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domingo, 21 de fevereiro de 2021

SALAZAR E OS CASTELOS - Salazar: o construtor de fake-monuments

 



O viajante que chega pela primeira vez a Lisboa se deslumbra com a visão do castelo de São Jorge e suas muralhas medievais dominando uma colina que se debruça sobre o azul lustroso do Tejo. Surge logo a vontade de subir até lá para apreciar um monumento que remonta à Idade Média e, de quebra, ficar de queixo caído com a vista panorâmica. Herança medieval? Só que não!

O castelo foi praticamente construído durante os anos de 1938 a 1940 na ditadura António Oliveira Salazar (1932–1968). O soturno ditador queria dar a Portugal ares de heroísmo e para isso nada como criar monumentos fakes (falsos) para exaltar o patriotismo português, no momento em que se festejavam oito séculos da fundação de Portugal por D. Afonso Henriques, no ano de 1139, e a Restauração (quando Portugal se liberta do domínio espanhol 1580–1640). Nessa época o país se preparava para a grande Exposição do Mundo Português.



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Fotografia de 1939 da colina ainda sem as torres e ameias do Castelo de S. Jorge

Inaugurada em 23 de junho de 1940, a exposição foi mais um delírio megalomaníaco de Salazar para legitimar sua ditadura, afirmando o nacionalismo através de um grande evento.

Anteriormente, no local onde hoje se vê o imponente castelo, se encontravam ruínas e instalações militares, até Salazar ordenar a construção das muralhas, seguindo orientações puramente ideológicas e passando por cima da relevância do sítio arqueológico que ali se encontrava e que remetia aos séculos XVII e XVII.

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Fotografia de 1939 da colina ainda sem as torres e ameias do Castelo de S. Jorge

Nem a Sé de Lisboa escapou à intervenção de Salazar. Até o terremoto 1755 as torres do templo tinham formato cônico que foram abaixo com os fortes tremores. Nos séculos XVIII e XIX foram feitas várias intervenções que permaneceram até a ditadura salazarista. Para dar um ar mais “histórico” à igreja, derrubaram parte das torres e construíram as ameias (ameias são aquelas torrinhas nas muralhas onde os soldados se escondiam das flechadas inimigas) e a rosácea entre as duas torres que lá estão até hoje dando uma aparência mais medieval, combinando assim com o estilo do castelo de São Jorge.

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A primeira foto mostra a Sé de Lisboa antes da reforma de 1939. A segunda como ficou depois da intervenção salazarista

Mas não parou por aí a furor salazarista de “reconstruir” o passado glorioso de Portugal. O castelo que teria pertencido a Afonso Henriques, na cidade de Guimarães, no norte de país, também passou por reformas (existe uma diferença abissal entre reforma e restauração). Aliás, no ano de 1836, as pedras que restavam do castelo quase viraram calçamento de ruas. As autoridades locais queriam aproveitar as pedras do castelo para pavimentar os logradouros de Guimarães. Por um voto a mais os vereadores desistiram do projeto insano e as ruínas escaparam… até a intervenção salazarista. Foram implantadas sobre as ruínas torres e ameias para dar um ar mais “heroico” ao sítio. Mas temos que reconhecer que a reconstrução ficou bem convincente.

Os portugueses mais críticos em relação ao seu passado dizem que autênticas mesmo de verdade só as ruínas do Convento do Carmo, no alto do Chiado. Um exagero, é claro, mesmo porque esse templo é também todo cheio de remendos, deixando o visitante confuso sem saber o que é original e o que é fake.

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Ruínas do Convento do Carmo, no alto do Chiado, Lisboa

Salazar, como todo ditador, representou não só um atraso para Portugal, mas um perigo para o patrimônio histórico.

Irene Nogueira de Rezende

https://medium.com/



Castelo de São Jorge: uma pequena mentira de Salazar


A época do Estado Novo também foi tempo de reconstrução patrimonial. Nos finais do 2º modernismo português (1930), os castelos entraram em período de obras e transformações, cujo objectivo era preconizar o patriotismo Salazarista.

Na famosa lição de Salazar, que educa os jovens desde cedo para a trilogia Deus-Pátria-Família, é possível observar na janela o Castelo de São Jorge, em Lisboa, com a bandeira nacional hasteada numa torre. Esta construção é um dos muitos exemplos de obras públicas que o Estado financiou.

Os castelos medievais, construídos nos séculos X, XI e XII, não escaparam ao tempo, que os foi deteriorando pouco a pouco, nem ao terramoto de 1755, que para alguns deles significou destruição total. Antes da década de 40 do século XX, a ausência de castelos portugueses era um factor corrente. As construções eram caracterizadas por meia dúzia de pedras e eram raros os vestígios quer de muralhas quer de torres, escadarias ou mesmo palacetes.

O Castelo de São Jorge antes (esquerda) e depois (direita) das intervenções salazaristas

Luís Correia, professor da Universidade de Coimbra, explica que nas obras do castelo de São Jorge, à semelhança de outras, foi potenciada “a heroicidade do passado”, através de “ameias e torres” no monumento, que acabou por ficar “à vista, a regular o quotidiano” de Lisboa. A construção medieval do castelo não passa de uma aparência utilizada para a propaganda do regime, que desejava atribuir a muitos dos monumentos nacionais uma inata pureza original, mas que muitas vezes não passou de uma recriação livre dos edifícios por parte de arquitectos e decoradores.

Em Guimarães realizaram-se obras de intervenção, cujo resultado foi um harmonioso edifício de torres direitas e ameias simétricas rodeado de árvores gigantes e robustas e de extensos relvados. Também as igrejas foram alvo de reconstruções, como testemunho do Estado Novo.

O legado Salazarista vai além da ideologia imposta às massas e está presente nos nossos dias através de obras públicas que século após século têm acompanhado a história lusitana.

shifter.sapo.pt 




Salazar reconstruiu monumentos à imagem do seu regime e legado mantém-se


Coimbra, 18 dez (Lusa) - Uma tese de doutoramento da Universidade de Coimbra, que analisa a reconstrução dos monumentos nacionais durante o Estado Novo, conclui que Salazar deixou um legado, ainda hoje vivo, de símbolos que materializam a imagem salazarista do país.

Durante o Estado Novo, foi aplicado um plano de investimento para a reconstrução de monumentos que durou até aos anos 1960, e que procurou "recuperar" a ideia de "um passado perdido, de um passado heroico", com as estruturas medievais e manuelinas a serem pensadas "como o grande bem da nação", disse à agência Lusa o autor da tese e docente do Departamento de Arquitetura (Darq) da Universidade de Coimbra (UC), Luís Correia.

As reconstruções, apesar de não terem sido desenhadas por Salazar, correspondiam à imagem de um passado renovador que o ditador português pretendia colar ao país, sublinha.

Os monumentos, nota a tese, foram usados por Salazar como "restaurados símbolos de memória e poder, que a maciça classificação e consequente instituição das zonas de proteção de caráter geral e especial pretendiam salvaguardar como propriedades da sua regência".

"Constituíram-se, assim, documentos privilegiados na (re)definição da imagem de Portugal mas, igualmente, veículos superiores da afirmação de uma estratégia ideológica global", sublinha a tese de Luís Correia, que entende que os monumentos são hoje, "quiçá, os responsáveis máximos pela permanência na terra da obra forjada por Oliveira Salazar, concorrendo, de modo crucial, para a identidade do território e, porventura, para a própria identidade da Nação".

Nesse plano de reconstrução de monumentos nacionais, como castelos ou igrejas, acabou por se impor uma arquitetura denominada de "terceira via", que representa um certo paradoxo.

Apesar de Salazar rejeitar a ideia de modernidade, as intervenções apontam para uma relação entre a tradição e o progresso, o nacionalismo e o modernismo.

Para Salazar, o passado não podia estar associado a "uma imagem de património em ruínas ou abandonado", recuperando "muitas vezes uma imagem primitiva que não existia", salienta Luís Correia, realçando que se procurava "criar uma pureza que não se sabia que existia - era uma imagem mais pensada do que real".

Sinal dessa mesma intervenção é o Castelo de São Jorge, que antes das obras efetuadas durante o Estado novo "estava totalmente obstruído".

Nas obras do castelo, como noutros casos, foi potenciada "a heroicidade do passado", colocando-se "ameias e torres" no monumento, que acabou por ficar "à vista, a regular o quotidiano" de Lisboa, explicou.

"Hoje, quem vai ao Castelo de São Jorge vê uma obra de época medieval, mas que na verdade não o é", constata o docente do Darq, recordando que o próprio castelo é depois usado em propaganda do regime.

O caso mais evidente desse uso é o do cartaz "Deus, Pátria, Família", da série "A Lição de Salazar", que resume a pedagogia e moral salazarista, em que o monumento surge na janela da casa de uma família portuguesa, com a bandeira portuguesa hasteada.

De acordo com Luís Correia, desde o Estado Novo "houve algumas obras" de intervenção em monumentos nacionais, mas hoje "não há um projeto agregador - as obras são feitas avulso".

"Se se olhar para a obra pública, para o projeto [de Salazar] para os monumentos nacionais, pensou-se o território de forma coerente, o que nunca mais existiu", sublinhou.

"Não há um projeto que pense o território e que pense o desenho do território no seu conjunto. Na altura, havia esse pensamento e era político", explanou, salientando que os monumentos nacionais, ainda hoje, "são importantes para a identificação do que é ser português".

www.rtp.pt

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