Carlos Coutinho in facebook
Azeites e azeiteiros
FIQUEI hoje a saber que os árabes chamam azzáyt ao azeite, porque duas jovens que se sentaram perto de mim, no café, estavam a falar de Marrocos, de berberes e de árabes. Uma delas falou do Erasmo em Veneza, ainda verdadeiramente empolgada com as recentes inundações, a outra fartou-se de perorar sobre o seu doutoramento em não sei quê e, a certa altura, falando de azeites, disse que não sabia pronunciar bem a palavra em árabe e escreveu-a com letras garrafais num guardanapo.
Pareceu-me que foi para eu também ver, porque pôs o papel na vertical virado mais para mim do que para a amiga, quando lho mostrou.
Logo que cheguei a casa fui confirmar o caso às minhas fontes etimológicas e até descobri que esse azeite perdeu o acento agudo no segundo a quando começou a ser escrito em árabe hispânico.
Como de costume, o idioma castelhano aceitou com algum engulho aquela palavra, mas passou a dizer sempre azeite de oliva, prevendo certamente que haveriam de nascer no futuro glorioso do império muitos outros óleos, até de origem mineral, a que os espanhóis chamariam azeites lubrificantes.
Franceses, italianos e alemães seguiram-lhes o exemplo, usando o huile d’olive, o olio d’oliva e o olivenöl. Nós, com a nossa proverbial simplicidade e a consabida perspicácia, ficámo-nos pelo azeite, o azeite que se chama azeite, considerando que todos os outros são apenas óleos e assim deveriam ser chamados.
Por estas e por outras é que, às vezes, até sabe bem ser português, já para não falar na sorte que tivemos em possuir os azeites de Trás-os-Montes e do Alentejo.
P. S. - Não me contentei com a designação honrosa do óleo vegetal que tiramos das azeitonas, quando as torturamos, isto é, quando as esmagamos e esprememos. Quantas vezes ouvi eu dizer de alguém zangado que essa pessoa estava “com os azeites”? Há mesmo uma palavra feia que fez carreira no nosso léxico e ainda se usa muito lá para o Norte, azeiteiro. Fui a um dicionário confirmar desconfianças e fiquei a saber que tanto se pode tratar de um produtor como de um vendedor de azeite. Pode também ser um proxeneta, como se diz frequentemente entre o Porto e Braga, podendo também ouvir-se entre Viana e Viseu, entre Vila Real e a Guarda, e significando muito depreciativamente o angariador ou intermediário infame entre a galdéria e os seus clientes. Genericamente, seria também um indivíduo coberto de nódoas, ou um parolo, um simplório, ou alguém rude, ordinário, ou simplesmente ignorante. Há ainda quem chame azeiteira à almotolia, outra palavra de inconfundível sonoridade árabe. Trata-se de um termo que, segundo uns, significa «pequeno utensílio de barro ou de metal, com boca estreita e bojo largo, para conter azeite e outros líquidos oleosos». Segundo outros é um “vaso ou recipiente móvel, feito de folha ou alumínio, que apresenta um formato cónico e é muito usado para transportar azeite e outras substâncias oleosas”. A forma "amotelia" parece deturpação de “almotelia”, variante medieval de almotolia. Segundo o Dicionário Houaiss, esta palavra tem origem no árabe “almutlia”.
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