Já toda a gente percebeu que não há medidas de prevenção, de higiene ou de confinamento que possam ser verdadeiramente eficazes para resolver a crise pandémica e económica provocada pela COVID-19. O mundo humano só voltará a um estado de relativa normalidade quando estiverem disseminadas vacinas eficazes que controlem a doença.
O negócio da década vai ser, portanto, o da venda dessas vacinas: um estudo de uma corretora norte-americana anunciava há três meses que o preço previsível de cada dosagem de vacina deverá rondar os 150 dólares.
Se pensarmos que há laboratórios que esperam produzir mil e 200 milhões de doses de vacinas por ano, estamos a admitir 180 mil milhões de dólares em receitas anuais, um valor muito superior a toda a soma da riqueza produzida num ano por Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste juntos.
Mesmo se esse preço das vacinas vier a ser 10 vezes mais baixo do que o dado nessa previsão – como há quem admita que vá acontecer – o dinheiro envolvido no negócio continuará a ser enorme: 18 mil milhões de dólares por ano são uma grande fortuna.
De Inglaterra à China, passando pelos Estados Unidos, Rússia e Austrália, verifica-se uma corrida para a produção da primeira vacina contra a Covid-19. Ao todo há mais de 150 tentativas de laboratórios diferentes.
Várias farmacêuticas garantem que vão começar no final deste mês a fase decisiva dos ensaios clínicos, com testes a grupos de 30 mil voluntários, e todas juram ter resultados promissores nos exames preliminares.
A expectativa de aparecimento rápido de vacinas eficazes para a COVID-19 acalenta a confiança de que a humanidade vai conseguir acelerar o final deste purgatório viral… o problema é que a humanidade é sempre capaz de destruir a esperança que ela própria cria
Na China há várias empresas a trabalhar nisto: a Sinovac Biotech está para iniciar no final do mês os testes em voluntários no Brasil e, se tudo correr bem, promete produzir 60 milhões de doses ainda em 2020. O Instituto de Produtos Biológicos de Pequim, com a empresa Sinopharm, prepara-se para começar os testes finais nos Emirados Árabes Unidos. A CanSino Biologics, que também está quase a entrar na fase final de testes, já garantiu o fornecimento aos militares chineses.
Na Inglaterra, a Universidade de Oxford e a empresa AstraZeneca planeiam ter disponíveis 30 milhões de doses da vacina em setembro, mesmo que os testes que decorrerem até lá (uma boa parte deles em voluntários de São Paulo, Brasil) não comprovem ainda a sua eficácia.
Nos Estados Unidos da América a empresa Moderna, que recebeu do Governo 426 milhões de euros para este trabalho, vai começar no final do mês os testes massivos.
O mesmo se passa com a alemã BioNTech, associada à norte-americana Pfizer, que estão, igualmente, a preparar para o final deste mês o início de testes em grande quantidade e esperam fabricar, até ao final do ano, 100 milhões de doses e mais de mil e 200 milhões de doses no ano que vem.
A empresa australiana Novavax vai tentar começar os testes finais, também a 30 mil pessoas, no outono, e recebeu, segundo a imprensa, um investimento de 1,4 mil milhões de dólares por parte dos EUA em troca de acesso às primeiras 100 milhões de doses.
Na Rússia os primeiros testes clínicos na Universidade Sechenov correram bem e projeta-se já a passagem para a fase de testes mais intensivos.
Tudo isto pode parecer animador: a expectativa de aparecimento rápido de vacinas eficazes para a COVID-19 acalenta a confiança de que a humanidade vai conseguir acelerar o final deste purgatório viral… o problema é que a humanidade é sempre capaz de destruir a esperança que ela própria cria.
Os primeiros sinais preocupantes vieram das informações sobre as tentativas de açambarcamento de vacinas por parte dos Estados Unidos, com compra antecipada de grandes quantidades de doses ainda antes dos testes estarem concluídos: uma parte do mundo arrisca-se a ter de ficar à espera.
Já tivemos guerras públicas entre cientistas a tentar descredibilizar investigações concorrentes: a insegurança sobre a fiabilidade das futuras vacinas aumenta.
Avançámos agora para o mundo da espionagem, com uma notícia de ontem: autoridades dos EUA , Canadá e Reino Unido acusam a Rússia de utilizar hackers informáticos para roubar segredos das investigações em laboratórios destes países que procuram chegar à vacina dos milhares de milhão de dólares.
O mundo político, científico e empresarial ligado ao negócio das farmacêuticas está, à medida que a corrida se aproxima do fim, a entrar em histeria.
Será que a luta desenfreada para chegar em primeiro lugar vai diminuir o rigor científico dos trabalhos de desenvolvimento das vacinas contra a COVID-19?
Será que arriscamos começar a inocular medicamentos sobre os quais não sabemos totalmente a gravidade dos seus efeitos secundários?
Será que a concorrência entre farmacêuticas vai desencadear campanhas de difamação científica sobre vacinas válidas, concebidas por países ou laboratórios concorrentes, que levem outros países a recusar utilizá-las?
Será que acusações como a de espionagem feita à Rússia mostra a impossibilidade da troca de conhecimentos internacional, que leve a acelerar o processo de salvação da humanidade?
Será que as promessas do presidente chinês de distribuição gratuita pelo mundo de uma vacina ou a reivindicação semelhante do homem mais rico do mundo, Bill Gates, ficarão no poço das boas intenções de que o inferno está cheio?
Quantos mortos, diretos ou indiretos, vai provocar a luta pelo domínio da cura da COVID-19?
*Jornalista

plataformamedia.com