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sábado, 3 de outubro de 2020

O segredo da Estação de Santa Apolónia

 



A Estação ferroviária de Santa Apolónia, em Lisboa, vai passar a ser ocupada em grande parte por um hotel. Apesar de o turismo marinar em amarguras pelo menos nos próximos anos.

A notícia foi-me trazida pela pianista Catherine Morisseau que vive de Lisboa no coração. Catherine tem travado grandes batalhas contra a Câmara de Medina, incendiando as redes sociais. Por exemplo, a propósito da construção de blocos de apartamentos de raiz no Campo de Santa Clara, alterando a malha urbanística existente.

A Estação de Santa Apolónia bem poderia ter um centro cívico ou um museu como fizeram os franceses. Mas não. Segue o caminho do antigo Ministério da Administração Interna, na Praça do Comércio, transformado em hotel do Grupo Pestana, num abrir e fechar de olhos. Agora é um pedação, provavelmente dentro de meses é a totalidade do edifício.

A Câmara de Lisboa marcha em sentido inverso de Barcelona, muito mais experiente. Ada Colau, a alcaide da cidade, restringiu a entrada de turistas em alguns locais, com o aplauso dos habitantes de Barcelona. E ainda antes da pandemia. E justificou: “não é possível aumentar mais o número de turistas, o crescimento do turismo está a tornar a cidade inabitável para os nossos 1,7 milhões de residentes”

Mas por cá, Fernando Medina deixou enxotar homens, mulheres e crianças dos bairros históricos e da Baixa de Lisboa para dar asas ao alojamento local. Lisboa tornou-se uma Disneylandia do turismo de mochila. E em cada esquina nasceu um hotel.

Catherine Morisseau tem trolitado nessa política cruel para as famílias e prejudicial para o futuro de Lisboa. E até já andou a tocar o seu piano na caixa aberta de uma camioneta, como protesto. E também, diga-se, para delícia dos poucos habitantes sobreviventes desses bairros.

Fernando Medina e o seu braço direito Manuel Salgado têm sido mais explosivos que Krus Abecassis, quando se empenhou na construção das Torres das Amoreiras, autênticas bombas de fragmentação da malha urbana Lisboa.

É difícil aceitar que edifícios emblemáticos passem de forma repentina para a esfera privada. São retirados ao Estado, que somos todos nós. E subtraídos a gerações. Foram construídos com sangue, suor e lágrimas a troco de poucos reis, tostões ou centavos

No Porto, na Avenida dos Aliados, o meu avô, órfão de pai, andou a dar serventia a pedreiro, com 11 anos de idade, a troco de uma bola de pão por semana. E tuberculizou ao fim de um ano. Regressou a Barroselas descalço e à beira da morte. Era assim com todos. Falsas promessas e venham mais miúdos.

Estes edifícios, vendidos ao desbarato ou cedidos de forma generosa, pertencem ao Povo português. Não deveriam ser alienados ou alugados em contratos sem fim, por quem tem a força de apenas 96 950 votos. No caso, em Lisboa. A esses votos podem-se juntar 26 619 do Bloco de Esquerda e 20 418 do PCP. São números das últimas eleições legislativas. Lisboa é capital de um País de 10 112  355 de habitantes. 96 950 votos é uma insignificânciaA cidade deveria ser gerida por um presidente eleito pela grande Lisboa, pelos lisboetas de Lisboa e dos concelhos em seu redor. E os senhores da Câmara deveriam poupar-nos à vergonha de ver hotéis e fundações construídos em terrenos públicos à beira Tejo ou de alienarem edifícios para fins privados que custaram os olhos-da-cara a gerações e gerações que começaram a trabalhar aos 10 e 12 anos. Que ganharam salários de miséria. Que foram às centenas nas cheias de 1969 como se fossem bocados de madeira. Que morreram aos milhares em guerras estúpidas. Que comeram metade de uma sardinha ao almoço. Que sobreviveram à tuberculose generalizada. E que pagam agora a luz com língua de palmo aos chineses.

Há lá direito de num sopro passarem – quase em segredo – a Estação de Santa Apolónia para as mãos de privados, quando no Largo, todos os dias, se reúnem dezenas de sem-abrigo para receber uma sopa e um pão com qualquer coisa dentro. A estação deveria ter um centro social e não mais um hotel. Hotéis há muitos e os palermas somos nós


imagens do Google maps




duaslinhas.pt


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