Por diversas vezes, neste e noutros espaços, temos publicado reflexão sobre a ofensiva ideológica no seio da juventude (nota). Este texto não procura substituir o que bem escrito está, tão pouco corresponder ao tanto que há por dizer, mas acrescenta e procura responder a um instrumento que é arma da reacção – o anticomunismo – desde que os comunistas se começaram a organizar e a agir sob a bandeira vermelha da luta dos trabalhadores e dos povos. Tão antiga é esta arma que o próprio Marx e Engels a denunciaram no Manifesto do Partido Comunista, afirmando que ao serem confrontados com o espectro do comunismo «Todos os poderes da velha Europa se aliaram para uma santa caçada a este espectro, o papa e o tsar, Metternich e Guizot, radicais franceses e polícias alemães»(nota).
É, antes, um contributo que sistematiza algumas das principais linhas identificadas e que se justifica no quadro de «uma profunda ofensiva ideológica, com o acentuar do silenciamento e deturpação da acção e da mensagem do Partido» que resulta em inegáveis dificuldades sentidas e consideradas na discussão e análise da JCP e «que exige uma intensa batalha de esclarecimento, quer no que é necessário afirmar e demonstrar, quer no que sejamos obrigados a desmentir e desmontar» (nota).
«As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes.»(nota)
«O anticomunismo é uma das formações da ideologia burguesa de conteúdo mais virulento e agressivo» (nota)
Estas duas ideias são indispensáveis à nossa reflexão.
A primeira clarifica como as ideias são dominantes (em certa medida, se tornam maioritárias, mais presentes e mais repetidas) pela base económica e material da sociedade e da fase de desenvolvimento em que se encontra, e não pela livre e espontânea vontade dos «cidadãos livres» que as formulam por serem «melhores» e escolhidas pela maioria da população, como alguns procuram fazer crer. Como Marx explica na mesma obra, «A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual».
A segunda, enquadrando o anticomunismo e suas expressões tentaculares, coloca o dedo no seu papel enquanto instrumento de classe, ao invés de qualquer tipo de consideração subjectiva individual e/ou moral, que, embora não poucas vezes merecidas!, não explicam nem constituem, como tal, base sobre a qual possamos alavancar a nossa iniciativa e intervenção.
Com uma brutal magnitude de meios empregues, o anticomunismo (e no fundo toda a ideologia burguesa) tem consequências evidentemente transversais a diversas camadas e classes sociais, mas tem na juventude um objectivo prioritário, tal a particularidade desta camada social – heterogénea, com aspirações próprias e com uma força e vitalidade que nenhum poder pode ignorar.
Assim é: pela natural inexperiência, pelos diversos mas essencialmente curtos percursos de vida e pela ausência de uma memória que ultrapasse a soma das vivências de cada um dos seus membros, o que permite expectar uma maior permeabilidade a estes, e outros, argumentos; e pelo que constituirá, ocupando diferentes lugares no processo produtivo, mas sobretudo – e só assim pode ser – o de explorados, tornando-a alvo prioritário, estratégico para o capital, antecipando e preparando o terreno da luta de classes que continua.
Os exemplos do anticomunismo abundam, presentes em jornais, em páginas de internet e nas redes sociais, assentes em mentiras e preconceitos, alguns antigos e outros que, mesmo não tendo hoje grande enraizamento na juventude (e na sociedade), são sementes lançadas que germinam assim que tenham condições para tal.
Vejamos:
«Conservadores!»
A ideia de que o PCP é um partido conservador não é nova. Vai sendo reciclada com novas roupagens/formulações, como é exemplo a atoarda de uma maioria «conservadora» (PCP com CDS e PSD) avançada recentemente pelo líder do PAN. Mentira flagrante denunciada na altura, uma vez que «ninguém vota menos com o CDS-PP do que a bancada comunista» Conhecer.
Há um voto contra a legalização da cannabis?
Mesmo denunciando a aldrabice com que se procurava legalizar um «auto-cultivo» que sabiam ser impossível de fiscalizar e do ponto de vista terapêutico desnecessário?
Mesmo acompanhando as preocupações de declarações e relatórios da Ordem dos Médicos ou do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD)?
Mesmo lembrando que hoje a utilização da cannabis para fins terapêuticos já esta prevista na lei e que tal não merece oposição do PCP, quando demonstrado que corresponda ao tratamento necessário para determinada patologia?
Há um voto contra a legalização da morte antecipada, vulgo eutanásia?
Mesmo assentando o seu sentido de voto nas mais profundas preocupações humanistas, da luta pelo direito a uma vida digna e pelas condições materiais que a permitam?
Mesmo expondo a falsidade que constituía o argumento da liberdade individual, sob a qual se escamoteava a natureza do sistema capitalista?
Mesmo afirmando as cautelas que experiências de outros países exigem, como a tendência inquietante de alargamento de critérios?
Mesmo esclarecendo diferenças (que outros procuraram apagar) entre a provocação antecipada da morte e do prolongamento artificial da vida?
Neste e noutros casos procurou-se afunilar o debate a dois grupos homogéneos e o carimbo «conservadores!» foi imediato. De facto, a tentativa da imposição da discussão nos termos definidos pelo capital, a caricatura da posição do PCP, a simplificação de matérias muito complexas sabendo que não é dessa forma que os comunistas regem a sua discussão e análise, tem por claro objectivo encostar o PCP, através de fundamentos que a sua acção não atesta, a partidos e lógicas de direita – de retrocesso social, esses sim realmente conservadores.
Como respondia o site da CDU, «conservadores são os que pretendem conservar e perpetuar um sistema assente na exploração, discriminação e nas desigualdades». Conhecer
Dizem-nos ainda insensíveis aos direitos dos animais, negacionistas face aos problemas da natureza, intolerantes face a novas realidades identitárias, anti-democráticos, retrógrados…
Vejamos algumas delas, até pelo que traduzem enquanto questões sensíveis para largas camadas de jovens.
Projectam um PCP velho, sendo desarmados de imediato quando lembramos a média etária dos Organismos de Direcção, do Grupo Parlamentar ou dos deputados no Parlamento Europeu.
Insistem. Projectam um PCP obsoleto e ultrapassado, em justaposição com outros que erguem a bandeira de toda e qualquer «causa» identitária, dando assim resposta aos desafios contemporâneos. Projectam um PCP machista por ser contras «quotas», rejeitadas enquanto solução falaciosa para os problemas de desigualdade entre homens e mulheres, como as políticas amplamente contrárias aos interesses das mulheres trabalhadores de Thatcher, Merkel ou Maria Luís Albuquerque o demonstram.
Num artigo publicado no seu site Conhecer, o BE tem como o 2.º momento do movimento LGBTI em Portugal a prisão de Júlio Fogaça, referindo e procurando ligar a sua expulsão do PCP à orientação sexual, omitindo o incumprimento das regras de disciplina e conspirativas do colectivo e consequentes prisão e prejuízos para o Partido, narrativa, aliás, que a Visão recuperou o ano passado numa destacadíssima peça com honras de capa.
Ocultam a posição de sempre do PCP de combate a toda e qualquer forma de opressão, o seu património incomparável de intervenção e proposta. Por exemplo, desbravando o caminho com o Projecto de Lei n.º 115/VIII, com o fim da discriminação dos casais do mesmo sexo nas uniões de facto. Dirão que nem sempre foi assim, por exemplo, quanto à adopção, mas lembremos que as considerações de que haveria vantagem em aprofundar a reflexão se provaram justas, que a evolução da análise do PCP no sentido do voto a favor em 2015, ao contrário dos que apregoam a imutabilidade do seu posicionamento, sinaliza a própria evolução da sociedade e permitiu que a consagração na lei constituísse um avanço certo.
Projectam um PCP que nunca quis saber dos problemas ambientais. Procuram, sobretudo, descredibilizar e afastar os comunistas através das mais claras provocações e mentiras. Por exemplo, e voltando ao site do BE, a propósito do artigo de um deputado do PCP lê-se que «apoiava no Avante! o discurso negacionista» Conhecer, ilustrando o desnorte da CDU sobre questões ambientais». Assim foi feito, sem qualquer referência que provasse o que insinuam, porque a simples associação bastaria para alimentar as sementes que já haviam lançado.
Efectivamente, o que incomoda é haver quem analise a realidade sem abanar ventos e pressões mediáticas e coloque em causa as verdadeiras razões da degradação ambiental, num momento em que o controlo sobre esta questão traduz largos milhares de milhão de euros para o grande capital, assim seja capaz de orientar as discussões e mobilizações para posições simpáticas ao mercado de carbono ou à responsabilização individual. O slogan do PAN «A ecologia é a nossa ideologia», alinhado com a tese de que os problemas ambientais estão para lá e acima da ideologia, representa precisamente a negação de qualquer transformação social, de tudo o que questione a «ideologia» vigente – a do capital. Nesse sentido, a intervenção da JCP, denunciando e esclarecendo em torno da consigna #capitalismonãoéverde é exemplo do combate que travamos sob grande pressão.
Não sendo exclusivo aos debates aquando das eleições para o PE, recordemo-los para perceber como, na ausência de qualquer contra-argumento, bolsavam sobre a Venezuela, Cuba ou a RPDC. Mais uma vez não é novo, a «ameaça vermelha» legitimou o enraizamento de profundos preconceitos anti-comunistas ainda hoje manifestados, e, no essencial, é uma «ameaça» (para o capital) que persiste.
Com os avanços e recuos vários desde que Marx teorizou sobre o assunto, com transformações nos processos produtivos – materiais e «espirituais» –, não tenhamos qualquer ilusão quanto ao domínio ideológico actual do capital. É paradigmático que em Portugal o essencial do que é produzido pela comunicação social e consumido pelas massas, além dos meios públicos, está sob o controlo de 4 grandes grupos económicos (Media Capital, Cofina (nota), Impresa, Global Media). Situação tão mais acentuada quando analisada do ponto de vista global, em que grandes grupos económicos («conglomerados» como lhes chamam depois de sucessivos processos de aquisição e concentração sobre cada vez menos mãos), cada um com expressão global e o controlo de dezenas de publicações, canais de TV, produtoras de cinema e de videojogos, rádios e serviços de telecomunicações, como as americanas Walt Disney, Comcast, ViacomCBS, AT&T, ou a japonesa Sony e a brasileira Globo. (ver tabela_1)
O investimento é tremendo, os meios são variados e os impactos brutais. A incorporação de elementos anti-comunistas vai muito mais longe do que uma análise superficial poderia sugerir. O anticomunismo adquire contornos de paradigma, com regras determinadas, guiando e condicionando a criação de qualquer conteúdo. Dir-se-á que os jovens hoje não lêem jornais nem vêem o telejornal, mas errado será menosprezar o impacto destes meios hoje classificados de tradicionais, desde logo pela natural transmissão de informação (de conceitos e preconceitos) através dos pais, familiares e pares, já que não raras vezes nos contactos em escolas surge a expressão e suas variantes: «mas o meu pai disse-me (…)».
Analogicamente, errado será reduzir a esses os meios detidos e utilizados pelo capital.
Como exemplo, refira-se o conteúdo anti-comunista (sobretudo anti-soviético) em muitos videojogos de guerra ou estratégia, caricaturando o Exército Vermelho e os seus feitos, como a própria política de planificação económica da URSS e de outros países socialistas.
A recente série «Chernobyl», com a melhor classificação de sempre no sítio IMDB e um enorme alcance mediático, é outro exemplo. Entre o documentário e a ficção, a série desenrola grotescas expressões anti-soviéticas, a partir dos dramáticos acontecimentos da explosão do reactor nuclear. A representação de um povo mergulhado no obscurantismo, a caracterização de regime autoritário, o Estado soviético que atrasou a resposta à tragédia, procurando esconde-la, desvalorizando o empreendimento brutal e determinante para a minimização de danos com 53000 pessoas evacuadas no dia seguinte e a mobilização de médicos, bombeiros e cientistas de todo o país Conhecer, a comparação com as bombas nucleares lançadas pelos EUA em Hiroshima e Nagasaki (que causaram mais de 200 mil mortos!), referindo 93 mil mortes relativas ao desastre, o que contrasta com os números da ONU que aponta a morte de 30 pessoas nos primeiros 100 dias, apontando para que entre 3000-4000 vivam menos do expectável pelo contacto com radiação, são alguns dos elementos presentes ao longo da série.
Na Escola (nota), a criação de uma nova disciplina opcional no 12.º ano, «História, Culturas e Democracia», parecendo corresponder a uma necessidade ainda mais profunda de estimular o espírito crítico dos jovens (que, mais do que inexistente, foi atacado e é reprimido diariamente como vemos!), exige cautelas quando vemos o documento que traça as suas «Aprendizagens Essenciais» a contemplar o »Massacre na Praça da Paz Celestial (Tiananmen)», com respectiva bibliografia de artigos alinhadíssimos com o imperialismo norte-americano Conhecer. Não é preciso ser muito criativo para estimar o que poderá compor o programa em alguns anos. Ora cá está um espírito crítico, mas com «linhas orientadoras» bem definidas.
Como trave-mestra, identificamos que, a partir da constatação dos problemas e falhas do sistema (hoje tão evidentes, que poucos os ousam negar!), com abordagens muito diversas, se procura fundamentar a resolução dos mesmos na dissolução de tudo que remeta para as suas origens de classe a na exploração capitalista. É, porém, precisamente o fim da exploração condição necessária para a resolução de cada um dos primeiros.
Sintetizando, não procuramos iludir a desproporcionalidade de meios e as exigências da batalha ideológica e será, no melhor dos casos, ingénuo acreditar que possamos, no imediato e sem a transformação das relações infraestruturais, arrumar em definitivo com o anticomunismo, expressão da ideologia burguesa, agregador como vimos de protagonistas da direita mais reaccionária até à social-democracia mais «radical».
O seu combate é, contudo, uma exigência da actualidade, tanto maior quanto a ofensiva que, qual larva na maçã, procura penetrar e fazer o seu caminho, sempre na perspectiva de avançar, com prejuízo dos povos, dos direitos e o progresso social, prosseguindo e intensificando o caminho de concentração e acumulação de riqueza, custe o que custar. É tão mais necessário, quando se consagra pelo mundo (e aqui) o mais abjecto e primário anticomunismo, como é exemplo a recente Resolução do Parlamento Europeu, que equipara o comunismo ao nazi-fascismo com o objectivo de condenar o primeiro, e cujas consequências práticas, no imediato ou num futuro mais ou menos próximo, não se devem desvalorizar.
Tenhamos, portanto, estes elementos presentes para a batalha do dia-a-dia, na «ponta da língua», com a consciência de que a consequência da análise é adquirida com a sua aplicação prática, procurando superar as dificuldades e limitações, das que de nós dependem como das impostas, avançando com ousadia munidos do que de único temos: a organização e a nossa ideologia, instrumento de análise da realidade e guia para acção transformadora, o marxismo-leninismo. Reforcemos a iniciativa, os contactos e debates com jovens onde quer que eles se encontrem, como o primordial meio com que furamos a torrente anti-comunista do inimigo. Saibamos responder às exigências que nos são colocadas, à responsabilidade de organização revolucionária da juventude portuguesa e agitemos criativamente.
Desafiemos todos aqueles que nos dizem que «isso do comunismo até é bom no papel» a usar dos seus braços como esferográficas, escrevendo com a sua acção colectiva as páginas do desenvolvimento da sociedade, a avançar com este Partido que «com quase 100 anos continua a dizer de sorriso aberto que tem muito mais projecto do que história.»
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