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A historiadora Irene Flunser Pimentel protestou contra a escolha da antiga deputada do PCP, Rita Rato, para diretora do Museu do Aljube, que se dedica à memória do combate à ditadura do Estado Novo.
Apesar de Rita Rato ter vencido um concurso público (que não era obrigatório) onde entraram dezenas de candidatos, Irene Pimentel suspeita que o júri foi parcial.
Entre os jurados estava Luís Farinha, o anterior diretor do museu, que se reformou, e que é um historiador com quem Irene Pimentel escreveu, pelo menos, dois livros.
Luís Farinha, até agora, não pôs em causa a decisão. Será que Irene Pimentel não acredita no bom senso, no critério e na honestidade intelectual do homem com quem assinou essas obras?
E será que a reputação académica dele, impecável, não conta aqui para nada?
Rita Rato é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais, mas Irene Pimentel, (acompanhada pelo historiador António Araújo e pelo jornalista João Miguel Tavares), acha que ela não tem competência científica para o cargo, que deveria ser reservado apenas para historiadores ou para museólogos.
Fui ler os objetivos do museu do Aljube. Pretende-se "a luta contra o silenciamento desculpabilizante, e muitas vezes cúmplice, do regime ditatorial que dirigiu o país entre 1926 e 1974" - fim de citação. Este museu, que se chama "Resistência e Liberdade", é, portanto, assumidamente, desde a fundação a 25 de abril de 2015 (no dia em que a Revolução dos Cravos fez 40 anos) um museu com missão política.
Por que carga de água a formação universitária e a experiência profissional de Rita Rato como política e como deputada não são adequadas para o cumprimento dessa missão?
João Miguel Tavares, quando foi ultra criticado por alegada falta de credenciais para ser o presidente da comissão organizadora do Dia de Portugal de 2019 disse, com razão, que as detrações que lhe fizeram se deviam, no essencial, a "uma questão de Clube do Bolinha, onde é suposto estar vedado o acesso a quem não é senador, grande intelectual ou catedrático".
Este é o mesmo João Miguel Tavares que agora acha que a direção de um museu com características tão especiais como o do Aljube é um clube onde quem não é académico não entra?
António Araújo, (e também outro historiador, Rui Tavares) acha a nomeação um "insulto" a todos "os que lutaram e sofreram no Tarrafal, em Auschwitz, no Gulag, na Coreia do Norte, em Hong-Kong, em muitos lugares". Porquê? Porque Rita Rato disse, numa entrevista dada há 11 anos, quando tinha 26 anos, que nunca estudou nem nunca leu nada sobre o Gulag, pelo que se escusava a dar uma opinião sobre o tema.
Se é errado contar a tenebrosa história do Gulag como um fanático estalinista a contaria, também é errado contar a história da União Soviética como os inimigos do comunismo hoje em dia a contam - o rigor e a verdade estão ali tremendamente fragilizados.
Quando Rita Rato disse que tinha de estudar como deve ser o tema do Gulag antes de dar uma opinião afirmou algo que, em vez de ser criticado, deveria antes ser secundado por qualquer académico amante da exatidão e da contextualização dos factos.
Mas se a tese da necessidade de retratação pública sobre o passado vingar, espero então que os critérios sejam coerentes e aplicáveis a todos os museus do país.
Fico, portanto, à espera de declarações públicas de vários diretores de museus.
Por exemplo, o diretor do Museu Militar deveria pronunciar-se sobre a chacina de Wiriyamu no Tete, durante a Guerra Colonial e o diretor do Museu da Marinha deveria demarcar-se dos mais de 300 anos de comércio de escravos em Angola... É isto que querem?
Irene Flunser Pimentel também acha que a nomeação de Rita Rato tem "o perigo de o PCP hegemonizar o património da memória" da resistência à ditadura.
Se, portanto, um comunista não pode ser diretor de um museu da resistência ao fascismo suponho que também não o possa ser num museu no Tarrafal. E também nenhum judeu, nenhum comunista e nenhum cigano podem ser diretores de um museu sobre o Holocausto. E também, que ironia, nenhum defensor do capitalismo poderá alguma vez dirigir um museu sobre o Gulag de Estaline...
Segundo estas almas catedráticas, qualquer museu político, de denuncia do terror contemporâneo, não pode ser gerido por alguém que tenha afinidade com as vítimas desse terror, para não "hegemonizar" o discurso oficial... Isto faz algum sentido?
Rita Rato, apesar de ser minha camarada de partido, não é das minhas relações pessoais. Conversei com ela apenas duas vezes na vida, quando calhou estarmos em eventos públicos. Espero que seja boa diretora do Museu do Aljube, espero que o júri que a escolheu tenha decidido bem, mas, francamente, não sei...
Sei que as pessoas que criticam esta nomeação têm todo o direito a fazê-lo.
Sei que isso não quer dizer que tenham razão.
Sei ainda que não posso estar calado quando o sumo do debate, depois de espremido o fruto da argumentação, é esconder luta política mesquinha sob a capa da dignidade da ciência histórica (como aliás, erradamente, também estão a fazer a autores de direita).
Sei que se me calasse seria cúmplice de uma discriminação inaceitável. Pode parecer um assunto menor, mas não é.
Sei que um dia é com comunistas, no outro é com qualquer um, depois será com todos.
www.tsf.pt
Cuidado que isto cheira a um ensaiar para um próximo futuro.
ResponderEliminarParece que se está a ensaiar 'este/a não podem ser isto e aquilo por causa do gulag, coreia do norte, cuba, venezuela' e outros argumentos bolorentos