
– Triângulo cor de rosa – Grupos de homossexuais masculinos (Gays), que eram, infelizmente, discriminados não só pelos nazis que os aprisionavam, mas por muitos reclusos de outros grupos. A sua vida era um verdadeiro inferno no campo de concentração, levando à morte muitos destes homens;
– Letras / Siglas – Além do triângulo muitas vezes eram acrescentados outros símbolos ou letras, como por exemplo, as iniciais F (Francês), SU (Soviéticos), P (Polaco), ou mais um triângulo invertido que remetia para mais uma indicação para além da que era dada pelo primeiro;
– Estrela de David (Hexagrama) – A estrela de seis pontas, resultante de dois triângulos, em que um deles é invertido, e em que pelo menos um habitualmente era amarelo, identificava os prisioneiros que eram judeus. Esta marca nas vestes era uma condenação certa às maiores crueldades no tratamento em vida e à morte quase certa em pouco tempo.
Note-se que as cores e os símbolos podiam variar de campo para campo e, há mesmo investigações cuidadosas subordinadas, a este tema, por parte, de alguns historiadores.
Certo é que os números de identificação tatuados para sempre eram complementados com estes códigos simbólicos nos casacos ou noutras peças de vestuário obrigatório no campo, para que os guardas da SS pudessem facilmente saber as origens de cada prisioneiro e prisioneira.
- Nos campos sem câmaras de gás, encontravam-se grupos muito diversos de população prisioneira: alguns grupos étnicos, prisioneiros políticos, gays, alguns grupos religiosos, como por exemplo, as Testemunhas de Jeová.
- Nos campos que possuíam câmaras de gás, a larga maioria era judeu (largos milhares), e cerca de pouco mais de vinte mil pertenciam ao grupo classificado como “ciganos” pelas forças nazis, tratando-se de dois grupos étnicos – Rom (Roma) e Sinti.
- Os judeus foram mortos aos milhares nas câmaras de gás de Auschwitz, e os “ciganos” foram também assassinados em massa nas câmaras de gás, e não só – houve aliás um campo, que depois foi encerrado, que se destinava aos Sinti e aos Rom, e que foi o centro do seu extermínio. Fechou depois da noite do extermínio, e era conhecido como o campo para “famílias ciganas”. Mataram-se ali milhares de homens, mulheres e crianças, que se juntam ao número bastante superior de ciganos europeus que foram mortos pelos nazis em todo o território de guerra, e que ascendem às centenas de milhar.
- Os números do Holocausto, que rondam à partida os seis milhões de judeus, assassinados pelos nazis, por execução direta ou indireta e como resultado dos mais diversos horrores a que foram submetidos, devem uma grande parte a Auschwitz, onde se deu o extermínio de cerca de um milhão de judeus, ao longo de todo o período em que se mantiveram os campos em funcionamento.
Para os nazis, eram inferiores os judeus, tal como os “ciganos” (Rom e Sinti), e portanto o extermínio era o objetivo principal para estas populações específicas.
De qualquer forma, grande parte dos outros prisioneiros morria também, ainda que não fosse alvo direto de extermínio por parte dos alemães nazis, mas mortos pelas condições sub humanas onde habitavam, pelos maus tratos e pela exaustão motivada pelos trabalhos forçados e má nutrição ou falta de cuidados básicos e doenças várias. Também morriam muitos pelas severas torturas levadas a cabo pelos nazis, e por execuções diretas, bem como por atos de extrema violência que ocorriam dentro dos campos.
Mais de três milhões de soldados soviéticos morreram, no total, assassinados pelos alemães das forças nazis, por execução direta ou após torturas cruéis e na sequência das mesmas. Alguns deles estiveram presos e morreram em Auschwitz, sujeitos a várias formas de tortura e violência (estima-se que cerca de 15 mil).
No total pensa-se que ocorreu a chacina de cerca de 1,3 milhões de prisioneiros em Auschwitz, entre os quais 90% seriam judeus. Contam-se entre os mortos, mulheres, homens e crianças. Auschwitz fica para a história como um centro de extermínio dos judeus, com maior significado e protagonismo ao longo da ocupação nazi, embora estes não fossem as suas únicas vítimas.
VIVER E MORRER EM AUSCHWITZ
Para além de serem exterminados, os judeus eram antes da morte forte e cruelmente humilhados, desprovidos de tudo, separados das famílias, usados como objetos, com total desrespeito pelo direito a existir, utilizados como cobaias preferenciais para as experiências horrendas pseudo científicas dos nazis, sujeitos aos maiores abusos e maus tratos, castigos físicos e torturas, violência extrema a todos os níveis.
Dos 9 Milhões de judeus que existiam na Europa antes da 2ª Guerra Mundial, 6 Milhões perderam a vida às mãos dos nazis.
As câmaras de gás de Auschwitz II, o centro de extermínio dos judeus, tinham, cada uma, uma lotação de cerca de 2 mil pessoas, concretizando as quatro câmaras em funcionamento e de uma só vez, 8 milmortes, em pouco tempo, por inalação do gás e consequente asfixia.
O trabalho ocupou também, e rapidamente um lugar de destaque neste genocídio, porque se matava por exaustão, por trabalhos forçados.
Os nazis chamavam mesmo a esta forma de morte “o extermínio por meio do trabalho”.
– “Arbeit matcht frei” –
A placa colocada à entrada de Auschwitz dizia: “Arbeit macht frei”, ou seja “O trabalho liberta”, sendo que isto na verdade apenas tinha um significado: a morte pelo trabalho.
Os prisioneiros e prisioneiras escolhidos para trabalhar eram poupados à morte imediata, e eram então mantidos nas mais precárias condições físicas e psíquicas, sofrendo coisas terríveis até à morte por exaustão, doença ou outro motivo.
Barracões que comportavam muitas vezes cerca de 500 pessoas num mesmo espaço, em cerca de 36 beliches/estrados, onde literalmente os prisioneiros se espalmavam para poderem caber, sem janelas, sem aquecimento, nem isolamento do frio exterior, a obrigatoriedade de usar uniformes que eram sempre os mesmos (mesmo para dormir usavam sempre a mesma roupa no corpo), a total ausência de condições sanitárias mínimas, que aliás eram reduzidas a alguns baldes para as necessidades fisiológicas de todos, as parcas refeições compostas por um caldo aguado com legumes podres e alguma carne, uns pedaços de pão duro com margarina, e uma forma de bebida similar a chá ou café, bem amarga, tornavam Auschwitz um campo dos horrores para todos e todas os que tinham que ali tentar sobreviver.
“O trabalho liberta”, era portanto e na verdade “O trabalho mata”, e matava mesmo, num muito curto espaço de tempo. As pessoas ali mantidas, quando não tinham morte imediata, por execução ou ato violento extremo, tortura ou experiências horríveis, iriam morrer de igual forma, sendo a esperança de vida, desde que se entrava em Auschwitz até morrer, entre umas poucas semanas e uns escassos meses.
A maioria não durava muito mais do que umas semanas com vida, mesmo que não fosse diretamente assassinado pelos nazis. Desidratadas e subnutridas, os seus sistemas imunitários ficavam, extremamente debilitados e naquelas condições de higiene e com tanta gente num mesmo espaço, facilmente se propagavam epidemicamente, doenças infecto-contagiosas de todo o tipo, por todo o campo.
Os guardas das SS faziam da sobrevivência dos prisioneiros e das prisioneiras um verdadeiro inferno, com graus de humilhação, abuso e desrespeito, violência física e psicológica absolutamente desumanos.
Fugir deste complexo era de todo impensável e impossível. As cercas em torno de todo o perímetro do complexo e entre sub campos, em arame farpado e a eletrificação das mesmas, as torres de vigilância com guardas armados com metralhadoras e a vigilância das cercas por homens das SS armados e com cães, tornavam a vida dos prisioneiros verdadeiramente controlada e qualquer tentativa de fuga inimaginável.
Qualquer guarda podia abusar de um prisioneiro ou de uma prisioneira, apenas por capricho ou embirração, sensação de poder e perversão, sem que nada lhe pudesse acontecer, desde que não violasse o estupidificante “código” de comportamento pelo qual se guiavam.
Podiam aplicar castigos e punições aberrantes e humilhantes, com contornos dolorosos e perversos, ou mandar que outros prisioneiros o fizessem por eles. Alguns prisioneiros eram escolhidos para supervisionar outros, em troca de especiais favores, podendo eles próprios infligir o mesmo tipo de castigos que os guardas, quando ocupavam este lugar, o que, infelizmente comprovando que os oprimidos facilmente se podem tornar opressores, acontecia mesmo e por vontade própria de alguns dos prisioneiros, muitas vezes, outras vezes a tal eram obrigados.
Outro grupo muito discriminado e humilhado por guardas e por outros grupos de prisioneiros era o grupo formado por população de orientação sexual homossexual.
Enquanto que ao lesbianismo não era dado grande destaque, e não se sabe exatamente o que a estas mulheres sucedia, ou se eram tratadas de forma idêntica a todas as outras, já à homossexualidade no masculino era dada particular relevância, havendo mesmo um lugar no campo utilizado para o que chamavam de “reeducação” para os homossexuais.
Repare-se no entanto que as mulheres, todas elas, independentemente da sua orientação sexual, não estavam nos campos condenadas apenas ao trabalho diverso que havia para fazer, mas eram também vítimas de graves maus tratos e abusos; eram muitas vezes maltratadas, humilhadas, vítimas de violação pelos próprios guardas e por outros a quem o permitiam no campo, utilizadas para experiências, tal como os homens e as crianças e forçadas, e ainda a várias formas experimentalistas e cruéis de esterilização e a várias formas de abuso sexual, nomeadamente sendo algumas condenadas a serem escravas sexuais também para além de escravas de trabalho e só depois mortas.
Os homens condenados ao campo pela sua homossexualidade, eram em número reduzido e em minoria. Eram humilhados e fortemente discriminados por guardas e prisioneiros e a sua vida habitualmente tinha os dias contados, pois eram alvo preferencial para ser mortos a tiro, após as humilhações e atos de violência a que eram sujeitos.
Também as experiências médicas em Auschwitz, lideradas pelo Dr. Josef Mengele, o médico nazi que determinava a morte de muitos quando os escolhia nas filas em que eram obrigados a permanecer, para além de tomarem contornos bizarros e de extremo sadismo, contribuíam para aumentar os números de mortos, quer pelas experiências de que eram cobaias, quer porque eram mortos se lhes sobrevivessem, em muitos casos.
Em Auschwitz perpetuavam-se estes e outros atos hediondos, mortes e humilhações, o extermínio de uns e tortura de outros, colocando em evidência a deturpada e manipulada ideologia de base dos nazis, levada a uma prática ainda mais aberrante e obscura, dando-lhe novos e errados, mesmo tenebrosos, significados, que apenas podem ser justificados pelo expoente máximo da mediocridade e maldade humana.
Em Auschwitz, a sobrevivência era em si mesma infernal, fisicamente, psicologicamente e até, espiritualmente.
Quem sobrevivia durante mais tempo muitas vezes cometia suicídio, por não aguentar mais continuar vivo naquelas condições, nomeadamente atirando-se contra as cercas eletrificadas deliberadamente.
Outros prisioneiros e outras prisioneiras, pelo contrário, lutavam até ao limite das suas forças, determinados a sobreviver. Alguns e algumas, contra todas as expectativas e probabilidades, conseguiram-no.
EVACUAÇÃO DE AUSCHWITZ
No dia 27 de Janeiro de 1945 o exército vermelho entrou finalmente em Auschwitz, conseguindo salvar alguns milhares de prisioneiros, que ali haviam permanecido após a evacuação do campo pelas SS.
As forças nazis, sabendo da proximidade da chegada do exército soviético ao complexo de Auschwitz trataram de evacuar o complexo, forçando cerca de 60 mil prisioneiros, a maioria dos quais judeus, a caminhar, naquela que ficou conhecida por “Marcha da Morte”.
O objetivo era que os prisioneiros fossem removidos dali antes da libertação dos campos pelas forças Aliadas, e conseguissem chegar até outro campo, onde pudessem permanecer sob controlo nazi. O caminho era longo, a temperatura gélida e a marcha a pé.
As condições de fraqueza e debilidade de muitos prisioneiros não permitia que conseguissem caminhar por muito tempo, e ainda menos naquelas condições. Uns caiam exaustos e morriam, outros eram mortos assim que davam mostras de não terem força nem capacidade para prosseguir a viagem. Se ficassem para trás eram de igual forma abatidos a tiro.
Apesar da libertação de Auschwitz, para muitos milhares de presos o horror do que lá viviam, continuou naquela marcha longa e dolorosa.
Apenas quando todos os campos foram libertos e todos os prisioneiros libertados pelas forças aliadas, soviéticos, britânicos e norte americanos, se conseguiu efetivamente a verdadeira libertação.
Ainda assim, muitos prisioneiros dos campos relataram que o facto de se terem apercebido de que os aliados estavam perto e que os campos estavam a ser libertos, lhes deu a força e a esperança de que precisavam para suportar a “marcha da morte” e os maus tratos, levando a que muitos pudessem ainda assim assistir ao dia em que eram livres novamente.
O FIM DE AUSCHWITZ
Auschwitz esteve operacional entre 1940, desde a construção de Auschwitz I, até Janeiro de 1945, altura em que o exército vermelho o libertou.
Durante a sua existência foi palco da chacina, levada a cabo pelos alemães nazis, de cerca de 1 Milhão de judeus, 21 mil “ciganos” das etnias Rom e Sinti, entre 70 mil e 74 mil polacos, cerca de 15 mil prisioneiros de guerra do exército soviético, entre muitos outros prisioneiros pertencentes a grupos específicos e em menor número.
VÍTIMAS GAYS IGNORADAS
Se aqui se tem sucessivamente mencionado o facto de terem existido vítimas de Auschwitz, apenas por serem homossexuais, é precisamente porque este grupo foi praticamente ignorado por todos, não tanto por ser em número reduzido, mas porque na verdade a homossexualidade masculina continuou a ser discriminada e punida até em alguns países, mesmo depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
As leis nazis que puniam a homossexualidade masculina só foram abolidas em 1969, muito depois do fim da guerra. Ainda hoje, aliás, a homofobia continua a ser uma horrível realidade e a homossexualidade é discriminada, ou mesmo punida, em muitos países e Estados no Mundo, lamentavelmente.
Devido a uma discriminação que se perpetuou para além de Auschwitz, às vítimas que usavam o triângulo rosa nos uniformes de prisioneiros não foi dada voz, nem durante o horror de Auschwitz, nem depois. Existem no entanto pelo menos duas obras escritas que relatam o que se passou com esta população nos campos de Auschwitz.
Calcula-se que entre 5 mil a 15 mil homossexuais foram mortos em Auschwitz. Podem ter sido muitos mais, no entanto, já que não se consegue apurar o número daqueles que estando incluídos noutro grupo também eram discriminados pela sua orientação.
LIBERTAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA
Após a libertação de Auschwitz, e aliás após a libertação de todos os campos de concentração nazis, o número assustador das vítimas mortais, as práticas atrozes ali cometidas contra os prisioneiros vieram ao conhecimento do mundo.
Mesmo tendo os alemães tentado apagar os vestígios do extermínio em massa, por eles perpetuado e das atrocidades por eles cometidas, muitos indícios e provas ficaram para trás quando evacuaram os campos, e as testemunhas relataram factos inegáveis.
Alguns dos responsáveis pelos crimes hediondos foram julgados mais tarde, no que ficou a ser conhecido como o Julgamento de Nuremberga, outros acabaram com as suas vidas antes de serem capturados. As vítimas que sobreviveram a Auschwitz ficaram com marcas profundas para sempre.
Para além daquilo a que foram sujeitas até à libertação, muitas vítimas, sobretudo os judeus, não conseguiram encontrar a sua vida de volta nunca mais.
O regresso às suas casas e cidades de origem, foi, na grande maioria dos casos, impossível de concretizar. O mundo tinha mudado, e as suas casas haviam sido tomadas por outros, pilhadas ou destruídas.
OS JUDEUS SOBREVIVENTES
Foi, para os judeus que sobreviveram, e que foram, sem nenhuma dúvida, as principais vítimas dos nazis, e em maior número, que se tornou praticamente impossível retomar a sua vida.
A sua libertação de Auschwitz, ou mais tarde dos locais para onde foram levados aqueles que resistiram à “marcha da morte”, garantia que viveriam, mas não lhes assegurava a recuperação de nada do que era seu, nem da sua vida anterior.
Para além das dores que carregavam consigo, e das marcas que com eles permaneceram e que ficaram muito para além das tatuagens que lhes foram feitas, aquelas que ficaram gravadas dentro de si, os sobreviventes não encontraram comunidades judaicas que os pudessem acolher na Europa.
Na grande maior parte da Europa, estas comunidades já não existiam no pós-guerra, e os sobreviventes que haviam escapado aos campos ou os que saíam dos locais onde haviam estado escondidos, encontraram as suas antigas residências saqueadas e destruidas, em muitos casos, e, noutros casos, ocupadas por pessoas, até vizinhos, que se recusavam agora a devolvê-las.
Infelizmente para estes sobreviventes a discriminação e o perigo continuavam a existir, porque a tenebrosa propaganda fascista e anti-semita levada a cabo anos a fio, tinha deixado as suas sementes espalhadas, e havia entre as populações um marcado anti-semitismo, mesmo depois da guerra estar terminada.
Era perigoso, nalguns casos, o regresso a casa. Manifestações contra os judeus encheram as praças de muitas cidades, e houve mesmo ataques violentos contra os judeus, que haviam conseguido sobreviver. O que parecia absolutamente irreal, era verdade: a marca do nazismo era de tal forma grave que tinha ficado nas mentalidades dos povos das regiões que os nazis ocuparam.
Na Polónia, por exemplo, o anti-semitismo continuava a ser uma realidade no pós-guerra, e houve mesmo um ataque aos judeus que regressavam a casa, que ficou conhecido pela sua dimensão e gravidade, na cidade de Kielce.
Para não terem de devolver o que já tomavam como sendo deles, e que era pertença anterior de famílias de judeus e, para que a população em geral ficasse ao seu lado, um grupo de pessoas, aproveitando um antigo boato de propaganda anti-semita que consistia na falsa acusação de que os judeus haviam morto uma criança polaca para usar o seu sangue em rituais da sua religião, encarregou-se de espalhar nessa altura o boato novamente, como sendo um ato levado a cabo pelos judeus que estavam de regresso a casa.
Com esta acusação, conseguiram que a população se juntasse ao grupo que se tinha apropriado das terras, casas e pertences desses sobreviventes e de outros que haviam morrido nos campos, atacando em conjunto o grupo de 150 judeus que tentava regressar. Como resultado deste ataque odioso, 50 judeus ficaram feridos e 41 foram linchados pela população.
A notícia de que havia boatos anti-semitas e incentivo ao ódio entre a população polaca, agora livre, e de que tinham linchado 41 judeus de regresso às suas casas de origem, espalhou-se rapidamente, até porque foi o mais grave caso, mas não o único, na Polónia. Foi desta forma que os judeus sobreviventes perceberam, rapidamente, que não poderiam jamais ficar ali a viver, pois o perigo de vida continuava a existir.
Sem terem para onde ir na Europa, muitos sobreviventes foram acolhidos em campos novamente, agora designados por Campos para os Deslocados de Guerra, subordinados ao controlo dos Aliados, onde permaneciam até obterem vistos para poderem ir para os Estados Unidos da América, África do Sul e Brasil, tentar uma nova vida.
Alguns tentaram também ir para a zona do Médio Oriente, sendo parte da região controlada pelo governo britânico, e onde depois iria surgir o estado de Israel, por pressão internacional, e muito como resultado do péssimo tratamento dado aos judeus pelo governo britânico durante todo este processo.
Infelizmente, também a definição das fronteiras do estado de Israel, veio originar o que a médio prazo veio a estar na base do conflito na faixa de Gaza, entre território palestiniano e território israelita e que ainda hoje não está resolvido, continuando a ser uma zona de conflito e violência.
Para além de Israel, para onde mais tarde puderam ir livremente os judeus sobreviventes e sua descendência, também os Estados Unidos permitiram com a sua política de imigração o acolhimento sem restrições de muitos judeus. Graças a um esforço de alguns países da comunidade internacional, os judeus que sobreviveram ao Holocausto puderam refazer as suas vidas em novo território e com esperança num futuro diferente.
De salientar que, muitos dos grupos perseguidos pelos nazis, continuam hoje a ser perseguidos em muitos lugares do mundo e discriminados. Os gays e outras minorias relativas à sua orientação sexual ou ao género, grupos étnicos e religiosos vários, mulheres e meninas, deficientes motores e psico-motores, ou pessoas com handicaps físicos ou sensoriais, ou pessoas portadoras de perturbação mental severa, continuam a ser discriminadas no mundo e perseguidas.
Ainda existe, infelizmente, esta e outras formas de discriminação, inclusive de índole racista e/ou xenófoba, um pouco por todo o mundo. Há ainda um imenso caminho a percorrer no sentido de ultrapassar estas barreiras na evolução da humanidade.
Auschwitz permanecerá vivo entre nós, infelizmente, e muito para além das terríveis memórias, enquanto existirem muros a separar povos e nações, enquanto existirem campos onde refugiados de guerra permanecem sem condições e sem futuro, arrancados que foram pela guerra das terras da sua origem, enquanto existirem segregações e perseguições, enquanto a humanidade não perceber que é urgente a tomada de consciência de que somos apenas uma humanidade, onde as diferenças têm de ser aceites e os direitos têm de ser iguais, onde não existem uns superiores a outros.
Atravessamos hoje tempos conturbados politicamente. Soam sinais de alerta. Hitler iniciou o seu discurso e começou a ganhar apoios nos anos 20 do século que passou. Ganhou as eleições em 1933, democraticamente, com a ajuda de uma enorme abstenção e com os seus poucos votos que, ainda assim, garantiram a sua vitória.
O apelo nacionalista e protecionista, o discurso da supremacia do povo alemão face aos demais foram, na sua essência, aquilo que levou às atrocidades que foram cometidas em Auschwitz, como noutros lugares. Foram o começo da 2ª Guerra Mundial. O discurso de Hitler levado à prática, culminou no Holocausto de que Auschwitz é um dos maiores símbolos.
Esperemos que outros discursos deste tipo não conduzam a tão grande calamidade num futuro e que sejam travadas as ações políticas antes que estas possam comprometer a paz mundial e a igualdade entre os povos.
Honremos a memória das vítimas de Auschwitz, respeitando a mensagem que hoje Auschwitz deixa ao mundo. Lutemos por um mundo onde a igualdade e a liberdade sejam uma realidade para todos e para todas!
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