No passado mês de abril, a propósito da discussão sobre o dito Fundo de Recuperação o primeiro-ministro afirmou que “não é uma fisga, falta saber se é uma pressão de ar ou uma bazuca”.
Semanas depois, ficámos a saber que a tão esperada bazuca afinal nunca chegou a existir. É razão para se dizer que antes de ser já era.
Os 500 mil milhões previstos inicialmente no Fundo de Recuperação na designada componente de subvenções passou para 390 mil milhões de euros, isto é menos 110 mil milhões de euros, que foram transferidos para a componente dos empréstimos, empurrando os países para maiores níveis de endividamento, o que é negativo para países como Portugal.
Como contrapartida impuseram novos mecanismos de avaliação das opções de investimento dos Estados-membros, o que configura um agravamento da interferência da União Europeia nas suas decisões soberanas, associando-lhes o aprofundamento das reformas estruturais, o que no léxico da União Europeia corresponde a novos ataques aos direitos dos trabalhadores e aos direitos sociais.
Como se não bastasse, atribuíram ainda mais descontos às contribuições da Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca e a Alemanha mantém o desconto de que já beneficiava, que são dos países que mais beneficiam com a integração, ao mesmo tempo que se prevê um aumento da contribuição de Portugal para o orçamento da União Europeia. Isto significa que a função redistributiva do orçamento, um dos seus principais objetivos fica ainda mais comprometida e só contribui para o aumento das desigualdades e das assimetrias entre Estados-membros.
Se a proposta inicial da responsabilidade da Alemanha e da França já era negativa para Portugal, o que ficou acordado no Conselho Europeu é ainda mais prejudicial.
À insuficiência dos montantes do Fundo de Recuperação para fazer face às necessidades de investimento, somam-se os cortes no Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, sobretudo na vertente da coesão e na agricultura.
A reunião do último Conselho Europeu mais uma vez demonstrou as profundas fraturas e as contradições na União Europeia, bem como quais os principais beneficiários do processo de integração capitalista. Mais uma vez demonstrou que o que importa não é a solidariedade e cooperação entre Estados, mas sim a defesa do capital, do mercado único, responsável por enormes iniquidades e desigualdades. No período inicial da epidemia o que marcou a atuação da União Europeia foi a total ausência de solidariedade, que se mantém num momento em que é fundamental investir na valorização dos trabalhadores e dos seus rendimentos, na produção nacional, nos serviços públicos e na recuperação do controlo público de sectores estratégicos da economia, sem condicionalismos e respeitando a soberania dos Estados-membros.
expresso.pt
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