MARIA CARVALHO (1926 – 2016)
Uma figura histórica do PCP. Militante na resistência, entrou para a clandestinidade em 1952 e assim permaneceu durante 23 anos, desempenhando sobretudo tarefas de apoio e de defesa das casas clandestinas. Passou por inúmeras situações em que arriscou ser detectada pela PIDE, mas com inteligência, sangue frio e muita coragem conseguiu sempre iludir a polícia e disfarçar, o que contribuiu para nunca ter sido presa.
Era uma mulher discreta, mas activa e de grande tenacidade, que se manteve fiel aos seus ideais de juventude até falecer, aos 90 anos.
Maria nasceu e cresceu na Nazaré, oriunda de uma família numerosa da média burguesia. Era filha do médico da terra, homem de ideias progressistas, que não cobrava consultas a quem não podia pagá-las, e de uma mulher do povo que, sendo analfabeta, aprendeu por si a ler, a escrever e a contar. Foi criada em ambiente de conversas animadas e alinhadas sobre a Guerra civil de Espanha e a Revolução Russa; e, em sua casa, o regime fascista em Portugal era objecto de referências diárias. Cresceu no meio de revistas progressistas, como a Seara Nova e a Vértice, cercada de livros, e leu os primeiros Avantes, ainda criança, pela mão de um dos irmãos. Quando chegou a idade de ir mais longe nos estudos, Maria Carvalho foi viver para casa de uns tios, em Lisboa, para frequentar o liceu. Aí foi colega de Eugénia Cunhal, Irene Dias Amado e Dulce Rebelo. Depois, fez o curso de Educadora de Infância na Escola João de Deus.
Influenciada por um dos irmãos, comunista, cedo se entregou à luta clandestina. Em 1949, começou a militar no MUD Juvenil: participava em reuniões e dava apoio material, dactilografando documentos e copiografando-os. Não tardou a ser contactada para entrar para o Partido Comunista. Segundo ela, foi também «motivada pela leitura do Manifesto Comunista e de A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado» que aceitou. Porém, ao ser convidada para ingressar na clandestinidade, pensou nos riscos e nas renúncias que uma tal entrega implicava, mas não demorou a decidir-se. Era então uma mulher disponível e sem encargos. Terminado um período de «quarentena», (habitual no PCP para ocorrerem todos os “cortes”), em finais de 1951, apoiada pelo Pai na decisão, despediu-se da família. Tinha 25 anos, e só voltaria a ver os pais uma outra vez na vida.
Foi no Barreiro, já em 1952, que viveu na sua primeira casa clandestina, (já com identidade e papéis falsos), sendo então responsável pela vigilância da casa e contactando com os vizinhos para, em conversas naturais, afastar quaisquer suspeitas. E tudo se passava como de costume: nas redondezas inventavam casamentos, usavam aliança, falavam do marido, tudo o que fosse mais indicado para dar normalidade a uma vida clandestina.
Só mais tarde, em outra casa e noutra terra, iria conhecer o pai dos seus três filhos, dois rapazes e uma rapariga. O companheiro nunca quis ter filhos: «Aconteceu, mas a decisão de os ter foi minha, porque a ele tanto fazia – “isso é contigo, tu é que resolves, os filhos são teus”. Pronto, então os filhos são meus, assumo. Fui eu que escolhi os nomes: José e Joaquim, os nomes de dois dos meus irmãos, e Ana da Paz.» [Notícias Magazine, Maio de 2005].
Quando nasceu o Joaquim, o PCP considerou mais prudente entregar o mais velho à família. Maria concordou e José, que ainda não tinha dois anos, foi viver com os tios. Depois de uma dolorosa separação, Maria só voltou a vê-lo na Figueira da Foz, (uma única vez, oito anos antes do 25 de Abril), tinha ele 11 anos.
Três anos depois, nasceu Ana, e Maria passou a ter dois filhos a viver consigo. Os meninos estavam isolados, quase não podiam contactar com as crianças da vizinhança porque havia sempre o medo do que pudessem dizer, e estavam limitados no convívio, que era muito esporádico e apenas com militantes do PCP, quando havia reuniões em casa dos pais. Mesmo assim, Maria vivia sobressaltada com a possibilidade de deslizes das suas crianças. Os filhos dos “funcionários do partido” não podiam frequentar a escola, dado que não possuíam documentos nem registo de morada, o que, neste caso, levou a que fosse ponderada a opção a tomar: ou as crianças iam para junto dos avós (já idosos) – uma vez que uma delas já estava com os tios – ou eram levadas para uma casa de acolhimento e escola, na URSS, onde se encontravam filhos de comunistas clandestinos de todo o mundo. Para não separar os irmãos (um de 8 e outro de 5 anos), Maria decidiu pela segunda escolha. Sofreu muito com esta separação, e foi acompanhando o seu crescimento pelas notícias e fotografias que recebia, através dos canais da clandestinidade.
Um largo tempo depois de ver os filhos partirem, Maria Carvalho rumou à União Soviética, onde durante um ano frequentou a «Escola do Partido». Foi então que esteve, por três vezes, com o Joaquim e a Ana. Numa das ocasiões, em 1966/67, passou férias com eles em Sotchi, já o filho tinha 18 anos e a filha 15. Terminados os dias vividos em comum, novamente a separação e a dor de os deixar.
O seu companheiro durante 10 anos, pai dos seus filhos, foi preso e não teve um comportamento correcto, o que a levou, zangada, a ter com ele uma posição severa, mesmo depois do 25 de Abril. Em entrevistas omitia sempre o seu nome. Os filhos tratavam-na por Maria, o que a ela não soava estranho, já que era a forma usada por todos os seus amigos e camaradas. Mas confessava que a separação – a que a luta política obrigara – lhes deixara marcas profundas. Nenhum dos três filhos aceitou bem a opção da mãe. Mesmo já em adultos, muito depois do 25 de Abril, não compreenderam as suas razões (4). Porém, nunca as dificuldades com que se confrontou na vida, nem a situação de pobreza da clandestinidade, esmoreceram, em Maria Carvalho, a determinação de lutar pelas ideias em que acreditou desde a juventude.
Depois do 25 de Abril, Maria Carvalho desempenhou tarefas de organização na Concelhia do Barreiro do PCP, com destaque para as responsabilidades que lhe foram confiadas na abertura do primeiro centro de trabalho desse partido. Assumiu depois tarefas diversas na Organização Concelhia de Almada, integrando durante vários anos a Comissão Concelhia e o seu Executivo.
Em 2016, o Município de Almada, por deliberação unânime da Câmara Municipal, atribuiu-lhe a Medalha de Ouro de Mérito e Dedicação.
Maria Carvalho morreu aos 90 anos, num lar, no dia 28 de Junho de 2016
source https://centenariopcp.blogspot.com/2020/07/maria-carvalho-uma-figura-historica-do.html
Via: Abril de Novo Magazine https://ift.tt/3fs5cbH
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