Alguns fatores explicam o silêncio sobre esse assunto, entre eles encontramos a falta de evidencias documentais e a relutância das sobreviventes de comentar sobre esse assunto com a sociedade coreana, devido a forte a cultura patriarcal da sociedade coreana, que mantém diferentes padrões de comportamento para o homem e a mulher.
Nessa cultura, as mulheres tinham que manter a virgindade até o casamento e, aquelas que perdiam a virgindade antes, são consideradas sujas, são humilhadas e correm o risco de serem excluídas pela própria família. Nesse contexto, muitas mulheres cometeram suicídio após sofrerem os abusos sexuais ou para evitar tais abusos.
Devido a essa cultura patriarcal, é compreensível que as sobreviventes não queiram falar sobre o assunto durante tanto tempo, com medo de levar a humilhação até as suas famílias. Algumas dessas mulheres permaneceram solteiras, as que casaram ou se divorciaram (devido a infertilidade, por possuírem doenças venéreas, ou devido aos seus maridos passarem a ter conhecimento dos seus passados) ou se tornaram viúvas após se casarem com homens muito mais velhos.
Esse silêncio começou a ser quebrado com a ajuda de movimentos feministas advindos tanto da Coreia como de outros países asiáticos. Dessa forma, o movimento feminista, juntamente com os depoimentos das vítimas, levou a um movimento de reparação ativa.
Mesmo 04 décadas após o fim da II Guerra Sino-Japonesa e a Guerra do Pacífico, nenhum dos países asiáticos que foram afetados levantou preocupações acerca dos crimes sexuais cometidos pelo governo do Japão imperial contra as mulheres das suas colônias. Com isso, o movimento feminista foi essencial para essa questão chegar até o conhecimento da população desses países, fazendo com que o movimento de reparação pudesse crescer e se fortificar.
Em 1988, a Korea Church Women United sediou a Conferência Internacional da Mulher e do Turismo, na Ilha de Jeju, na Coreia do Sul. Foi nessa conferência que Yun Chung-ok, da Ewha Womans University, apresentou pela primeira vez a sua pesquisa acerca dos Corpos de Serviço Laboral Voluntário. No ano seguinte, membros de diversas organizações de mulheres, começaram a marchar nas ruas da capital da Coreia do Sul em protesto ao plano do governo de enviar um representante ao funeral do Imperador Hirohito. Elas também redigiram uma carta colocando que é preciso que o governo se tornasse ativo com relação ao movimento de reparação das “mulheres de conforto”.
Em 1990, o presidente sul coreano Roh Tae-woo visitou o Japão, e foi nesse momento que as ativistas encontraram a ocasião política que poderia ser utilizada para fazer com que, as questões relacionadas ao sofrimento que a população coreana passou durante o domínio colonial japonês, e a reparação das “mulheres de conforto”, fossem levantadas.
Antes da visita do presidente Roh, a Organização das Mulheres Coreanas, listou as demandas que deveriam ser feitas ao governo japonês, entre elas estão: i) o Japão investigasse sobre esses Corpos de Serviço Laboral Voluntário e; ii) o governo japonês deveria se desculpar pelo seu envolvimento na escravidão sexual coreana.
No mesmo ano, quando o conselheiro da casa superior do Japão, Motooka, demandou que o governo investigasse as questões relacionadas as “mulheres de conforto”, o governo recusou. Com isso, a Organização das Mulheres Coreanas mandou uma carta oficial ao Primeiro Ministro Kaifu, exigindo que o governo japonês reconhecesse o que o governo imperial fez, assim como um pedido de desculpas e, compensação do governo japonês as “mulheres de conforto”.
Em 1991, três sobreviventes sul coreanas entraram com uma ação na Corte Distrital de Justiça de Tokyo, requerendo um pedido de desculpas e uma compensação financeira do governo japonês devido aos danos físicos e morais que elas sofreram no cativeiro, devido a exploração dos seus corpos com o intuito de satisfazer os desejos sexuais dos soldados do exército imperial japonês.
Em 1992 iniciou-se uma campanha a nível nacional para a obtenção de fundos com o objetivo de construir uma casa para as sobreviventes na cidade de Gwangju. Nesse mesmo tempo, o novo presidente, Kim Young Sam, adotou a posição oficial de não buscar nenhuma compensação material do Japão para as ex-“mulheres de conforto”.
Kim acreditava que isso faria com que a Coreia do Sul tivesse certa “superioridade moral” em comparação com o Japão, o que acarretaria em uma nova relação entre os países. Ao mesmo tempo, o governo sul-coreano desembolsou 5 milhões de wons para cada sobrevivente e anunciou que passaria a pagar uma pensão mensal as sobreviventes. Isso fez com que muitos coreanos acreditassem que o governo havia tomado os devidos cuidados sobre esse assunto.
Essa ação do governo sul coreano foi entendida pelo governo japonês como um gesto amigável e, no verão de 1993, após uma sessão de audição direta em Seul com antigas “mulheres de conforto”, o Japão reconheceu que existiu coerção em seu recrutamento e que transportou mulheres para as “estações de conforto”, assim como também admitiu ter violado as leis humanitárias internacionais. No entanto, ao ser cobrado internacionalmente acerca da compensação às sobreviventes, o governo japonês resolveu tratar isso através da angariação de fundos privados. Essa proposta foi rejeitada sob a alegação de que o Japão não estaria se responsabilizando, totalmente, pelos crimes de guerra que cometeu.
Outra tentativa do governo japonês foi a criação do Fundo das Mulheres Asiáticas, que serviria para compensar as antigas “mulheres de conforto”. O fundo deveria pagar a cada vítima na Coreia, Taiwan e Filipinas, cerca de 2 milhões de ienes, em dinheiro, e 3 milhões de ienes para apoio médico e bem-estar. Porém, o fundo dependia, principalmente, de donativos e o governo japonês apenas subsidiava os seus custos administrativos. Além disso, o governo japonês não emitiu o pedido de desculpas formal ou aceitou a responsabilidade legal do Japão pelo crime de guerra.
O conselho Coreano e outras organizações de mulheres asiáticas envolvidas no movimento de reparação, rejeitaram essa proposta alegando que esse era um “dinheiro de caridade” e que o estabelecimento do fundo foi uma tentativa de comprar o silêncio das “mulheres de conforto” para que a publicidade negativa contra o governo japonês acabasse. Ainda assim, mesmo que algumas sobreviventes fossem contra, outras tinham o interesse em receber – o mais rápido possível – o dinheiro do fundo, pois não achavam que iriam viver por muito mais tempo.
Em 2002, devido à forte oposição pública, o Fundo das Mulheres Asiáticas foi dissolvido, sendo que apenas sete mulheres aceitaram o seu pagamento. As outras vítimas alegam que o governo japonês é o responsável pelo seu sofrimento e, por isso, o próprio governo deve tomar medidas de reparar as brutalidades que o governo imperial cometeu contra elas.
No dia 28 de dezembro de 2015 as autoridades do Japão e da Coreia do Sul entraram em um acordo sobre a questão das “mulheres de conforto” coreanas. O acordo foi anunciado através de declarações paralelas que foram emitidas pelos ministros das Relações Exteriores de ambos os países, após meses de consulta entre os líderes dos países.
Em seu discurso, Fumio Kishida coloca que o primeiro ministro japonês Abe expressa suas condolências, e remorsos, às mulheres que sofreram com experiências que feriram tanto o seu físico como abalaram o seu psicológico. O governo japonês também se comprometeu contribuir para o fundo de compensação com cerca de 1 bilhão de ienes, o equivalente a cerca de R$ 34 milhões.
Em contrapartida, a Coreia do Sul se comprometeria a fazer, deste acordo “final e irreversível”, assim como deixaria de criticar de forma pública o Japão sobre essa questão, a fim de a fazer o assunto “mulheres de conforto” ficar como encerrado (BBC, 2015). A Coreia do Sul também iria negociar com movimentos sociais a retirada da estátua – que representa as vítimas sul-coreanas – da frente da embaixada japonesa em Seul.
Porém, esse acordo divide opiniões públicas e das próprias sobreviventes, e é questionado por não deixar de forma explicita que as “mulheres de conforto” foram feitas de escravas sexuais pelo Japão Imperial. Uma das principais organizações que defende as ex-mulheres de conforto, a Korean Council for the Women Drafted for Military Sexual Slavery in Japan, classificou esse acordo como humilhante. As sobreviventes justificaram a sua recusa ao acordo, alegando que este não refletia as principais demandas delas, e que elas não participaram das negociações do acordo e nem foram consultadas sobre o mesmo.
No âmbito doméstico, enquanto o governo aprovou o acordo, a oposição criticou o Japão por não assumir a responsabilidades e alegou que o acordo é inaceitável. O ex-Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon elogiou o acordo e foi criticado por estar “fechando os olhos” para as vítimas. A ex-presidente da Coreia do Sul – na época do acordo, atual – Park Geun-hye reconheceu as falhas no acordo, mas alegou que qualquer negociação tem várias limitações práticas.
Esse acordo que deveria ser “final e irreversível” tem se mostrado, na verdade, frágil. Em dezembro de 2016, uma nova estátua em homenagem às escravas sexuais foi instalada do lado de fora ao consulado japonês em Busan. Como resposta, o embaixador do Japão na Coreia do Sul, Yasumasa Nagamine, e o cônsul geral do Japão em Busan, Yasuhiro Morimoto, deixaram temporariamente a Coreia do Sul.
Em fevereiro de 2017, os governos de ambos os países iniciaram negociações para que a estátua de Busan seja retirada, e o governo japonês colocou que o embaixador Nagamine só irá retornar a embaixada japonesa localizada na capital sul coreana, quando algum processo significativo com relação a retirada da estátua for feito.
Por fim, podemos perceber que o movimento de reparação tem muita luta pela frente. O governo japonês não tem mostrado a disposição em atender a uma das principais demandas das sobreviventes – o ensino dessa parte da história aos alunos japoneses – o que faz com que as vítimas não se sintam satisfeitas com a atual situação. Os governos de ambos os países precisam trabalhar de força a fazer com que os traumas do passado fiquem casa vez mais no passado. As escravas sexuais não foram “mulheres de conforto”, elas foram moças que tiveram parte de sua vida marcada por diversos traumas.
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