A deputada dissidente do PAN, Cristina Rodrigues, anunciou que vai propor uma lei que permita às pessoas faltar ao trabalho por causa da morte de um animal de companhia.
A deputada explica a ideia desta forma: "O tratamento dispensado aos animais de estimação nunca foi tão humanizado como nos dias de hoje. As pessoas atribuem-lhes cada vez mais sentimentos e características dos seres humanos".
Neste propósito de Cristina Rodrigues, que tenta credibilizar aquela frase com a citação de um estudo de uma consultora, há todo um planeta de bondade bem-intencionada e, ao mesmo tempo, todo um mundo de perigosa perversão antissocial
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Para muitas pessoas a morte de um animal de companhia pode ter um impacto emocional tão grande quanto a morte de um familiar - há estudos científicos que o comprovam.
Admito, por exemplo, que isto seja quase inevitável num indivíduo que viva sozinho mais de uma dezena de anos na companhia de um cão ou de um gato.
Quantas pessoas devem ao seu cão ou ao seu gato o equilíbrio psicológico que lhes permite, apesar das agressões da vida, manterem-se ativas, sociáveis e produtivas na sociedade humana?
Quantas pessoas devem ao facto de terem um cão ou um gato uma rotina disciplinada pela obrigação, pela responsabilidade, pelo dever voluntário de alimentar e tratar esses animais e que as obriga a sair da cama, a ir à rua, a contactar outros humanos, até a trabalhar?
Quantas pessoas, a começar por muitas crianças, aprenderam a resistir emocionalmente à dor da morte com o luto que fizeram após o desaparecimento do seu primeiro animal de companhia? Quantas, através dessa primeira experiência, não enfrentaram melhor, mais tarde, o falecimento de familiares?
A ideia de permitir dias de folga ao trabalho para fazer o luto de um animal não me parece, por isso, à partida, nem uma ideia parva, nem um mero projeto oportunista para dar desculpas legais aos preguiçosos que querem faltar mais vezes.
Será mais difícil do que parece à primeira vista legislar sobre o luto dos animais de companhia, dadas as variáveis e subtilezas envolvidas. Só perante o projeto em concreto, que ainda me é desconhecido, será possível elaborar uma opinião definitiva, mas, insisto, a ideia não é, de maneira alguma, ridícula e não é por haver coisas mais importantes no mundo por resolver que não devemos, se for possível, tratar de solucionar, desde já, esta.
Onde está, então, neste tema, o "mundo de perigosa perversão antissocial" que me preocupa?
O estudo da consultora citado pela deputada que lançou a ideia do direito ao luto laboral pelos animais de companhia confirma que há, neste momento, mais cães e mais gatos nos núcleos familiares portugueses do que crianças.
E a frase de Cristina Rodrigues que já citei ("as pessoas atribuem aos animais cada vez mais sentimentos e características dos seres humanos") reforça o meu temor: uma excessiva parte da sociedade está a utilizar os animais de companhia como fuga às relações humanas; como substitutos do afeto humano; como placebos para a ausência de filhos; como referências, necessariamente pobres, de afetividade humana, de afiliação familiar, de dedicação emocional.
Uma sociedade que, estatisticamente, promove a fuga do amor aos humanos e dá prioridade ao amor pelos animais está perigosamente doente, está decadente e corre perigo.
Toda a vida tive animais de companhia. Não os dispenso. Mas revolta-me esta tendência para uma cada vez maior maioria subscrever, na vida prática, o funesto lugar comum: "quanto mais conheço os homens, mais gosto dos animais".
O amor submisso ou dependente com que um bicho se entrega a um dono não vale uma fração nem é capaz de substituir o amor que pode haver entre as pessoas: muito mais intenso, mil vezes mais complexo e um milhão de vezes mais rico.
E não, os bondosos animais de companhia nunca serão capazes de nos dar o bem que a humanidade, quando quer, nos dá.
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