O palacete da Comenda estava ao abandono, e nas suas imediações nasceu há muitos anos um parque de merendas que já está tão "institucionalizado" que a Câmara Municipal de Setúbal (CMS) gastou no ano passado cerca de €136 mil em melhoramentos. Mais informal tem sido o parque de estacionamento que nasceu junto à praia de Albarquel.
Os novos proprietários da Herdade da Comenda mudaram tudo. Começaram por fechar o palacete e iniciaram obras. Cercaram também a herdade com avisos de propriedade privada. Logo a seguir, destruíram o parque de estacionamento - dito de outro modo, foi lavrado por um trator.É um dos negócios imobiliários do ano (embora tenha sido escriturado ainda em dezembro de 2019) e as suas consequências prometem polémica em Setúbal. A venda da Herdade da Comenda - uma propriedade de quase 600 hectares na linha de praias da Arrábida, onde se inclui um famoso palacete - mudou totalmente o uso público do mesmo pelas populações.
Os novos proprietários da Herdade da Comenda mudaram tudo. Começaram por fechar o palacete e iniciaram obras. Cercaram também a herdade com avisos de propriedade privada. Logo a seguir, destruíram o parque de estacionamento - dito de outro modo, foi lavrado por um trator.
Quanto ao parque de merendas, inicialmente Maria das Dores Meira, presidente da CMS, informou que estava em negociações com os novos proprietários para o manter aberto ao público pelo menos até ao final de 2020. E que o parque de estacionamento ia ser recuperado. Parece que não.
Segundo informa o jornal Setúbal Mais, Maria das Dores Meira diz que "para nosso espanto, o terreno foi todo lavrado" após uma reunião onde alegadamente a empresa se comprometera a manter o estacionamento. "Perante esta situação fizemos um ultimato à empresa proprietária da Comenda que iríamos proceder à expropriação do Parque de Merendas da Comenda e do parque de estacionamento de Albarquel, até porque a nã outilização deste vai condicionar o acesso à praia", cita o jornal fazendo referancia às declarações da autarca em reunião de câmara no dia 5 de fevereiro.
A escritura do negócio da Comenda foi lavrada a 5 de dezembro de 2019 em Lisboa. Os ainda proprietários (os herdeiros do empresário António Xavier de Lima) estavam representados por um procurador. Do outro lado estava Fernando Manuel Neves Gomes, pela Seven Properties – Sociedade de Investimentos Imobiliários S.A., de que é presidente do conselho de administração.
Por se tratar de uma sociedade anónima, não é claro se é também acionista da empresa e em que proporção. Mas este advogado tem sede profissional na mesma morada que a Seven Properties, na Av. António Augusto Aguiar, 163, 2º dto., Lisboa. A empresa foi constituída em 2006 com um capital social de 50 mil euros. Neves Gomes era o administrador único. Em 2017 – por coincidência quando a Seven entra em negociações com os herdeiros da Xavier Lima, segundo apurou a SÁBADO – dá-se uma alteração. Assim, a 3 de março a empresa faz um brutal aumento de capital, passando para 5 milhões de euros correspondentes a um milhão de ações (€5 cada). Estas, segundo o Portal de Justiça, eram ao portador. Neves Gomes não respondeu à SÁBADO, bem como não o fez o revisor de contas da empresa, a RSM & Associados (o revisor Miguel Melo referiu que carecia de autorização da empresa para o fazer).
A sueca que "mora" no DubaiO aumento de capital na Seven Properties terá implicado a entrada de um novo acionista. Neves Gomes deixa de ser administrador único e aparece agora como vogal Anna Sjöholm. Esta mulher de apelido sueco não tem participação em mais nenhuma empresa portuguesa (segundo o Informa D&B) e apresenta como morada "WorldWide Formations, PO BOX33964, Dubai, Emirados Árabes Unidos". A WorldWide Formations é uma empresa do Dubai especializada em paraísos fiscais.
Além de "ser a representante oficial de Vanuatu para facilitar o seu programa de cidadania [uma espécie de vistos gold neste paraíso fiscal da Oceania]", a WorldWide Formations é "especializada na formação de empresas da zona franca e offshore nos Emirados Árabes Unidos", lê-se no seu site. A empresa já aparecia nos Panama Papers em 2016. A sua morada era também a de uma outra empresa que depois se ramificava em vários paraísos fiscais até terminar num magnata do petróleo norueguês.
Para dissipar dúvidas, a SÁBADO ligou para a WorldWide Formations para perguntar por Anna Sjöholm. "Não trabalha cá ninguém com esse nome." Num contacto posterior, por email, a empresa respondeu o mesmo e remeteu-se depois ao silêncio sobre o porquê de a sua morada aparecer numa vogal de uma empresa portuguesa. "Mesmo que tal cliente exista, não podemos dar-lhe qualquer informação." Tudo indica que será uma empresa que cria empresas para os clientes dando-lhe assim uma morada.Apesar das várias insistências da SÁBADO (incluindo referências à opacidade acima descrita) a CMS não revelou quem são os representantes da Seven com que tem reunido.
O que diz a lei
Segundo o Código das Expropriações, na sua versão mais atualizada, de 2008, "Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código."
Diz ainda que "tratando-se de execução de plano municipal de ordenamento do território ou de projectos de equipamentos ou infra-estruturas de interesse público, podem ser expropriadas de uma só vez, ou por zonas ou lanços, as áreas necessárias à respectiva execução."
No caso de autarquias, a declaração de utilidade pública é da competência da Assembleia Municipal.
Praia caminha para privada?No anúncio publicado online pela Sandra Camelo Imobiliária, o título era "Palácio T10+Praia Privada". Um aparente equívoco, uma vez que não há praias privadas em Portugal – quando muito, há hotéis que dificultam tanto o acesso ao público que a praia parece exclusiva dos hóspedes. Ou o título não foi um mal-entendido? O que está a acontecer na Comenda tem um pouco a ver com isso, uma vez que a herdade parece estar a ser cercada.
Devido à morfologia da costa, o acesso à praia (e mesmo à foz da ribeira) fica assim apenas acessível aos mais aventureiros. Não é uma praia privada, mas quase.
A compra da Comenda acabaria por ser fechada por €16 milhões, pagos por transferência bancária. A escritura revela que a viúva do antigo dono tinha 75%. Foi transacionado um terreno, o Palácio, uma capela, um moinho e mais 33 pequenas casas (algumas abarracadas). Mais é dito que a compra se destina "a revenda".
Recorde-se que em 2016, a Câmara Municipal de Setúbal (CMS) avançou com a classificação do Palácio da Comenda – o dossiê ainda está em aberto na Direção- -Geral do Património Cultural.
www.sabado.pt
Quanto ao parque de merendas, inicialmente Maria das Dores Meira, presidente da CMS, informou que estava em negociações com os novos proprietários para o manter aberto ao público pelo menos até ao final de 2020. E que o parque de estacionamento ia ser recuperado. Parece que não.
Segundo informa o jornal Setúbal Mais, Maria das Dores Meira diz que "para nosso espanto, o terreno foi todo lavrado" após uma reunião onde alegadamente a empresa se comprometera a manter o estacionamento. "Perante esta situação fizemos um ultimato à empresa proprietária da Comenda que iríamos proceder à expropriação do Parque de Merendas da Comenda e do parque de estacionamento de Albarquel, até porque a nã outilização deste vai condicionar o acesso à praia", cita o jornal fazendo referancia às declarações da autarca em reunião de câmara no dia 5 de fevereiro.
A escritura do negócio da Comenda foi lavrada a 5 de dezembro de 2019 em Lisboa. Os ainda proprietários (os herdeiros do empresário António Xavier de Lima) estavam representados por um procurador. Do outro lado estava Fernando Manuel Neves Gomes, pela Seven Properties – Sociedade de Investimentos Imobiliários S.A., de que é presidente do conselho de administração.
Por se tratar de uma sociedade anónima, não é claro se é também acionista da empresa e em que proporção. Mas este advogado tem sede profissional na mesma morada que a Seven Properties, na Av. António Augusto Aguiar, 163, 2º dto., Lisboa. A empresa foi constituída em 2006 com um capital social de 50 mil euros. Neves Gomes era o administrador único. Em 2017 – por coincidência quando a Seven entra em negociações com os herdeiros da Xavier Lima, segundo apurou a SÁBADO – dá-se uma alteração. Assim, a 3 de março a empresa faz um brutal aumento de capital, passando para 5 milhões de euros correspondentes a um milhão de ações (€5 cada). Estas, segundo o Portal de Justiça, eram ao portador. Neves Gomes não respondeu à SÁBADO, bem como não o fez o revisor de contas da empresa, a RSM & Associados (o revisor Miguel Melo referiu que carecia de autorização da empresa para o fazer).
A sueca que "mora" no DubaiO aumento de capital na Seven Properties terá implicado a entrada de um novo acionista. Neves Gomes deixa de ser administrador único e aparece agora como vogal Anna Sjöholm. Esta mulher de apelido sueco não tem participação em mais nenhuma empresa portuguesa (segundo o Informa D&B) e apresenta como morada "WorldWide Formations, PO BOX33964, Dubai, Emirados Árabes Unidos". A WorldWide Formations é uma empresa do Dubai especializada em paraísos fiscais.
Além de "ser a representante oficial de Vanuatu para facilitar o seu programa de cidadania [uma espécie de vistos gold neste paraíso fiscal da Oceania]", a WorldWide Formations é "especializada na formação de empresas da zona franca e offshore nos Emirados Árabes Unidos", lê-se no seu site. A empresa já aparecia nos Panama Papers em 2016. A sua morada era também a de uma outra empresa que depois se ramificava em vários paraísos fiscais até terminar num magnata do petróleo norueguês.
Para dissipar dúvidas, a SÁBADO ligou para a WorldWide Formations para perguntar por Anna Sjöholm. "Não trabalha cá ninguém com esse nome." Num contacto posterior, por email, a empresa respondeu o mesmo e remeteu-se depois ao silêncio sobre o porquê de a sua morada aparecer numa vogal de uma empresa portuguesa. "Mesmo que tal cliente exista, não podemos dar-lhe qualquer informação." Tudo indica que será uma empresa que cria empresas para os clientes dando-lhe assim uma morada.Apesar das várias insistências da SÁBADO (incluindo referências à opacidade acima descrita) a CMS não revelou quem são os representantes da Seven com que tem reunido.
O que diz a lei
Segundo o Código das Expropriações, na sua versão mais atualizada, de 2008, "Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código."
Diz ainda que "tratando-se de execução de plano municipal de ordenamento do território ou de projectos de equipamentos ou infra-estruturas de interesse público, podem ser expropriadas de uma só vez, ou por zonas ou lanços, as áreas necessárias à respectiva execução."
No caso de autarquias, a declaração de utilidade pública é da competência da Assembleia Municipal.
Praia caminha para privada?No anúncio publicado online pela Sandra Camelo Imobiliária, o título era "Palácio T10+Praia Privada". Um aparente equívoco, uma vez que não há praias privadas em Portugal – quando muito, há hotéis que dificultam tanto o acesso ao público que a praia parece exclusiva dos hóspedes. Ou o título não foi um mal-entendido? O que está a acontecer na Comenda tem um pouco a ver com isso, uma vez que a herdade parece estar a ser cercada.
Devido à morfologia da costa, o acesso à praia (e mesmo à foz da ribeira) fica assim apenas acessível aos mais aventureiros. Não é uma praia privada, mas quase.
A compra da Comenda acabaria por ser fechada por €16 milhões, pagos por transferência bancária. A escritura revela que a viúva do antigo dono tinha 75%. Foi transacionado um terreno, o Palácio, uma capela, um moinho e mais 33 pequenas casas (algumas abarracadas). Mais é dito que a compra se destina "a revenda".
Recorde-se que em 2016, a Câmara Municipal de Setúbal (CMS) avançou com a classificação do Palácio da Comenda – o dossiê ainda está em aberto na Direção- -Geral do Património Cultural.
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