Encanta-me a pintura de Pieter Bruegel (1520-1569) no seu colorido e detalhe descritivo. Dando conta de um mundo extinto, muito do que lá se vê ainda por cá acontece. Por exemplo, a festa de camponeses. À parte a roupa, que diferenças de atmosfera encontramos na pintura que não se repitam hoje, logo que a ocasião se proporcione? No fixo da representação a alegria transborda e as gentes conversam, dançam e namoram à nossa frente como se ali estivéssemos a um par de metros.
Na verdade, uma das proezas técnicas da pintura é a localização do observador. Pintada a cena ao nível do nosso olhar, com o uso de uma perspectiva rigorosa, apenas usual em paisagem e não em multidão, é essa posição que nos dá a ilusão de presenciar a festa no momento em que ela decorre.
É uma pintura de onde a ironia, a sátira, e mesmo a metáfora estão ausentes. Representa-se apenas gente vivendo os seus costumes, e o uso da perspectiva central coloca o pintor e nós como parte desta humanidade.
Na representação das figuras, o desenho usa da mais pura técnica clássica, tal qual como se de uma representação religiosa, mística ou de altos personagens se tratasse, e não de gente simples (que à época não era assunto de pintura), dispensando em absoluto o maneirismo ou o anedótico.
A pintura é de grandes dimensões (114x164cm) e vê-la proporciona um imenso prazer. Pintou-a o artista no final da vida, por volta de 1568, e guarda-se no museu de arte antiga de Viena.
Termino com um grande plano do beijo que na pintura surge ao cimo, à esquerda, acompanhado por populares declarações de amor em quadra, a que entremeio a inspiração de Fernando Pessoa.
Apalpei meu lado esquerdo
Nao achei o coração,
Chegou-me a feliz notícia
Que estava na tua mão.
(Popular)
Quando passo um dia inteiro
Sem ver o meu amorzinho,
Corre um frio de Janeiro
No Junho do meu carinho.
Fernando Pessoa (1920)
Tenho dentro do meu peito
Duas escadas de flores,
Por uma descem suspiros,
Por outra sobem amores.
(Popular)
Se morrendo eu acabar
E nada restar de mim,
Não te esqueças de lembrar
Que só te esqueci assim.
Fernando Pessoa (1934)
O papel em que te escrevo
Tenho-o na palma da mão:
A tinta sai-me dos olhos
E a pena do coração.
(Popular)
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