Reflexões de uma militante comunista, com base no estudo dos documentos postos à disposição de todos no site «Para a História do Socialismo».
Primeiro, começo por explicar as minhas razões: militante do Partido Comunista Português desde 1952, sempre acreditei que a luta pelo derrubamento da ditadura fascista seria uma primeira etapa para o culminar da nossa batalha pela revolução socialista em que as classes oprimidas tomariam o poder, guiadas pelo Partido Comunista.
A União Soviética era, como dizíamos na altura, o nosso farol a provar que era possível a conquista do poder, que abria o caminho para uma nova sociedade sem exploradores nem explorados. Esta radiosa possibilidade tinha sido largamente reforçada pela estrondosa e gloriosa vitória do Exército Vermelho, guiado por um Quartel-General dirigido por Stáline, que derrotara o exército nazi e levara a bandeira vermelha com a foice e o martelo até à cúpula do Reichstag.
Quando o socialismo foi derrotado e a União Soviética dissolvida, em 1991, ruíram os bastiões que davam força ao movimento comunista.
Uma catástrofe. Mas não a destruição dos nossos objectivos e dos nossos ideais. Só que muito mais longínquos e mais difíceis de alcançar.
Mas para prosseguirmos a nossa luta torna-se imperioso conhecer as causas da derrota: - não se pode avançar numa batalha sem conhecer o inimigo, a estratégia e a táctica que empregou para conseguir derrubar aquele bastião que nos parecia invencível, a União da Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Foi no site «Para a História do Socialismo» que encontrei as principais respostas às minhas angustiadas perguntas. E será a partir de documentos que considero fundamentais aí publicados que procurarei sintetizar as questões essenciais para a compreensão deste assunto, se bem que ainda incompleta, com o objectivo de ajudar outros a compreender.
1.º Documento: - História do Partido Comunista da URSS (bolchevique) - Breve Curso, versão electrónica editada no site entre 1.08.2009 e 5.05.2010, depois publicada em livro em Agosto de 2010, com um excelente prefácio de Filipe Leandro Martins, na altura chefe de redacção do «Avante!», em que explica exactamente a razão dessa publicação: «A oportunidade é, precisamente, a de que esta História do PCU(b), publicada em 1938, responde a muitas das interrogações que os comunistas se colocam acerca da derrota da União Soviética e do consequente desaparecimento do socialismo nos países do Leste europeu; mostra como são actuais as lutas que quotidianamente se travam em grande número de países – contra o capitalismo que vive da exploração e das guerras, contra o imperialismo que arrebata os direitos dos povos – e demonstra finalmente que, sem um partido comunista verdadeiramente revolucionário, livre de oportunismos e de vacilações ideológicas, profundamente ligado às massas, vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, é impossível transformar a luta de classes, que sempre existirá enquanto as classes existirem, numa torrente revolucionária organizada que abra caminho ao socialismo.»
Nesta História do PCUS, no seu capítulo VIII, é relatada a primeira ofensiva das forças militares do imperialismo estrangeiro da Entente, aliadas às forças militares dos contra-revolucionários internos que, de 1918 até 1920, desencadearam uma guerra civil feroz contra o jovem poder soviético. Que não conseguiram vencer.
2.º Documento: - Missão em Moscovo, por Joseph Davies, embaixador dos Estados Unidos da América em Moscovo de 1937 a 1938. Este livro teve a sua primeira edição nos EUA em Dezembro de 1941 e totalizou seis edições. Extractos publicados no site «Para a História do Socialismo» em 4.07.2009.
O essencial neste documento reside nas descrições das várias sessões do processo que teve lugar em 1937/38 em Moscovo, da «Organização militar trotskista anti-soviética», encabeçada pelo marechal Tukhatchésvski, fuzilado com os outros réus por alta traição, ao serviço da Alemanha nazi. No capítulo final do seu livro, o diplomata Davies acrescenta uma importante nota, redigida em 1941, em que diz: «De passagem por Chicago, no regresso a casa vindo da cerimónia de formatura de Junho na minha antiga Universidade, fui convidado para uma sessão pelo Clube Universitário e outras associações do Wisconsin. Havia apenas três dias que Hitler tinha invadido a Rússia. Alguém da assistência perguntou: “O que pode dizer sobre os quinta-colunistas na Rússia?” Sem rodeios, respondi: “Não existem nenhuns – foram fuzilados”.»
3.º Documento: - As Origens do Revisionismo Moderno, por Kurt Gossweiler, que em 2001 intitulou o primeiro capítulo desse livro: «A. Há 60 anos: a preparação do assalto à União Soviética» e descreve no capítulo «B. Como o browderismo foi implantado na Europa», traçando nestes dois capítulos a complementariedade do plano de invasão militar nazi da URSS, a «Operação Barbarossa», com a difusão do browderismo (forma original do revisionismo moderno), associado à ofensiva ideológica ao movimento operário internacional, com o objectivo da dissolução dos partidos comunistas, através da infiltração de agentes imperialistas nos movimentos comunistas, incluindo prioritariamente a sua penetração na União Soviética. Esta acção era comandada e orientada a partir da Suiça por Allan Dulles, que viria a ser posteriormente criador e dirigente da futura CIA, que iria prosseguir o objectivo do imperialismo de destruição, por todos os meios, do socialismo.
4.º Documento – A URSS e a Contra-Revolução de Veludo, por Ludo Martens, editado em «Para a História do Socialismo» em 5.04.2011. Segundo o autor, a obra trata da degenerescência política ocorrida na URSS a partir de 1956, provocada por Nikita Khruchov com o seu «relatório secreto», apresentado no fim do XX Congresso do PCUS, o qual se baseia numa forjada denúncia de chamados «crimes stalinistas», com o objectivo de destruir o socialismo na URSS e instaurar um sistema capitalista no país dos sovietes.
5.º Documento – A Civilização Soviética, livro de Serguei Kara-Murza, publicado por Algoritm, Moscovo, 2002, e parcialmente editado em Abril de 2004 em «Para a História do Socialismo», numa recensão por CN, que considera esta obra «uma interessante visão sobre a nova sociedade nascida em 1917 na Rússia tsarista, analisando os distintos períodos que marcaram a sua implantação, desenvolvimento e desagregação». Nesta edição são abordados apenas os capítulos que se referem à fase da perestróika, apresentando, na perspectiva do autor, os principais momentos deste processo, que se revelou decisivo para a destruição da URSS e para a derrota do socialismo como sistema mundial.
Kara-Murza sistematiza toda a sucessão de diplomas legislativos que foram promulgados a partir de 1985, data em que Gorbatchov se tornou secretário-geral do PCUS, com o objectivo de destruir o sistema soviético e aumentar enormemente os poderes de Gorbachov: - desde a revisão constitucional de 1988, às alterações constitucionais de Março de 1990, que introduziram o novo cargo de Presidente da URSS com plenos poderes, colocando Gorbatchov acima do Presidium do Soviete Supremo da URSS, que era até aí o órgão colegial de chefia do Estado. O Presidente acumulava ainda o posto de Chefe Supremo das Forças Armadas, com plenos poderes para demitir, ou designar o Presidente do Governo da URSS, o Supremo Tribunal, o Procurador-Geral e muito mais.
A oposição anti-soviética constituiu-se formalmente como organização no Congresso dos Deputados do Povo da URSS (novo órgão supremo legislativo criado em 1988). Foi no seu primeiro conclave, em Junho de 1989, que se fundou o Grupo Inter-regional de deputados (GID) cujos objectivos, anunciados nas «Teses para a Plataforma do GID», em Setembro desse ano, exigiam a eliminação do artigo 6.º da Constituição, que consagrava o papel dirigente do PCUS na sociedade.
No III Congresso dos deputados do Povo da URSS, realizado em Março de 1990, foi eliminado o artigo 6.º sobre o papel dirigente do PCUS e criado o cargo de Presidente da URSS, assumido por Gorbachov.
Logo em Janeiro de 1990 foi formado o movimento radical «Rússia Democrática», declaradamente anticomunista.
Foi também em 1990 que se deu início ao desmembramento da propriedade social de todo o povo e descentralização do poder do Estado em benefício dos interesses locais, com a «Lei de Bases sobre o Poder Local, a Gestão Autónoma e a Economia da URSS».
Medidas económicas que levavam à liquidação do socialismo já tinham sido implementadas, sub-repticiamente desde Khruchov, mas a partir de Janeiro de 1987 e em 1988/89 a corrupção foi activada e estimulada pela liberalização do sistema financeiro e do mercado da URSS e pela eliminação do monopólio estatal do comércio externo. Em 1988 foram extintos o Ministério do Comércio Externo e o Comité Estatal de Relações Comerciais, sendo criado o Ministério das Relações Económicas Exteriores, que se limitava a registar empresas e entidades interessadas na importação ou exportação.
Outra medida, tomada em 1987 – a «Lei sobre as Empresas do Estado», foi o primeiro passo para a privatização do sistema bancário.
A liquidação do sistema de planificação foi um golpe fundamental planeado por Gorbatchov a partir de Junho de 1987, na sequência da redefinição do seu conceito de perestróika, apresentada a partir de então como «uma transição para a economia de mercado». Com este objectivo destruiu-se o sistema planificado de atribuição de recursos. O abandono dos planos estatais levou a uma rápida queda da produção.
Em 1991 foi aprovada a «Lei da Desestatização e Privatização das Empresas Industriais», cuja discussão pública foi bloqueada.
Note-se que já tinha sido eliminado da Constituição o artigo sobre a propriedade social das empresas industriais, que constituía a base da economia e o fundamento do sistema socialista da URSS. A transição para o mercado e a privatização instigou as ideologias nacionalistas nas repúblicas da URSS e o desmembramento dos bens comuns provocou inevitavelmente as contradições e os nacionalismos separatistas.
Em 1991, por iniciativa de Gorbatchov, realizou-se um referendo sobre a preservação da URSS, cujo resultado foi de 74,4% a favor da conservação da URSS. Este resultado foi ignorado e a União Soviética liquidada.
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