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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Raça dos homens mortos



Um homem de quarenta anos, é assassinado numa esplanada. O homem que assassinou tem oitenta anos. 
O homem morto era um português negro. 
O assassino nasceu em 1940. A geração que cresceu no Portugal miserável do mais repulsivo fascismo. A geração que aprendeu a ler numa escola onde se ensinava que o país ia do Minho a Timor. Aprendeu que foram os portugueses brancos como ele que civilizaram a África. Aprendeu que sem a seu (dele) "nobre povo" os africanos nunca conseguiriam ascender à posição de humanos completos.   
A geração de rapazolas estupidificados pela censura, pela pobreza e pelo vinho, militarizados e exportados como carne para canhão para fazer a Guerra Colonial. Esses miúdos de vinte anos que saíram dos campos onde passavam fome e foram defender os interesses dos grandes grupos económicos instalados nas colónias, sustentáculos do decadente fascismo. A geração de idiotas que ainda não percebeu o que lhes aconteceu. 
A geração que morreu e matou indiscriminadamente. A geração dos tipos que fizeram massacres que nunca ninguém julgou. A geração das violações colectivas a jovens mulheres e raparigas negras por mancebos brancos como baptismo de África. 
A geração de labregos assistiu de longe ao 25 de Abril com medo que os comunistas lhe ficassem com as terras. Essas terras que nunca valeram um pintelho onde deixam os pinhais arder e plantam eucaliptos. 
A geração que usou o S na fivela do cinto e caminhou cantando e rindo o dia da raça. E que recorda saudosa a gosma desses tempos. 
A geração que nao julgou os criminosos de guerra nem os torturadores do regime anterior e compensou a pobreza onde cresceu com o consumismo dos anos oitenta e noventa. 
A geração que aprendeu que as pessoas que nascem negras, nascem com direitos inferiores aqueles que nascem brancos. A geração que aprendeu que a vida de uma pessoa que nasce negra vale menos do que a vida da pessoa que nasce branca. A geração que foi ensinada que com pessoas negras não se negoceia: usa-se o chicote, a G3 ou a 6.35 e devolvem-se as coisas aos seus devidos lugares. 
O assassino, antes de matar terá dito ao assassinado: vai para a tua terra. Depois matou o homem negro. 
O assassino nunca aprendeu que a Terra é só uma e de todos os homens. Que não sabe que só há duas raças: a raça dos homens vivos  e a raça dos homens mortos.. .e que essa é apenas uma questão de tempo, porque tarde ou mais cedo, seremos todos da mesma raça. 
O homem negro voltou para a Terra, a Terra que é a dele e de todos nós.  Pertence agora à raça dos homens mortos. 
O assassino continua a ser da raça dos homens vivos. 
Por enquanto está preso.
O racismo continua à solta entre a raça dos homens vivos. .

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